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Lisérgicos devaneios no “Descaralation Valley”, Buzios, ao som de “Tales from Topographic Oceans”, obra-prima do Yes

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O Yes é um do mais importantes grupos da história do rock. Até aí, nenhuma novidade. A boçalidade é a banda não ter saído de cena quando Chris Squire morreu de câncer, em junho do ano passado. Na minha opinião era ele o líder do grupo, o grande compositor e arranjador, que ao lado do cantor Jon Anderson (que nos anos 80 apelidei de Sandra por causa da semelhança de um colar de pérolas dele com o de uma conhecida política brasileira) e do guitarrista Steve Howe compuseram históricas antologias.

Hoje o Yes não passa de um antro de barangas oportunistas que como o mosquito da dengue/zika/microencefalia/dilma.com.br pousa aqui e ali molestando o legado da banda.

Sandra saiu e em seu lugar entrou um sujeito fricoteiro que não conheço. Rick Wakeman, pau a pau com Keith Emerson no quesito de melhor tecladista de rock, jazz e afins, também saiu fora e em seu lugar tinha entrado seu filho, que também saiu e hoje está um estagiário. No lugar de Chris Squire outra lenda do anonimato absoluto, um encagaçado baixista que não tem coragem de solar. Da boa formação só restam Steve Howe (69 anos, todas as guitarras, violões, banjos e afins) e Alan White (65 anos, bateria). Mas duas andorinhas não fazem sequer um inverno.

Em homenagem ao verdadeiro Yes (e não a esse paraguaio) declaro para os devidos fins que após uma imersão automobilística ouvindo a versão remasterizada do álbum “Tales from Topographic Oceans” passei a considerá-lo a obra-prima do Yes.

Já tinha notado mas agora tenho certeza de que a abertura dessa obra (o original ocupa os quatro lados do vinil duplo, sem interrupções, obra de quatro longas peças) é um belo manifesto beat. Não esperava isso de Sandra, o Jon Anderson, letrista chegado a um filé de jiló, mapa astral, esoterismo, ralação nas outras, aquela coisa meio bela gil. Mas quando você da play, um inesperado e genial vocal dispara um longo poema beat que parece incontrolável:

“Dawn of light lying between a silence and sold sources
Chased amid fusions of wonder
In moments hardly seen forgotten
Coloured in pastures of chance dancing leaves cast spells of challenge
Amused but real in thought, we fled from the sea whole

Dawn of thought transferred through moments of days undersearching earth
Revealing corridors of time provoking memories
Disjointed but with purpose
Craving penetrations offer links with the self instructors sharp and tender love
As we took to the air a picture of distance……(…)”

E por aí vai, ladeira acima, empenando tudo e todos. Pouco a pouco os instrumentos vão chegando e se juntando a essa maravilhosa orgia genuinamente progressiva que entrou para a história pela porta da cozinha.

Quando foi lançado em 4 de janeiro de 1974, a crítica fez beicinho. Na verdade não entendeu nada, nenhum segundo de 1 hora e 22 minutos de MÚSICA. Hoje, arrependida, a crítica tira o chapéu e atesta a genialidade do álbum.

Foi o último trabalho de Rick Wakeman no Yes. Ele ficou indignado por ter sido jogado para escanteio durante as gravações. Na época ele disse que “eu ficava horas no estúdio jogando dardos, sem ter o que fazer, enquanto Jon, Steve e Chris se trancavam para resolver as músicas”.

O antigo baterista Bill Bruford deixou o Yes um ano antes alegando razões parecidas, indo tocar no King Crimson. Houve também bate boca por causa do local da gravação: metade da banda queria gravar em um estúdio no interior da Inglaterra e a outra metade queria gravar em Londres. Foi decidido que o álbum seria gravado em Londres, no Morgan Studios.

Magoado com a decisão, Sandra, que tinha batido pé em prol da aventura rural, mandou que os técnicos do estúdio que o adaptassem o local colocando azulejos nas paredes da sala de gravação para "simular a acústica de um banheiro de fazenda". Mais: ele e alguns técnicos decoraram o estúdio com vacas de plástico, montes de feno e até um pequeno celeiro. As duas histórias foram confirmadas; a primeira pelo road manager da banda na época, Michael Tait, e a segunda por Ozzy Osbourne (que utilizava o estúdio ao lado para gravar com o Black Sabbath), em sua autobiografia.

Até segunda desordem os bons livros tem sempre razão.

Hoje, Jon, Wakeman e Brufford acham graça e reconhecem que “Tales from Topographic Oceans” é um álbum genial. Chris Squire consegue se superar em solos demolidores e fraseados impressionantes arrancados de seus baixos Rickenbacker 4001 estéreo. Ele usou seis, devidamente mexidos por ele. É o melhor trabalho de Steve Howe e seus solos esvoaçantes, livres, ágeis, secos e, apesar da indignação Rick Wakeman arrasa, principalmente no mellotron e Alan White, como sempre, brilha. Não foi a toa que anos antes estava em casa, o telefone tocou e do outro da linha uma voz dizia “Alan, é o John...Lennon...”. O baterista achou que era trote, mas era mesmo Lennon convidando para ele tocar na Plastic Ono Band. Depois engatou nas gravações do álbum “All Things Must Pass”, de George Harrison.

“Tales from Topograph Oceans” foi a trilha sonora de um de meus inesquecíveis verões. Eu estava passando fperias de 32 dias em Búzios, década de 80, numa casa na Ferradura que abrigava também um suíço (fugia do alistamento militar) e um canadense que viajavam há meses. Tinham saído a pé do México rumo a Terra do Fogo.

Profundos conhecedores de Carlos Castañeda, eles começaram a frequentar conosco um lugar que apelidei de “Descaralation Valley” onde tentávamos pescar (o mar era perigoso, os abismos também) o nosso almoço, sempre ao som deste álbum do Yes que tocava num som portátil em fita K7.

Os dois disseram que haviam descoberto um cactos de seis bocas parecido com o peiote descrito pelo índio Don Juan no livro “A Erva do Diabo”, de Castañeda. Cortaram vários pedaços de cactos, esperaram chegar a lua (não lembro se cheia, nova ou minguante), puseram num panelão e cozinharam por oito horas seguidas no fogão a lenha do lado de fora da casa, ao som de “Tales from Topograph Oceans”.

A noite a sopa foi servida. Não tomei porque tenho cagaço dessas coisas. Um ritual silencioso. Duas horas depois, as pessoas foram sumindo. Um (não cito nomes) chegou quatro dias depois, barbado, com fome, sede e conjuntivite dizendo que “vivo os dias mais felizes de minha vida”. Outro foi visto nadando na caixa d´água da casa de Betty Faria. 

O canadense também desapareceu sendo encontrado oito dias depois perto de Tucuns, num bacanal numa casa habitada por um bando de dançarinas de Macaé, completamente nuas bebendo Campari pelo gargalo. O suíço voltou três dias depois não se sabe de onde e o amigo que desceu a ribanceira de moto na noite do peiote foi encontrado desidratado e feliz na rodoviária de Cabo Frio dois dias depois.

Mas, sejamos francos. Depois de “Tales from Topographic Oceans” o Yes se atirou num vendaval de fiascos gravando um varal de mediocridades em sequencia, os álbuns “Relayer”, “Going for the One”, “Tormato” e “Drama”, só conseguindo por a cabeça para fora em 1983 quando lançou o surpreendente “90125”. Depois? Mais fiascos. Até hoje.

Por que o Yes não saiu de cena optando, como Greta Garbo, por acabar no Irajá?








Obesidade Existencial

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Baiacu 1

Baiacu é um peixe com dentes parecidos com os da piranha e quando você pesca e coça o barrigão branco dele, incha até explodir. Baiacu não é gente, morde o pé da gente. Dizem que baiacu voa, que baiacu é bicheiro, enfim, falam tudo desse estranho peixe, feio, porco, mau caráter, carreirista, fedorento que, sinceramente, não sei pra que existe. Nem ele, nem os tubarões que deveriam ser mortos a bombas, assim como cobras, ratos e aranhas.

Baiacu é também o apelido que os obesos arrastam pela vida, também chamados de bolas de sebo, colhões de boi, cloaca de Vênus e outros clássicos da baixa literatura da nossa rica, caliente e triangular língua.

Baiacu 2

Convencido pelo povo que decretou que "o mundo é dos magros" o homem-baiacu inventou o regime alimentar para combater a obesidade que começa com um pequeno aumento da barriga, da cintura, das coxas e uma quase ilusória diminuição do pênis (que vira um sininho no meio da selva de banha) até transformar pessoas em massas disformes de gordura se arrastando pelas ruas suando como zebras estupradas no Parque Nacional do Quênia, onde flamingo vermelho voa de costas para não levar um tiro na cara.

A pressão arterial deste adiposo mamífero, em geral, está na faixa de 17 por 10. Ele tem pouca resistência até para copular, uma operação delicada, diga-se de passagem, pois tem que recorrer às humilhantes técnicas adotadas por mulheres grávidas de 7 meses em diante.

O regime alimentar é a única maneira do homem-baiacu virar peixe-agulha. Fechar a boca. Não existe outra saída. Mas o regime faz o homem-baiacu mentir para si mesmo, se auto-cornear ao abrir a geladeira de madrugada e atacar dois litros de sorvete de coco da Kibon, ou cair de boca no famigerado Movenpick e seu veneno de nozes.

Baiacu 3

Quando começa a fazer regime, a bola de sebo fica ansiosa e, em geral, começa a tratar grosseiramente a sua mulher e (ou) companheira. Torna-se um insuportável covarde. Usa a sogra como saco de pancadas alegando que precisa fazer exercícios físicos. A crendice popular registra dramáticas crises de abstinência de homens-baiacu em dieta, aquele terrível desejo de devorar 44 chocolates Nestlé de 800 gramas, com recheio de castanha do caju. Aqui perto, no século passado, um homem quis comer a sua cadela poodle no auge de uma crise, mas foi contido por populares quando já estava com o rabo do animalzinho enterrado na garganta.

Baiacu 4

Hoje em dia é praticamente impossível encontrarmos um obeso que não esteja fazendo regime. Fazer regime alivia a culpa e furá-lo, comendo, distraidamente, uma ou outra torta alemã, um quindão, ou 57 brigadeiros é considerado “acidente de percurso”. O obeso se torna mau caráter, mente pra médico, pra nutricionista, mente pra veterinário, mente pra ele mesmo.

Não tem jeito. Homem (mulher segue outra tabela) que tem 1.70m de altura tem que pesar 60 quilos no máximo. 1.80m, 80 quilos e por aí vai. Essa é a dura realidade da quase incorruptível balança. Mais: não conheço obeso que goste de ser obeso. Conheço gordo. Obeso não. E entre gordo e obeso existe um elefante diferenciador.

Obesidade é como um casamento que vai mal das pernas. Vai se arrastando, acumulando gorduras, astral baixo, pressão alta, vagalhões de culpa, desculpas, até que um dia você ouve algo do tipo “vê se não aparece mais aqui desse jeito” e, big bang!" Explode tudo. Você pensa, constata que aquela história não foi de toda má, mas em matéria de sargento já basta o guarda da esquina. 

E como a gordura que asfixia o coração, é preciso dar um fim as pelancas acumuladas pela repressão, pela depressão, pela desconfiança, por toda a embalagem que embrulha as relações mal resolvidas. Aí, meu amigo, é só fechar a boca e empinar o peito para perder peso e culpa. 

Saúde.

Texto de meu livro “Torpedos de Itaipu”, editora Artware -  1995

Memórias de uma motocicleta assassina

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                        Imagem que peguei na web
                          Ela nunca se fez de santa
Como o amigo Hilário Alencar sou um apaixonado por motocicletas. Quer dizer, Hilário é muitíssimo mais apaixonado do que eu, assim como outro grande amigo, Márcio Paulo Maia Tavares, motociclista há mais de 30 e tantos anos. Claro, tem o João Chaves, PhD no assunto.

Meu primeiro contato com esse obscuro objeto do desejo, veículo de duas rodas motorizado foi na adolescência, 13, 14 anos, quando começaram a ser vendidas no Brasil um ciclomotor chamado Velosolex. 

Que delícia aquilo. Eu andava na de amigos, escondido de meus pais que como 99% de todos os pais proibiam que andássemos de moto. A vele do Guilherme era envenenada e sem escapamento. Anos depois, o Guilherme vacilou na sua Yamaha 125, bateu e morreu na Praia de Icaraí.

O saudoso amigo Alex Mariano e eu estudávamos na mesma faculdade, a Estácio no Rio Comprido. Ele tinha uma Yamaha 200 azul e, dia sim, dia não cruzávamos a ponte, eu na garupa. Volta e meia o motor da moto apagava mas o Alex, que tinha alma de cientista genial como o Lampadinha, personagem de Walt Disney, sem perder a calma pedia que eu descesse e levantasse e abaixasse com força a frente da moto. “Isso é magneto com mau contato”, ele dizia. Depois de 10 a 20 balançadas a moto pegava e íamos em frente.

Uma vez no verão, ameaça de chuva, ventava pra cacete e a Yamaha 200 deu esse problema justamente no vão central. Balancei 30, 40 vezes e nada. Quase fomos pegos por um ônibus da Itapemirim que vinha voando pelo acostamento e vupt passou muito, muito perto. Tanto que eu, Alex e a moto quase caímos. Meu amigo fez uma de suas feitiçarias e moto pegou. Moto, por sinal, com 130 mil quilômetros rodados pois até a Bahia Alex já tinha ido.

Anos depois, passando algumas semanas do verão na serra, fui apresentado a “assassina”, a Yamaha 350 RD, top de linha na novela “Assim da Terra como no Céu”. Era uma verde musgo que nunca teve pinta de ingênua. Tão assassina que a Yamaha foi proibida de produzir no mundo todo. Nos anos 1980/90 voltou com uma RD nova mas foi um fracasso. Bom, um amigo de verão chamado Mosquito tinha uma, anos 1975, e me emprestou.

Saí tentando ir devagar, mas o motor de dois tempos (aquele que fazia toc toc toc toc soltando fumaça azul, mistura de gasolina com óleo) da moto meio que forçava a acelerar. Alguns sinais de trânsito adiante, parei. Uns 10 carros parados e segui o protocolo, ficando na primeira fila a esquerda. O sinal abriu, acelerei e nada. A moto fez um som de arroto, como se fosse golfar. Só deu tempo de olhar para baixo, para o motor. Em suma, ela não queimou a gasolina logo. Ficou acumulada no carburador. 

Queimou tudo de uma fez e, logicamente, a bicha arrancou forte, empinou e eu caí para trás. A moto caiu em cima de minha perna, sofri alguns arranhões, mas ainda assim insisti. Ter 15 anos é uma merda.

Fui até a Rio-Bahia onde acelerei tudo. Não tive coragem de olhar o velocímetro e quando um filme de minha vida começou a passar na cabeça aliviei o acelerados. Motor dois tempos não tem compressão, não freia, ele só faz "toc toc, toc” e você que se vire. 
A “assassina” tinha outras “virtudes” como, por exemplo, os freios de merda. Sorte que não precisei, senão adeus.

Devolvi a moto ao Mosquito com a promessa de comprar um espelho retrovisor quebrado no tombo e também umas borrachas das pedaleiras. Agradeci pensando “nessa não ando nunca mais”. Duas semanas depois Mosquito morreu. A “assassina” o jogou embaixo de um caminhão. Foi horrível.

Por que escrevo sobre a RD 350? 1 – porque vi uma hoje de manhã, parada em frente a um bar. Tive vontade de parar para fotografar mas o trânsito não deixou; 2 – tenho pensado em voltar a ter moto (desde 2003 não tenho, as duas últimas foram duas maravilhosas Suzuki DR 800), mas rola um receio, vulgo cagaço; 3 – ainda assim, inexplicavelmente bateu saudade da “assassina”.

Vai entender a alma humana.




Contemplava uma morena boa pra cacete que manuseava bananas orgânicas num supermercado moderninho, pensando que quando me afasto da música o vento sopra de sudoeste

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                                   Bunker da Rádio Fluminense FM, em 1984: Liliane Yusim, Alex Mariano, Alvaro Luiz Fernandes, Hilário Alencar, Paulo Sisinno e eu
Conheço um supermercado moderninho, cheio de produtos naturais e mulheres de todos os tipos: belas, gostosas, interessantes, gulosas, ávidas, tênues, robustas, naïf, etc. etc. etc. Durante um bom tempo, semi-hipnotizado, fiquei contemplando uma morena boa pra cacete manusear suavemente bananas orgânicas, como se fossem lâmpadas de Aladim. Bananas d´água ainda por cima. Que coisa.

Simultaneamente, pensava na vida. Na vida de todo mundo. A morenaça ronronando para as bananas me lembrou do meu giga amigo Alex Mariano Franco. Caramba, que saudade desse cara. Que saudade! Alex era o rei dos apelidos. Conheço umas 10, 20 pessoas que foram apelidadas por ele e nunca mais se livraram dos codinomes/tatuagens. Meu amigo desde a adolescência, ele conheceu meu “braço armado” quando foi fazer comigo a Rádio Fluminense FM, em 1981, quando o trabalho começou. 

Inicialmente ele me apelidou de Luiz Antonio Mulla (com dois L) por causa de meus coices que ele dizia serem “alegóricos” e, também, de “imperador Bokassa”, referência a Jean-Bédel Bokassa, hediondo ditador africano que de meados dos anos 1970 até 1985 cometeu genocídio e até canibalismo quando esteve no poder.

Quando Alex me chamou de “Bokassa” pela primeira vez (eu quase tinha saído na porrada com alguém que não me lembro, momentos antes), dei um coice no meu querido amigo. “Alex, Bokassa é o caral...! Luiz Antonio Mulla pode, mas Bokassa nem a pau!”. Ele não perdeu a pose: “e amado chefinho, pode?” Foi o apelido que pegou.

Sempre lembro do Alex porque ainda não pude chorar a sua morte vil, canalha, covarde como deve ser chorada. Ele me dizia, sempre debochadamente, “amado chefinho, quando você para de ouvir música entra em TPM e sobra pra gente”. Tinha razão, o grande Alex.

Tempos atrás me afastei da música e quando percebi o mar tinha virado, ventos de sudoeste começaram a soprar forte e eu me vi diante de ondas de 20 metros de alturas, aquelas de Maverick, Califórnia, com uma prancha pequena, de madeira. Como no filme “Tudo por um Sonho”

Não são as maiores ondas que tive que encarar, mas me deram trabalho. Surfei-as com o desasossega vizinhos “Quadrophenia”, do The Who, que ouvi no computador turbinado por amplificação Edifier que meu irmão e meu sobrinho me deram de presente tempos atrás.

A medida em que a guitarra lancinante de Pete Townshend, a bateria extraterrena de Keith Moon, o baixo desesperadamente genial de John Entwistle iam engolindo os 17 andares de meu prédio, fui acalmando, acalmando, acalmando e sentei para escrever.

Fato é que deixei de ser Luiz Antonio Mulla em 2008, quando, sem saber, fui trabalhar num escroque calabouço corporativo que cismou de me domar. Não prestou. Nem os 12 anos e varada de governo em Niterói, onde fui  presidente de uma fundação de arte e depois de uma empresa de turismo, eu aliviei nos coices. Ao contrário. Aí que eu tive que mandar chumbo mesmo porque política não é para babaca. Se você não chuta antes acaba linchado. Não dá para caçar borboletas na Síria do Estado Islâmico cantando “pela estrada afora eu vou bem sozinho...”

Por isso, prometi dois anos atrás a meu amigo L.G. Bayão: “Prometo as zaralhadas de leitores aqui deste blog, mas ESPECIALMENTE A VOCÊ (em maiúsculas) que NÃO VOU MAIS ABANDONAR A MINHA MÚSICA, que vai de rock and roll existencial até bossa nova da região de meu amigo e padrinho de estúdio Roberto Menescal, via Egberto Gismonti, Badi Assad, André Geraissati e similares.

Continue dando coices aí que eu respondo daqui. Sem coice não dá, meu amigo. Uma vez, um déspota me enviou um corvo-correio (estafeta dele) com a mensagem “de concessão em concessão viramos Conceição”. 

O canalha tinha razão.


“Viva Adão e Ivo! Morte aos fascistas!”

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Obra de Hélio Oiticica sobre foto do corpo do bandido Cara de Cavalo
Brejeiro é médico. Obstetra. Finalmente fora absolvido num processo complicado. Ao fazer um parto natural em um elegantíssimo hospital, como de praxe ergueu o bebê e anunciou “é um menino”.

No centro cirúrgico, além da equipe, o pai da criança que, como toda a família, estava gravemente infectado pelo vírus do Politicamente Correto, uma das pestes mais graves da história contemporânea. Indignado, quase rubro de ódio, o pai falou alto no centro cirúrgico.

- Doutor Brejeiro, o senhor não pode condenar meu filho ao sexo masculino. Ele vai escolher o seu gênero ao longo da vida. Ao erguê-lo como troféu e decretar “é um menino” o senhor ignora os mais básicos princípios básicos que norteiam o Politicamente 
Correto, a nossa sina, a nossa vida.

Brejeiro não se desculpou. Delicadamente entregou o bebê a enfermeira e se retirou. Enquanto se preparava para ir para casa, o médico lembrou que fatos estranhos já haviam acontecido dias antes, quando recebeu o casal numa consulta para tratar do parto.

Ao preencher uma ficha comum, o médico escreveu Ivo como o nome do futuro pai e Darlene o da futura mãe. O casal protestou veementemente e exigiu que Brejeiro corrigisse. Ivo era o nome da mãe e Darlene o do pai.

Duas semanas após o parto estava em seu apartamento em Vaz Lobo, Rio de Janeiro, quando chegou a intimação judicial. Preocupado, ligou para um amigo advogado que averiguou, no dia seguinte, que tratava-se de uma ação por danos morais contra ele, Brejeiro e contra a enfermeira. Ele por ter “ofendido” o bebê de menino assim que nasceu e ela por tê-lo vestido com um pijaminha azul.

Dias depois, na audiência perante o juiz, Ivo, a mãe e Darlene, o pai, disseram que o caso configurava danos morais porque “ao afirmar se tratar o recém–nascido de menino, o médico o condenava ao gênero sexual que ele, médico, achava que deveria ser o correto e não o da futura escolha do bebê.” Quanto a enfermeira o argumento era semelhante, acrescentando que “ao vestir o bebê de azul, e não de rosa e azul, a profissional determinava o sexo das criança”.

Na audiência Brejeiro chegou a dizer ao juiz que caso fosse condenado não só abandonaria a medicina, como também o Brasil e iria viver como aborígene na Austrália. O juiz achou que era deboche, mandou Brejeiro calar a boca mas depois, constrangido, entendeu que o assunto era sério quando o advogado do médico mostrou a passagem Rio-Sydney de ida sem volta e o visto de permanência na Austrália concedido pelo consulado.

Ivo, a mãe, estava mais exaltada. Dizia que “na condição de dirigente sindical, de cidadão que luta pelas demandas agudas de uma sociedade atirada aos dogmas, paradigmas e a dialética que dividem o ser de existir, fui até acusada de ladra, de assaltar o cofre de uma instituição pública por preconceito, racismo, fascismo daqueles que decretam comportamentos, posturas e até gêneros sexuais”. Ivo só não explicou se foi absolvido do processo de corrupção.

Foram ao todo sete audiências. Tensas. Na pequena plateia, sempre 13 pessoas ligadas a sindicatos, partidos trabalhistas, ONGs, organizações sociais, lideranças e ativistas de causa sexuais alternativas.

Brejeiro temia pelo pior. O juíz conseguiria resistir a pressão? Conseguiria permanecer frio e racional mesmo ouvindo o som dos atabaques que vinham da rua onde dezenas de pessoas gritavam palavras de ordem, empunhando cartazes com os dizeres do tipo “Viva Adão e Ivo! Morte aos fascistas!”.

O juiz sentou-se. A seu lado 16 policiais militares, lado a lado, em posição de sentido. Oito de cada lado. O Juiz leu o veredicto, curto, muito curto.

- Considero o réu, Doutor Brejeiro Homem das Oliveiras, inocente.

Ponto final.

Houve alarido, gritaria, princípio de quebra-quebra, gás de pimenta e cassetetes. Brejeiro e o advogado aproveitaram a confusão para sair por uma porta no canto. Lá embaixo, estavam os manifestantes que recebiam uma diária-protesto de R$ 50,00, mais quatro sanduíches de mortadela de uma organização sindical.

No táxi, Brejeiro agradeceu ao advogado e disse que tinha pedido transferência temporária para um hospital geral para atender casos de Zika e microencefalia.

- Ziko, você quer dizer, não é Brejeiro?, comentou o advogado.

- Sim, Ziko. Aprendi que o Politicamente Correto é mais importante do que cura e vacina.





Quando Pragmatismo bateu na minha porta

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1994? Pode ser. 1991? Também pode. Como pode ter acontecido em 1997, não sei precisar, mas aquela manhã morna foi inesquecível. Uma manhã de sábado, nublada, quase abafada. Devia ser 11 e meia e eu lia os jornais esparramado no sofá da sala. 

Meu interfone interior estava desligado e, talvez por isso, quase me assustei quando ouvi as três batidas na porta. Batidas fortes, secas, precisas, decididas. Deixei o jornal de lado, levantei e fui abrir.

Em frente a porta, um sujeito que não era risonho, mas também não fedia a antipatia. Não se fazia de íntimo mas parecia me conhecer muito bem. Como uma flecha foi direto ao assunto.

- Chegou a hora de me conhecer, meu chapa. Muito prazer, eu me chamo Pragmatismo e certamente você já ouviu falar de mim. Aliás, falam muito mal de mim por aí, mas como bom pragmático, ignoro.

Pragmatismo entrou, vestia calça jeans e uma camiseta preta. Calçava botinas de couro. Caminhou devagar olhando as estantes de disco e livros que eu mantinha na sala. Não comentou. Foi até a janela, olhou para fora, pigarreou e sentou na outra ponta do sofá.

- Não vai oferecer um café?, perguntou.

Levantei e fui fazer. Café solúvel. Bebi o meu na cozinha mas o de Pragmatismo levei numa xícara, explicando que eu gostaria de servir um café turco mas não sabia fazer.

- Não importa, disse o visitante. O importante é que temos o café possível e não o ideal. E o possível é sempre mais fundamental do que o sonho. E é por isso que estou aqui.

Calado, eu acompanhava o ritmo levemente acelerado da fala daquele sujeito atonal que, eventualmente, passava a mão nos cabelos mas que em nenhum momento demonstrou indecisão, insegurança. Ele prosseguiu:

- Você finalmente amadureceu. Graças a muita porrada que você não conta para ninguém porque acha que o bom cabrito não berra. Quer saber? Você está certo. O bom cabrito não berra mesmo não. Plateia nenhuma merece assistir ao espetáculo do nosso sofrimento. Mais: você amadurece cada vez que abre mão de ideias pueris em prol de fatos concretos, mas sem aquele banho de prata vagabunda que os imaturos dão.

Comecei a entender.

- É bom mesmo que você fique quieto porque hoje quem fala aqui sou eu, o tão decantado e esculachado Pragmatismo. Bem, rapaz, a sua maturidade significa que você vai começar a considerar a possibilidade de achar que ser cabeça de sardinha é melhor do que bunda de baleia. O que acha disso? Acha aviltante, ofensivo, papo de babaca trocar o bundão da baleia pela cabeça da sardinha só porque sardinha é pequena? Ou acha que cabeça é cabeça, não importa como, pragmaticamente falando.

Quantas vezes você abriu mão de projetos de vida que não julgava serem ideais. E lá vem ele de novo, ideal, ideal, ideal, essa coisa que não existe. Não existe, rapaz! Não existe mulher ideal, trabalho ideal, vida ideal. O que existe é o possível que a gente transforma em ideal. O possível exige que a gente jogue com a bola no chão porque o jogo é de botão. A vida não é para amadores, príncipes encantados, fadas madrinhas. A vida é mel e fel.

Você deve estar se perguntando por que escolhi visitá-lo hoje. É que nos últimos tempos você tem demonstrado “desilusões” com as ilusões e isso é absolutamente do cacete porque quem se desilude com as ilusões começa a surfar a onda do real. E a onda do real é, foi e sempre será a mais concreta, sensacional e segura porque é REAL. REAL, meu camarada!

Quando você disse naquela roda de amigos, meses atrás, que não briga mais com ninguém, parecia eu falando. Quem briga é amador. E não existe nada mais melancólico do que amador existencial. Existe? Ah, sim, os amadores da vida tem promotores e juízes sentados em seus tribunaizinhos julgando e condenando em vez de estarem tocando a vida.

Eu ainda tenho muito o que falar com você, especialmente quando você disse que o rei da música brasileira pareceu tolo ao cantar que quer ter um milhão de amigos. Doce ilusão. Doce não, amarga, ruim, péssima, porque ilusão é o que há de pior.

Já vou indo, mas volto. Continue assim: não recuse o que surge porque não é do seu agrado pueril. Continue avaliando o que vai ganhar, crescer, evoluir e depois, quem sabe, abrir um jardim de infância para educar as suas neuroses de menino. Boa ideia, não?

Até breve.

A fantasia de Zorro

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Já contei essa história algumas vezes, além de ter publicado em algum jornal no passado, mas perto do carnaval encontrei um amigo que lembrou “e, aí? Já tirou a fantasia de Zorro da gaveta?”. Deu uma risada, chamou um táxi e quase foi atropelado por uma moto.

No carnaval, um dos textos que escrevi que mais vem à tona é o da fantasia de Zorro (que não é esse, mas um outro que perdi quando o HD do meu computador pegou fogo tempos atrás) e um outro, uma espécie de anúncio classificado gigante onde eu procurava pelo meu time de futebol, o Bangu, que para variar havia sumido de todos os campeonatos. Aliás, não canso de responder a uma pergunta curiosa que muita gente me faz, do tipo “por que você torce pelo Bangu?”. Como se fosse um defeito, uma deformação digna de explicação, tese de mestrado e tudo mais. Sou banguense porque...sou banguense.

Nasci numa sexta de Carnaval. De um modo geral, olhando por cima, não sou um folião, mas quando decido partir pra festa de Momo me transformo. Na adolescência, fantasiado de Clóvis 24 horas por dia (muitas vezes dormi com aquela enigmática e prática fantasia), rodava quilômetros e mais quilômetros a pé pelas ruas com uma bisnaga d´agua (cheguei a apanhar algumas vezes) na mão, “assombrando” todo mundo.

Um dia, fui fazer uma reportagem barra pesada (política) nas imediações da Casa Turuna (de fantasias), que desde 1915 fica ali na Senhor dos Passos, Centro do Rio. A reportagem estava fazendo água e, para piorar, além de um calor infernal, alguém deu uma paulada num cachorro vira-latas que, sem mais nem porque, mordeu a minha perna.

Em pânico, me atirei no carro de reportagem e pedi ao motorista Pipoca que fosse direto para o Instituto Vital Brazil (Brazil com Z), em Niterói, onde fui extremamente bem atendido. Tomei injeções, tive que voltar lá várias vezes para resolver o estrago que o cachorro fez. Só que entre a mordida do mamífero e o Vital Brazil, consegui comprar a fantasia.

Comprei aquela quase abstração que rebolava para mim na vitrine da Turuna, sussurrando “me chama, me chama, me chama”, ou melhor, “me leva, me leva, me leva”. Entrei e comprei a fantasia de Zorro. Completa. Foram 12 prestações com muitos juros porque vivíamos na hiperinflação.

Faltavam dois dias para o Carnaval e eu tinha decidido mergulhar na folia. Sozinho. Tomei a decisão na barca Rio-Niterói, enquanto assediava (e era correspondido) por uma loura H2O2 subia a escada da barca fantasiada de Nada, e passou a condição de protagonista em uma avenida qualquer de meu imaginário levemente torpe, mais para Carlos Zéfiro do que para Maurício de Souza.

A barca levava 30 minutos para fazer a travessia Rio-Niterói, mas os odores da folia estavam a meu favor. A loura aceitou meu convite para irmos até a varandinha que fica na popa. Lá, vivemos tórridos 17 minutos de descabelação generalizada, com direito a clímax e o uso nacionalista da bandeira do Brasil que tremulava na embarcação como toalha íntima. Nos tornamos amantes, Celeste e eu.

Celeste, doravante Cel, morava numa não bucólica localidade chamada Caixa Dágua, final da Alameda São Boaventura, no Fonseca, onde eu passava as tardes de domingo comendo churrasco e Cel, Cel e churrasco, até meia noite em ponto. A família dela era super-liberal e me deixou, inclusive, ser fiador de um aparelho de ar condicionado de 10 mil BTU que Cel comprou para o seu (nosso?) quarto, adquirido em 12 prestações com juros estuprantes que ela arrancava de seu faturamento. Era podóloga na rua do Catete. Volta e meia me pergunto “por onde anda a Cel?”.

Meus planos para aquele carnaval eram ambiciosos. Um camarada meu, que por sinal não vejo há bastante tempo, que tinha um sítio na localidade de Mata Paca, em Pendotiba (Niterói) ia me emprestar um cavalo. Pangaré castrado, é claro, porque tenho pavor de cavalos. São motocicletas que pensam, decidem, mordem, uns são mau-caracteres, enfim, acho cavalo mais perigoso do que homem-bomba do Estado Islâmico, com doutorado na Al Qaeda.

No projeto original, eu iria me fantasiar de Zorro na casa desse meu amigo, pegar o cavalo e adentrar o Largo da Batalha (ganhou esse nome por causa de uma grande batalha de confetes) como herói momesco. Não deu certo. Fui ver o cavalo e senti pena. Parecia um fox paulistinha, cabisbaixo, em visível crise existencial, depressão, angústia.

Se eu montasse aquele cavalo meus pés arrastariam pelo chão. Meu amigo até comentou “pois é, coitado, está pela bola sete”. Sem cavalo, abortei a tal chegada triunfal ao Largo da Batalha porque seria ridículo aparecer um Zorro à pé ou, pior ainda, de ônibus ou táxi já que dirigir fantasiado dá multa e reboque. Soube anos antes quando, fantasiado de Fantasma, fui multado e rebocaram meu carro no Leme, em frente a Fiorentina. Quase fui em cana por me recusar a tirar a máscara por causa de colegas do Jornal do Brasil que enchiam a cara no restaurante e eu não queria que ninguém me visse naquele estado.

Desisti do Largo da Batalha. Ah, sim, outro agravante: a fantasia de Zorro não tinha espada. Sorte que um outro conhecido meu, lanterneiro de primeira (e leitor desta Coluna), estava fazendo não sei o que em sua oficina no Cubango. Fui lá e, rapidamente, ele fez uma “espada” para mim, de alumínio, inofensiva, enfim, uma alegoria.

Você deve estar pensando “mas o cara não desistiu do cavalo?”. Sim, mas não do Zorro. Decidi ir a um baile de Carnaval num grande e popular clube perto do Centro de Niterói, evidentemente fantasiado de Zorro. E no grande dia, o ritual de sempre: 1 – descolar uma folga no jornal; 2 – ficar em casa bebendo água, comendo melancia e, se desse, dar uma dormida; 3 – Sigilo total. Sou folião solitário, daqueles que não comentam com ninguém. E assim foi.

Por volta de nove e meia, 10 da noite, desci para a garagem. Decidi arriscar e ir para o clube dirigindo, sem máscara. Na garagem, vesti a fantasia, usando botas de motociclista (ao longo de muitos anos fui motociclista, mas quando perdi o medo de moto decidi parar) pretas. Numa boa, modéstia no lixo, a fantasia ficou demais. Zarpei.

Consegui estacionar a uns 200 metros do clube. Felizmente, 90% das pessoas estavam fantasiadas, mas, por alguma razão, a minha chamava mais atenção. Fila para comprar ingresso. Estava atrás de um sujeito mal fantasiado de vagina e sua companheira de E. T. Comprei o ingresso (todo mundo olhando) mas quando cheguei na roleta os seguranças me pararam. “Com essa espada não entra”.

Argumentei que a espada era inofensiva, até tirei da bainha, exibi (populares em volta, situação constrangedora), mostrei a carteira de identidade. O segurança mandou que eu tirasse a máscara, mas aí encrespei: “máscara eu não tiro, não. Estou aqui sob o manto do anonimato”. Ele radicalizou na base do “de máscara não entra” e eu também “pois daqui não saio.”

Felizmente chamaram um diretor do clube que eu conhecia bem. Fui no ouvido dele e cochichei “sou o...” e tal. Entrei! Com capa, espada e máscara. Mas (gozado que na vida, em muitas situações, há sempre um mas, um porém, contudo ou todavia), completamente tomado pelos vapores da folia (nem beber bebo) não reparei que a espada estava “chicoteando” muita gente no salão. Fascinado por uma foliã fantasiada de Sininho, tomado pela energia do Carnaval, não reparei que estava deixando um rastro de indignação pelo caminho. A espada rasgou até a meia arrastão de um travesti. Foi quando...fez-se noite.

Levei uma porrada, mas uma porrada no queixo que jamais, em tempo algum, experimentei e, isolo na madeira, não irei experimentar. Acordei na enfermaria do clube, com o diretor que me botou pra dentro preocupado, se explicando. Eu disse “tudo bem, eu só queria saber por que apanhei”. Foi quando soube do estrago que minha espada tinha feito no salão. O soco me foi dado pelo namorado do travesti, um terreno de quase dois metros de altura por um e meio de largura.

Da fantasia de Zorro só restou a calça, que era uma Levi´s preta. Deixei o clube com uma camiseta que me foi arranjada, acho que da Brahma ou Skol. Se eu estava triste? Claro que não. Meu sonho eu já tinha realizado. A imagem que me vem daquele baile é só de alegria. Pulei muito, mas muito antes de ser nocauteado. Deve ter sido o destino, não sei.

Fato é que, sob garoa uma fina a caminho do carro, me sentindo leve apesar da dor no queixo ouvi um “ei, ei, meu chapa!”. Era o sujeito que me agrediu. Ele disse “fui eu quem te apaguei”. Respondi, “prazer”, e segui andando. Não queria arranjar confusão porque tinha plantão no dia seguinte. O cara insistiu, eu mandei ele tomar caju ou rima similar, mas para minha surpresa o gigante pela própria Natureza caiu em prantos. Sentou no meio fio e, pelo que entendi, balbuciava “eu quero te pedir desculpas, meu rei,...minha mulher me largou no meio do salão...”.

Não vou mentir. Dei atenção não por solidariedade, mas por mera curiosidade. Ele seguiu falando “eu sabia que ela é ele...eu sabia...mas não imaginava que fosse uma piranha”. Falei o de sempre “releva rapaz, mulher ou quase mulher não gosta de briga, para com isso.” Foi quando, enxugando os olhos, ele vociferou olhando para um poste: “aquele Vagina vai me pagar”. Pois é, o Zorro perdeu a máscara, o terreno a quase mulher/quase homem.com.br e Vagina chutou a E.T. Coisas de que? De Carnaval. Peguei o carro e saí, feliz, realizado, como um autêntico folião, ouvindo The Who aos berros.

No dia seguinte, Cel me esperava, no alto da Caixa D´água.

Manual do Orgasmo

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Ficção extraída de meu livro “Torpedos de Itaipu”, editora Artware, 1995

Parecia filme italiano. Eu estava numa livraria dando um tempo. Chovia pra cacete lá fora e o trânsito lembrava um enorme jacaré bêbado. Livraria vazia. Entra um casal. Ele calmo, jeitão de economista, óculos com lentes fundo de garrafa, meio mal humorado. Ela, agitada, colorida, enfiada numa malha rosa arrochada; mulher grande, brincalhona, muito, mas muito gostosa.

O aguaceiro engordou na rua. Não gosto de andar na chuva porque toda hora enfiam um umbrella na minha cara. Umbrella é guarda-chuva em inglês...só pra contrariar. Brasileiro, apesar de tropical, convive muito mal com as tempestades.

Voltando ao casal, ia tudo muito bem até ela pedir um livro, subindo o tom da voz. “O senhor tem o Manual do Orgasmo?”. Até eu fiquei sem saber o que fazer. Quem estava embrulhando parou de embrulhar, quem estava empilhando livros parou de empilhar e eu que estava lendo orelhas parei de ler. Como todos prevíamos, o tal homem sereno virou um mamute enfurecido. Verde de ódio o sujeito levou a mulher para um canto e, tentando falar baixo, vociferou: “Precisava me humilhar? Vamos embora! Chega! Eu não aguento mais!”. E saíram no toró mesmo, soltando faíscas.

Não precisava ser daquela maneira. Muito se fala de alma feminina, dos cuidados que temos que ter com a mulher, com os desejos da mulher, com a liberdade da mulher, com a sensibilidade da mulher. Mas que fim levou a alma masculina?

Uma mulher que entra numa livraria com o marido e pede, vociferando, o “Manual do Orgasmo” está querendo barraco. Ou então pedindo. Alguém dirá “quem sabe, era meio burrinha”. Não! Não existe mulher burra. Se aquele mulheraço estivesse a fim de comprar o tal manual para usufruir teria ido sozinha, ou com amigas, irmãs, com o cachorro, tudo, menos com o marido. Uma sutil (???) maneira de dizer “benzinho, você está precisando afogar melhor o seu gansinho”. E o tal livro (acabei dando uma olhada) parece manual de funcionamento de freezer. A tomada é aqui, você liga ali, tem um botãozinho que faz isso, uma carrapeta que faz aquilo. Pior: sem garantia, sem Procon.

Voltando ao drama da alma masculina, por mais que as revoluções sociais, conceituais e etc e tal ensinem, o homem precisa ser enganado. Precisa achar que é o princípio, meio e fim. Precisa ser herói, único, indispensável, insubstituível, eterno. O homem sabe que é mentira, mas essa mentira é sua fonte de sobrevivência. Em outras palavras, o homem é um imbecil. Numa boa, sem ofensas. Ah, mas as coisas mudaram, dirão alguns. 

Mudaram coisa nenhuma. O homem ainda é o mesmo primata das cavernas, macho, guerreiro, predador de lobos. E pobre da mulher que cair no conto da evolução.

Um dos maiores confrontos do homem é o mistério que ronda o orgasmo da mulher, descoberta recentíssima, anos 1950/60. Está provado que a maioria dos homens vai para a cama muito mais interessados em fazer um belo workshop do que em sentir prazer. Cama é uma espécie de showroom. Um leitor, certa vez, confidenciou num bar na estação das barcas: “Olha, não existe nada mais importante do que uma mulher derrubada, com aquela cara de bagaço, esgotada. É quando me sinto Hércules, Sansão, Homem Aranha”. Perguntei sobre a sua satisfação pessoal. O cara ri, bate com o copo de Genebra na mesa e arremessa: “Prazer eu sinto com um cacho que tenho lá na subida do Morro da Providência."

O homem é um golfinho sexual. Vai para a cama para ser aplaudido de pé, ou de joelhos. Condenada estará a mulher que, estonteada pela hipnose liberalista que de vez em quando bate em alguns, confessa que ele é mais um. Ele sabe. Todos sabem. Mas o homem que ser o único, the best, The Beatles naquele palco. Dentro dessa conjuntura imagine o que o tal sujeito da livraria sentiu quando a mulher, ao pedir o Manual do Orgasmo, declarou publicamente que seu macho falha, pifa, dá tilt, é mosca de padaria.

Um conhecido separou-se da mulher há uns anos. Vivia reclamando que a vida estava ruim, que não a amava mais. Conversaram, muita choradeira e ponto final. Três meses após a separação ele me contou que tinha dormido na casa dela. “Saudade é fogo”, comentei. Mas ele rebateu: “Saudade nada. Soube que ela já estava saindo com outro sujeito, me bateu paranoia e eu fui lá. Consegui melar tudo”.

O pior é que, até hoje, quando a ex-mulher começa a roçar em outro ele vai lá e crau!, só para não perder o lugar que ele mesmo não quis. E ainda diz que ´ex-mulher não existe`. Alma masculina é chumbo grosso.

Homem liberal só existe em anúncios de uísque. Nós, machos, seres rudimentares e inferiores, nascemos com várias escrituras imaginárias na cabeça, e apesar da psicanálise, da cromoterapia, da neurolinguística, dos florais de Bach, da homeopatia, enfim, de toda a modernidade ainda somos os mesmos... e (por que não?) vivemos como nossos pais, como cantou Belchior nos anos 1970.

Haverá cura para o homem na sociedade contemporânea? Vai chegar o dia em que ele conseguirá viver sem honra ou mérito, ou sem honra, ou sem mérito? Será que um dia a mulher poderá comprar o Manual dos Orgasmo ao lado do marido como se estivesse comprando alpiste para o canário? Viveremos momentos onde ex-mulheres imediatas (segundo a literatura, a mulher se livra definitivamente de um homem num prazo que corresponde a 20% ao da convivência. Exemplo: conviveu 20 anos levará quatro para se livrar) poderão namorar livremente por aí? Não. Porque o maior drama do homem não é viver sem mulher, e sim viver sem urras, elogios e “obrigado meu amo”.

O estagiário e o trainee de jornalismo

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O estagiário e o trainee de jornalismo são aprendizes. Em tese, sim. Desde sempre e não somente quando foi inventado o curso superior de Comunicação Social no Brasil, em 1969.

Hoje, não há mais obrigatoriedade de diploma para que qualquer um vire o jornalista. A coisa voltou aos tempos pré-1969, mas a maioria das empresas exige que candidatos a estágio ou treinamento avançado estejam cursando uma faculdade.

Fato é que nos protocolos, na papelada, na teoria está tudo muito bonitinho mas, na realidade, estagiários e trainees viraram mão de obra barata, burros sem rabos que como paus de enchente zanzam de um lado e para o outro, perdidos nas redações da vida.

A ignorância é um direito. Estudante ignorante é mais do que aceitável. Como o nome já diz ele ainda está estudando, aprendendo. Em tese, estagiários e trainees estão no mercado para errar. Errar, aprender e ser submetidos a rigorosa supervisão. Depois de serem exaustivamente treinados aí sim podem publicar suas primeiras matérias. No caso do jornalismo, a vivência, o dia a dia, a estrada, a experiência fazem a diferença.

Ninguém ensina um sujeito a: 1 – ser curioso; 2 – ser esperto; 3 – ser bom caráter; 4 – ser vibrante; 5 – ser humilde; 6 – ser solidário; 7 – ser equilibrado; 8 – ser inspirado; 9 – ser criativo; 10 – ser jornalista.

Hoje, muitas redações estão sob o comando de aprendizes comprometendo muitíssimo a qualidade da comunicação. O que lemos, ouvimos e assistimos de erros boçais por aí chega as raias do absurdo.

Um estagiário ou trainee no comando de uma redação (seja ela qual for) é como substituir Ruy Barbosa por um estudante de Direto num tribunal. Não é apenas temerário. É absurdo. Mídia lida com vidas, com gente, com instituições, poderes, governos. Mídia exige calo nas mãos para falar e papas na língua para escrever, assim mesmo nessa ordem. Mídia exige ética. Ética que aprendemos ao longo da vida, muitas vezes através de falhas lamentáveis que testemunhamos nas redações e que nos levam a pensar “por esse caminho não irei”.

Leio/ouço/assisto calamidades de gente que conhece a boa literatura de ouvir falar e usa a internet como Juízo Final. Em vez de mera referência o Google virou fonte, verdade absoluta para muita gente. 

Quando dou entrevistas (principalmente por telefone) fico apavorado porque, em algumas ocasiões, senti que do outro lado da linha o futuro colega não sabia quem sou, o que faço, o que fiz e só conhecia o motivo da entrevista meio que por acaso. Mandaram ele ligar e...e...e...


Dizem que esse quadro reflete a realidade deste novo e lamentável Brasil. Não sei, estou farto de teorias. Estagiários e trainees tem que voltar a condição de aprendizes, antes que as mídias sejam despejadas, definitivamente, na vala comum do desprezo, do esquecimento, da falência.

A invasão de privacidade sempre existiu

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Muito se cacareja sobre invasão de privacidade. Os radicais gemem que as cidades se transformaram em big brothers, bisbilhotadas por câmeras que futucam o ir e vir do cidadão, teoricamente garantido pela Constituição, aquele livrinho verde que, lamentavelmente, não figura entre os best sellers onde uma suposta ex-baranga, surfistinha profissional brilhou com dois livros. Lembram? Nada contra ela, mas que é duro contemplar essa tosca paisagem isso é. 

Invasão de privacidade sempre existiu. Quando você para com o carro num sinal de trânsito e um bando te enche de panfletos é invasão de que? Por que não anunciam seus produtos em jornal, na internet, no Rádio, na TV, em vez de ficarem enfiando aquela papelada por nossa goela adentro? Tem também o sujeito, "tadinho", que afronta com um pedaço de pau em chamas e que se diz malabarista, "tadinho". 


O homem bêbado, coitado, vem cambaleando, coitado, para e te molesta. "Eu preciso de 10 reais para comprar uma passagem de volta para a minha terra". Podemos chamar essa invasão de "coitadismo"? Podemos sim. Ninguém vai chegar para o bêbado, coitado, e dizer, coitado, que não fomos nós que o arrastamos à força para cá. Ou, em casos extremos, fazer o que um célebre niteroiense já falecido fez em 1998, quando pegou um "coitadista" desses (que encheu sua paciência), pôs no carro, foi até a Rodoviária Novo Rio e comprou uma passagem para a terra do bêbado. O coitado não quis embarcar de jeito nenhum de volta para a tal "minha terra". Teve um ataque na rodoviária, bateu no niteroiense que comprou a passagem e acabou preso. Era um bandido procurado. 


Aí, caro leitor, você chega do trabalho num daqueles dias de 17 horas de pauleira e senta num bar. Pede uma latinha de refrigerante com gelo e limão. Em menos de três minutos surge um vitimologista profissional, batizado oficialmente de "excluído" e pede a latinha. Sim, ele vende latinhas de alumínio para faturar algum mas você, ainda calmo, explica que a sua lata e o saco estão cheios. Não adianta. Vem outro, outro, outro, outro, outro e você se vê numa encruzilhada. Ou dá a lata cheia e vai embora ou explode. Isso é invasão de quê?


Não vou falar dos flanelinhas pois, até segunda (des)ordem é tudo vadio, achacador, bandidaço e chantagista, especialistas em invadir privacidade ameaçando, coagindo, principalmente mulheres e idosos. Confesso que já escrevi um conto chamado “O Exterminador de Flanelinhas”. Não publiquei porque quem era para ser vilão (o tal exterminador) acabou herói. 


Detesto poucas coisas nessa vida, mas o telefone está no topo de minha pequena lista. Desde 1992, ou 93, ou 94, enfim, uso internet e procuro estabelecer contatos por ela ou pessoalmente usando e-mail, Skype, etc. O telefone quando toca me infla. Isso é problema meu, eu sei. Quando estou lendo jornais (posso sorver desse momento especial?) deixo a secretária eletrônica atender, mas ela não sacia o invasor que parte para o celular. Acho que é urgente, atendo e em 99,99% dos casos é outra operadora querendo me vender ilusões ou malas em geral. Isso sem falar do famigerado telemarketing tentando vender maçarico pra bombeiro. 



Perto dessa cordilheira de invasões de privacidade, big brother é uma inocente e cega codorna.

Keith Moon: “Eu sou um porco capitalista”. Uma ótima entrevista de multidecibéis com o eterno selvagem do The Who

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Por Jerry Hopkins (em 1971)
Tradução de Vinícius Mattoso do site www.thewho.com.br

Um sujeito amável, sincero, explosivo, doido e considerado o maior baterista da história do rock. Não é verdade que Keith Moon não gostasse de dar entrevistas. Ele não tinha paciência para ficar sentado muito tempo, ouvindo perguntas e tendo que formular respostas.

Mas com o jornalista inglês Jerry Hopkins, amigo dele, foi diferente. O papo fluiu e, acho, dá para saber um pouco sobre esse homem imprevisível, agitado e extremamente querido pelos fãs de sua amada banda, The Who. Keith Moon viveu apenas 31 anos. Sua morte, em 7 de setembro de 1978, chocou a música, o rock, o blues, o mundo que ficou mais coxinha, mais correto, mais babaca e muito menos ousado. Valeu, Vinícius Mattoso! (LAM).

É provavelmente conveniente que Keith Moon toque o instrumento mais agressivo, a bateria, num dos grupos mais explosivos, o Who, pois Moon parece visivelmente mais ultrajante e violento do que a maioria de seus contemporâneos.

Ele deixou em seu rastro por um período de 14 anos, mais de um terço de sua vida, uma trilha de garrafas vazias de Courvoisier, kits de bateria detonados, automóveis arruinados e quartos de hotel destruídos, pontuando cada incidente com um uivo de completo prazer e alegria.

Existem incontáveis "Histórias de Keith Moon" circulando por aí, e Keith relembra várias delas nesta entrevista. Infelizmente, muito se perde ao transpormos Moon para o papel. Seus gestos enérgicos em torno da sala, suas várias imitações vocais e sotaques, a agitação, o rosto faltando um dente, a cantoria e as danças, os contagiantes ataques de riso, tudo tem de ser experimentado.

Assim como sua moderna casa de 150 mil dólares situada no terreno de um antigo mosteiro a uma hora de Londres, em seu verde e valorizado cinturão suburbano. As paredes do bar foram pintadas com um tema de heróis e vilões da Marvel Comics e o teto suspenso como a tenda de um sultão. A sala é um grandioso e ricamente estofado "poço de bate-papo", com uma televisão em cores e uma lareira impecavelmente limpa que nunca foi usada.

Quase não há móveis na casa. Mas encontramos um albatroz empalhado, um tapete de urso polar, diversos rifles, um velho jukebox e um sistema de som capaz de mandar música em multidecibéis para distâncias que vão muito além de sua propriedade de sete acres (28.327 metros quadrados). De fora, a casa se parece uma coleção de pirâmides alinhadas, pintadas num branco reluzente.

De um lado fica uma árvore tão larga que teve de ser baixada por dois helicópteros. Do outro, operários escavam atualmente uma piscina que será azulejada com mármore e oferecerá ao mergulhador ocasional as últimas melodias de sucesso. Quando eu cheguei a governanta da casa, sogra de Moon, estava na Espanha a passeio. Seu cabeludo mecânico e motorista, Dougal, estava trabalhando no motor de um Chrysler 1936, estacionado entre o Jaguar XKE e a Ferrari Dino.

Sua esposa, Kim, e sua filha, Mandy, de 6 anos de idade, não estavam em casa. E o lorde do feudo estava caminhando com um rifle, atirando a esmo nos galhos altos de um castanheiro.


Como você entrou no The Who?
Primeiro eles se chamavam The Detours, depois Who, depois High Numbers, depois Who novamente. Eu entrei na segunda fase, quando eles estavam mudando de Detours para Who. Eu estava em outro grupo ao mesmo tempo, chamado Beachcombers.

Esse nome significa que eles tocavam surf music?
 
Passou a significar quando eu entrei.

Você já surfou?
 
Uma vez, e quase me matei. Estávamos no Havaí e eu disse, preciso surfar. Jesus, eu passei anos comprando discos de surf music, sabe, eu tinha que tentar. Então eu aluguei uma prancha e entrei na água com todos aqueles caras. Remei até um ponto bom e de repente apareceu aquela onda enorme. Eu perguntei a um dos caras, "O que que eu faço?" E ele respondeu [Moon começa a falar com um sotaque de americano], "Bem, certo, velho, tudo que você tem que fazer quando ver a onda chegando, ela acerta, cara, ela acerta, e você vai querer viajar relativamente na mesma velocidade, então você rema." 

Perfeitamente lógico. Eu disse, ótimo. Então aquele muro sólido de água apareceu. De repente aquela maldita coisa me acerta bem no traseiro, e eu passei a nadar de duas milhas por hora para duas centenas! Lá estava eu me segurando nas beiradas da porra da prancha, veja bem, e eu ouço: "Fica em pé, cara!" Ficar em pé?

Então eu me levantei e olhei pra cima e tinha água pra tudo que é lado em volta de mim, eu estava num grande funil, uma espécie de tubo gigante de água. Daí eu vi o recife de corais se aproximando. Eu fiquei de pé por apenas alguns segundos, mas pareceu como uma vida inteira aquela porra. Eu caí, a onda bateu no recife, a prancha virou ao contrário e foi jogada no ar pela água. Eu submergi, balancei minha cabeça e relaxei. Quando eu olho pra cima vejo a maldita prancha vindo direto pra minha cabeça. Eu mergulhei e ela ssssshhwwwoooom! Eu tenho uma falha no cabelo até hoje onde aquilo acertou meu crânio. Jan e Dean nunca contaram que seria assim. Certamente que não!
Quando vocês assinaram com eles, a imagem Mod foi. . .
 
. . . forçada em nós. Era muito desonesta. A coisa mod foi idéia do Kit (Lambert, empresário e produtor do Who). Fomos todos mandados para um cabeleireiro, Robert James, um rapaz absolutamente simpático. Depois fomos mandados para Carnaby Street com mais dinheiro no bolso do que havíamos visto em nossas vidas, tipo umas cem libras. Essa era a Londres do agito. A maioria de nosso público era mod, chapado de bolinha como nós. Não estávamos nessa de roupas; nosso negócio era música. Kit achou que deveríamos nos identificar mais com nosso público. Casacos ajustados cinco polegadas nas laterais. Quatro não era o bastante. Seis era demais. Cinco era perfeito. As calças ficavam três polegadas abaixo da cintura. Era nosso uniforme.

Seu lema na época era "maximum R&B". O que isso queria dizer?
 
Tocávamos bastante Bo Diddley, Chuck Berry, Elmore James, B.B. King, e eles eram R&B ao máximo. Não havia definição melhor. A maioria das canções que tocávamos eram deles. Pete (Townshend) só entrou em sua veia de compositor depois de "I Can't Explain". Obviamente qualquer canção que tocávamos ficava diferente, não tentávamos copiar direto do disco. A gente a "Whozava", então o resultado era obra do Who, não uma cópia.

Como "Summertime Blues".
 
Exatamente. Esta é uma música que foi "Whozada".

Como surgiu o efeito de gagueira em "My Generation"?
 
Pete escreveu a letra e a entregou para Roger no estúdio. Ele não havia lido antes, não estava familiarizado com os versos, então quando ele leu aquilo pela primeira vez, gaguejou. Kit estava nos produzindo na época, e quando Roger gaguejou, Kit disse, "Vamos manter assim; mantenha o gaguejar". Quando percebemos o que havia acontecido, isso nos embasbacou por completo. E aconteceu simplesmente porque Roger não conseguia ler os versos.

Você não pode ter destruído tantos quartos de hotel quanto dizem.
 
Quer apostar?

Houve uma época em que. . . 
 
Muitas. É. Eu fico entediado, veja você. Teve uma vez em Saskatoon, no Canadá. Era outro 'Oliday Inn, e eu estava entediado. Agora, quando eu fico assim, eu me revolto. Eu digo, "que se dane, que se dane tido isso!”. E saco minha machadinha e deixo o quarto em pedaços. A televisão. As cadeiras. A penteadeira. As portas. A cama. E tudo o mais. Acontece o tempo todo.

Eu sempre ouvi dizer que quem deu início à destruição no palco foi Pete, mas você faz parecer que foi idéia sua. Foi?
Reza a lenda que Pete bateu o braço da guitarra no teto quando ele pulou muito alto, mas não foi isso. Acontecia quando alguém ficava puto com o show, com a maneira como as coisas estavam indo. Quando Pete destruía sua guitarra era porque ele estava puto. Quando eu destruía minha bateria, era porque eu estava puto. Ficávamos frustrados. Você está lá se esforçando o máximo possível pra continuar com a porra da música, pra pegar a platéia pelas bolas, pra transformar aquilo num acontecimento. Quando você faz tudo aquilo, quando você se mata e dá ao público tudo que é possível, e eles não dão nada de volta, é aí que a porra do instrumento vai embora, porque: "Seus desgraçados de merda! Estamos aqui nos matando! E vocês não dão nada de volta!".
 
Essa é uma razão de os instrumentos serem destruídos. Outra é quando um membro do grupo está chapado demais pra dar seu melhor. Nessas horas ele está deixando os outros três na mão. Em muitos casos sou eu, por beber demais. Sabe como é, exagerando na hora errada. Então Pete ou Roger ou John diz, "seu babaca! Você deixou a gente na mão, porra! Miserável, se quer chapar, por que não espera até depois do show!?".


Mas todas as vezes que você destruía seu kit de bateria, ou Pete arrebentava sua guitarra, era movido pela raiva? 
 
Nem sempre. Era algo esperado -- como uma canção, um hit número um. Uma vez que você tenha feito aquilo, se compromete com aquilo. Você tem que tocar. Porque há certas pessoas na platéia que comparecem só para ouvir aquela música em particular. Cada parte da apresentação funciona para uma parcela do público, e a apresentação como um todo tem que funcionar para a platéia inteira.

Isso não saía caro demais?
 
Caro pra cacete. Estávamos destruindo provavelmente dez vezes, senão mais, do que ganhávamos. Temos feito sucesso há dez anos, mas só lucramos nos últimos três. Levamos cinco anos para pagar três anos, nosso período mais destrutivo. Tivemos que pagar por tudo aquilo depois. Músicos são célebres por não pagarem suas dívidas. E não éramos exceção. Adiamos aquilo tanto quanto possível. Mas quando as sentenças começaram a chegar, as intimações, as ações, os confiscos de equipamento, então tivemos que pagar. E pagamos por cinco anos.
 
E então abandonaram a rotina de destruição?
 
Abandonamos como uma rotina teatral. Ainda destruímos nosso equipamento ocasionalmente, mas não de propósito. Cometemos um dos pecados capitais: acabamos deixando a atuação tomar o lugar da música. Não se pode deixar isso acontecer. A música deve vir primeiro. Então nós olhamos pra trás e dissemos, "bom, essa porra tem que parar, não podemos ter isso em todos os shows . . .". Porque estava ficando repetitivo demais. A espontaneidade se fora.
Essa é a imagem que você tem de si mesmo?
 
Suponho que para a maioria das pessoas eu sou provavelmente visto como um idiota amigável . . . um brincalhão genial. Acho que eu devo ser uma vítima das circunstâncias, na verdade. Na maioria das vezes é culpa minha. Eu sou uma vítima de minhas próprias piadas colocadas em prática. Suponho que isso reflita uma atitude um pouco egoísta: eu gosto de ser o protagonista de meus próprios feitos. De nove entre dez vezes, eu acabo sendo. Eu preparo armadilhas e caio nelas. Obviamente, o maior perigo é se tornar uma paródia.

Sua esposa, Kim, deve ser extraordinariamente simpática e paciente.
 
Ela é. Ela meio que leva isso numa boa.
 
 Como você a conheceu?
 
Eu a conheci em Bournemouth quando estava fazendo um show. Ela tinha dezesseis e freqüentava o club onde tocávamos, o Disc. Um tempo depois quando eu desci para vê-la, eu estava no trem e Rod Stewart subiu a bordo. Isso foi há uns dez anos. Começamos a conversar e fomos para o vagão-bar. 

Ele era Rod "The Mod" Stewart naquela época gloriosa, e estava trabalhando com Long John Baldry. Ele estava tocando em muitas discotecas pequenas e pubs, fazendo o mesmo tipo de trabalho que nós. Eu perguntei a Rod, "pra onde você está indo?". Ele respondeu, "Bornemouth". "Eu também", falei. "Estou indo visitar minha garota". Ele retrucou, "Eu também". Então eu mostrei a Rod uma foto da Kim e ele disse, "É ... é essa mesmo". 

Você tem algum baterista "favorito"?
 
Não muitos. D.J. Fontana é um deles. Vamos ver . . . os bateristas que eu respeito são Eric Delaney e Bob Henrit e . . . eu tenho uma lista enorme, na verdade, e cada um nela é por razões diferentes. Tecnicamente, Joe Morello é perfeito. Na verdade eu não tenho um baterista favorito. Eu tenho trechos de bateria favoritos, é isso. Eu nunca pegaria um LP de um baterista e diria que adoro tudo que ele faz, porque não seria verdade.

Como você começou a tocar bateria?
Jesus Cristo, acho que eu ganhei uma de brinde no pacote de cereal. Mas não. . . solos de bateria são chatos pra cacete. Qualquer tipo de solo é. Isso tira a identidade do grupo.

Quanto das canções são um esforço grupal? O que você muda nas demos na hora de gravar?
 
Não muito. Porque Pete sabe. Quando Pete faz algo, aquilo soa como o Who. As partes da bateria são minhas partes, mesmo se for Pete tocando bateria. Ele toca no mesmo estilo que eu. Ele faz meus floreios. O mesmo para as partes do baixo, e a guitarra, é claro, é dele. Só os vocais mudam um pouco.

Muitas canções são rejeitadas?
Não. Ele obviamente compõe muito mais . . . quer dizer, não são todas as canções que ele escreve que se encaixam no Who. Quando ele tem uma idéia que ele acha ser boa para o grupo, ele traz aquilo e nós tentamos. E ele não costuma estar errado.

Vocês ensaiam muito?
 
Estamos sempre preparados meticulosamente para os shows. Mas ensaiávamos muito mais antes do que agora. Agora alcançamos um ápice na banda . . . bem, alcançamos isso já faz tempo . . . então hoje Pete toca pra gente um número, ou ouvimos um número, e podemos tirá-lo quase sempre, senão da primeira vez, na segunda ou na terceira, e na quarta ou quinta aquilo começa a tomar forma. Nos velhos tempos ainda estávamos construindo o grupo, ainda desenvolvendo nosso relacionamento.

O Who nunca foi realmente uma "banda de singles". Isso era intencional?
 
Pete compôs "I Can't Explain" como um single. Ele compôs "My Generation" como um single. Mas nunca foi a dele na verdade compor singles. Ele não gosta de sentar e compor um single. Ele gosta de compor um projeto . . . e um LP é visto como um projeto, um projeto grupal. Um single é algo que você vai e tira de um LP. Nós não paramos pra gravar singles. O mercado de singles não é bem o nosso. Se uma das faixas de um LP soar como um single, então ela é lançada como tal. Tivemos um período de singles depois de "My Generation" -- "I'm a Boy", "Substitute", "Happy Jack". Mas então decidimos gravar LPs. E uma vez que se começa a gravar LPs, é muito difícil voltar à produção de singles.

Dois anos depois, como você vê Tommy?
 
Com incredulidade. AH-HAHAHA. Eu não acredito que passamos seis meses gravando aquilo. Levou seis meses para ser feito. Isso é tempo de estúdio, é tempo falando sobre aquilo, discutindo aquilo, arranjando aquilo, produzindo e escrevendo aquilo. Reunindo tudo aquilo. Gravando e depois achando que sairia ainda melhor se gravássemos tudo de novo. Seis meses ininterruptos no estúdio.

Quem inventou o termo "ópera-rock"?
 
Pete. Na verdade a gente não sabia como chamar aquilo. E as pessoas ficavam perguntando o que estávamos fazendo.

Chegou uma hora em que vocês se cansaram de Tommy?
 
Ah, sim. Pouco depois de acabarmos de gravar. É, começou a ficar meio chato. A todo lugar que íamos fazíamos nosso showzinho, e chegou num tal ponto que estávamos tocando aquilo dormindo. Perto do final ficamos de saco cheio. Fizemos dezoito shows ininterruptos. Toda a espontaneidade se foi. Então alguém finalmente disse, "tá bom, chega, fora com isso! Quem é o próximo?". E pronto. Assim surgiu o álbum seguinte, “Who´s Next” (1971).

O Who sempre foi uma banda trabalhadora, uma banda itinerante. Você gosta de estar na estrada?
 
[Usando uma voz suave, como se estivesse recitando uma elegia]. Eu amo. É minha vida. Se eu fosse obrigado a parar de excursionar . . . eu amo a responsabilidade de . . . ser responsável pela diversão de uma casa lotada. E saber que nós quatro podemos subir ao palco e proporcionar divertimento para aquelas centenas de pessoas, isso é algo do caralho, cara, isso me deixa ligado. 
Se eu estou indo bem e o grupo está indo bem, você consegue 14 mil. . . 140 mil pessoas a seus pés. É isso aí. É onde a coisa acontece. Isso é o mais importante pra mim.

Você pode me dizer quanto você ganha?
 
Eu não sei. Não agora. Um tempo atrás meu contador me disse que eu estava cheio da grana. Eu perguntei, "Quanto?". Ele respondeu, "Bom, você está bem resolvido". Eu insisti, "Quanto? Quer dizer, eu sou um milionário?". "Bem, tecnicamente sim". Então eu disse, "o que eu devo fazer quanto a isso?". E ele respondeu, "bem, obviamente, se você tem esse tanto de dinheiro e esse tanto de impostos, a coisa mais lógica é gastar o dinheiro, para que depois você seja restituído nos impostos". "Entendo . . . eu devo gastar o dinheiro?". "Bem, sim, você deve". Então seis semanas depois eu tinha gastado tudo. Comprei quatro casas, um hotel, oito carros, uma piscina, campos de tênis, relógios caros -- que desmontam sozinhos, um bangalô à beira do rio a cinco minutos daqui, decorado com móveis da França renascentista. Gastei tudo. Já era!
 
Eu sou acusado de ser um bastardo capitalista, porque, sabe como é: "Quantos carros você tem?". "Oito". "Mansão?". "Sim". Bem, eu amo tudo isso; eu gosto disso. Eu tenho muitos amigos e a gente se reúne, bebe e festeja. Eu preciso de um lugar pra me divertir. E gosto de ver os outros se divertindo. É disso que eu tiro meu barato. Eu sou legal assim. Eu tenho o monte de carros que tenho porque eu os detono a toda hora. Seis estão sempre na garagem; é um fato. 

Estão sempre dizendo que eu sou um porco capitalista. Acho que eu sou mesmo. Mas, ah . . . é, ah . . . isso é bom pra minha técnica de bateria, eu acho.

Você tem mesmo tantos problemas com automóveis?
 
Eu saí da estrada num AC Cobra aos 110. Passei voando por um canal e me arrebentei num morro perto do reservatório. O pessoal da Cobra ficou meio chateado quando eu trouxe de volta a sucata pra garagem deles -- eles só fabricaram 98 deles e são sensíveis quanto a maneira como eles são guiados. 

Eu tentei fazer o Chrysler 1936 pegar no tranco várias vezes, sempre com resultados desastrosos. Uma vez eu tentei fazer ele pegar no tranco com meu Jaguar Type-X, que é muito rebaixado, e ele entrou debaixo do Chrysler. Outra vez eu tentei fazer isso com o Rolls . . . esquecendo que não tinha ninguém no volante do Chrysler. Eu o joguei direto no laguinho de peixes na varanda.

O que aconteceu com os filmes do Who de que ouvimos falar tanto nos últimos anos? O cara que cuida da sua publicidade me disse que vocês anunciaram pelo menos meia dúzia deles e que ele não estava nem aí mais pra esse papo de filme.
 
Eu também queria saber. Eles simplesmente nunca se tornaram filmes do Who. Nunca tivemos um roteiro que todo mundo aprovasse. Eu acho que temos que fazer um filme do Who. Acho que será uma tremenda injustiça se não houver um filme do Who. Temos que fazer um filme. Porque temos muito a dizer.


Você participou de dois filmes sem os outros . . .

É, um foi 200 Motels com Frank Zappa e o outro Countdown com Harry Nilsson, ambos com Ringo. Eu estava no Speakeasy com Pete, e aconteceu de Frank estar na mesa ao lado. Ele ouviu uma parte da nossa conversa, se inclinou e perguntou [sotaque americano], "Vocês aí querem participar de um filme?". 
Respondemos [sotaque britânico], "Pode ser, Frank". E ele disse [de volta ao americano], "Beleza, estejam no Kensington Palace Hotel às sete da manhã de amanhã". Eu fui o único a aparecer. Pete estava compondo, mandou suas desculpas e eu ganhei o papel que Mick Jagger deveria fazer -- o de uma freira. Mick não queria fazer aquilo.

Depois teve uma nota num dos jornais locais dizendo que Ringo estava rodando Countdown com Peter Frampton e Harry Nilsson e vários outros, então eu liguei pro Ringo e perguntei, "Tem um papel aí pra mim?". Ele disse que sim, e eu apareci. Toquei um pouco de bateria.

Suruba elétrica - empresas de energia e ladravazes do governo festejam o nabo que nos espetam, fantasiado de bandeira vermelha

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Antes de escrever acessei a web para ver como está o tempo em Dakar, capital do Senegal. Afinal, é comum ouvirmos “está um calor senegalês” quando dizem que o maçarico anda insuportável. Pois bem, saibam que hoje o céu está claro e a temperatura é de 23 graus em Dakar. Suíça, totalmente Suíça. Ao longo dos próximos dias, temperatura média de 22 graus, céu claro.
Fui ao Hortifruti comprar água de coco engarrafada  e encontrei um sujeito chato pra cacete. Chato, mas uma ótima fonte de notícias. Sempre foi, desde a adolescência. Chato mas extremamente bem informado, lê tudo, conhece muita gente e apesar de médico diz que adoraria ser, também, jornalista.
Ele me contou que empresas distribuidoras de energia elétrica estão festejando loucamente as facadas que dão em nossas costas, com a cumplicidade ($$$) do governo. Por conta de represas vazias, usinas termoelétricas virando 24 horas, incompetência (e leviandade) do governo em geral e, lógico, aumentos absurdos nas contas de luz, enfeitadas com o marketing das bandeirinhas vermelhas.
Um cliente meu é alto executivo de uma distribuidora e eu o atendo em meu consultório, em Brasília. Estava radiante, parecia uma criança. Ele me disse que a estimativa de lucros das distribuidoras e concessionárias está na casa dos 25%. Isso mesmo, 25% limpinhos nos bolsos. Alegria geral”.
Enfurecido, mas calado, quase arremessei a garrafa de água de coco no teto do Hortifruti, não porque a festa dos urubus fosse uma novidade mas pela confirmação do que eu já suspeitava. É lógico que tem muita gente deitando e rolando nessa crise, a começar pelos bunkers de negociatas em Brasília. Afinal, no Brasil de hoje a podridão é o espelho da nação.
Outra crise que está rendendo bilhões. A caça arriada do governo com o galopante preço dos combustíveis que é lógico, evidente, só um imbecil não vê, é para cobrir o rombo da corrupção na Petrobras. Afinal, o preço do petróleo é o menor em décadas. Ou seja, pagamos para a cambada roubar e agora pagamos de novo para a Petrobrás continuar sendo assaltada. Ou alguém acredita que tudo mudou de repente, tudo azul, todo mundo nu?
Semana passada fui a uma agência bancária sacar 60 reais. Das cinco máquinas, três estavam quebradas, ou “em manutenção” como diz o “tecnologismo” de praxe. Fila, é lógico. Calor, idem porque o ar condicionado não dava vazão.
Vinte minutos depois, com os 60 reais no bolso, vi uma confusão na esquina. Uma van fez a curva de mal jeito e a roda de trás passou em cima do pé esquerdo de uma senhora que, graças a seus ululantes atributos físicos, ganhou a ajuda de uma dezena de homens e, evidentemente, do motorista da van que quase apanhou. Ele levou a vítima para um hospital. Movido por péssimas (???) intenções, me ofereci para conduzir a capitosa senhora, mas fui voto vencido. A fila não andou.
Voltei para a minha oca de trabalho e prossegui escrevendo um trabalho apaixonante, ouvindo os  do Beck (“Morning Phase”) e o de Jack White (“Lazaretto”). Quando cheguei na página 39 fiz uma pausa para aporrinhação. Lembrei que precisava comprar um chip para um celular que jazia adormecido numa gaveta.
Deixei o cursor do computador piscando e fui para a rua. Entrei na revenda de uma operadora, tudo moderninho, atendentes com notebooks HP zerados e munidos de total boçalidade e mau humor. O assunto (não aguento mais) era o calor e o ar condicionado que “não está aguentando”, dizia uma carrancuda mocinha, que em TPM poderia trabalhar como touro em Sevilha. O cidadão que me vendia o chip queria empurrar uma linha pós-paga de qualquer maneira, apesar de, calmo, muito calmo, explicar a ele que eu queria um chip pré-pago e ponto final.
Pediu meu CPF. Digitou não sei o que. Não sei porque o antílope estava com a tampa do notebook virada para ele. De repente, testa suando, pediu que fôssemos para uma outra mesa. Percebi que algo errado havia acontecido naquela aflita “tecladagem” dele. Fomos. Plec, plec, plec, digitava o rapaz. Pediu a identidade de novo, em seguida meu endereço com CEP, mais uma vez. Tudo em capítulos, como Albertinho Limonta numa novela chamada “O Direito de Nascer” que assisti quando era pequeno. A novela durou quase um ano e quem não assistiu ou não ouviu falar pode confirmar no Yahoo, Bing, Google e similares.
Tudo certo. Veio o chip num pacotinho muito parecido com aqueles que guardam lencinhos úmidos de avião da Fly Emirates. Estava lá o número do meu telefone. Ele pediu que eu pegasse o celular e digitasse asterisco e um número. Foi o que fiz. Uma voz gravada informou que em duas horas meu telefone estaria funcionando. Paguei e fui embora. O sinal chegou e, para testar, liguei de um telefone fixo para o de chip novo. Não tocou. Em menos de cinco minutos, o telefone de onde liguei chamou e era um senhor perguntando quem havia ligado para ele. Resumindo: meu chip estava com o número clonado! Voltei a loja. Cafezinho, desculpas (“está muito calor”) e peguei o chip certo.
Antes de retomar o trabalho, verifiquei os e-mails. Um press release estava cheio de erros de concordância. Mandei uma mensagem confidencial e elegante para a colega alertando sobre as calamidades. Ela gostou porque respondeu com um “valeu, LAM!”.
Mais e-mails, uns 30, informando que receberam mensagens dizendo que meu endereço eletrônico havia mudado. Mentira! Comuniquei a lista toda que não mudei de e-mail e quase postei uma nota no Facebook, o que acabei não fazendo para não amplificar ainda mais o problema.
Da cozinha de meu lar ouvi um estrondo. O sujeito que veio trocar o reator da lâmpada fluorescente caiu da escada. Na verdade a escada (que não era minha), vagabunda, abriu no meio. O cara não se machucou, mas, ainda assim, pedi desculpas.
E assim cavalga esse alegre Brasil, que na tarde de ontem fez 33 graus em Friburgo, 34 em Teresópolis e 35 em Petrópolis. Brasil de orgias de empresários canalhas, que alaga até com sereno, não adia o carnaval nem com calamidade pública e vai fazer Olimpíada da zika, da pica da recessão, sem chip de telefone, van passando em cima dos outros e é isso aí. 

Sôda-se, diria Fócrates.

A Gestapo do politicamente correto teria esquartejado pessoas como Peter Sellers

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Estou revendo filmes de um ídolo de adolescência, o genial Peter Sellers, um inglês cardiopata que morreu em 1980, aos 54 anos, de ataque cardíaco.

Nascida na Alemanha nazista, segundo o filósofo Luiz Felipe Pondé, a moléstia chamada politicamente correto, vulgo PC, voltou ao planeta a bordo dos esquerdóides nos anos 90. Se tivesse surgido antes teria esquartejado Peter Sellers em via pública devido a seu alto teor de liberdade criativa, considerado crime inafiançável e indefensável pela militância do PC.

Também teriam atirado no forno Mel Brooks por ter escrito e dirigido e clássico do humor “Banzé no Oeste” e cerca de 90% da produção intelectual mundial (des) graças a seus regulamentos, regras, estatutos.

Não podemos chamar um branco de branco, um negro de negro. Neste carnaval, em Minas, um casal resolveu se fantasiar de Aladdin e Jasmine e o seu filho de 2 anos de Abu, o macaco de estimação e um dos melhores amigos do personagem. O casal quase foi linchado porque a Gestapo do politicamente correto decretou que fantasiada de macaco, a criança estava sendo racista.

O PC tem vínculos uterinos com o império da corrupção e do jogo do bicho que comandam, também, o carnaval no Rio de Janeiro. Na Marques de Sapucaí o PC deixa rolar porque mama forte nas tetas da imundice, como bem mostra o magistral e recém lançado livro “Os Porões da Contravenção – jogo do bicho e ditadura militar: a história da aliança que profissionalizou o crime organizado”, de Aloy Jupiara e Chico Otavio.

Foi o politicamente correto que inventou toda a geração de políticos que assola o país desde o início dos anos 90. Apesar de não gostar tive que tirar o chapéu para Leonel Brizola quando ele afirmou, nessa época, que “o PT é a UDN de macacão”. UDN foi um nefasto partido, União Democrática Nacional, cujo lema era uma frase e Thomas Jefferson: “"O preço da liberdade é a eterna vigilância". Com o apoio da UDN o presidente Jânio Quadros proibiu o uso de biquínis nas praias e piscinas de todo o país.

Em 1957, quando era governador de São Paulo, proibiu a execução de rock nos bailes no Estado de São Paulo por acha-lo imoral e também os gritos de vendedores em feiras livres por achar que são assédio.

Em suma, o politicamente correto inventou o “desviver”, o desprazer, o “é proibido permitir”, jogando a sociedade num curral de perversidades moralistas.

Até quando?








Blogueiro é o cacete!, ou, vale tudo para praticar a evasão de privacidade (sacada de Tutty Vasquez)

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Com a boca mais seca do que as represas do sudeste, um colega me abordou na rua. Centro do Rio, duas da tarde, temperatura amena, céu nublado. Não o via há anos. Estava enfurecido porque vinha recebendo e-mails onde era chamado de “Caro blogueiro” ou coisa parecida. Jornalista como eu, ele estava indignado e resumiu sua fúria numa frase: “Estou na trincheira das letras tórridas há mais de 30 anos, ralei nas ostras estudando Comunicação quatro anos e vem esses vagabundos me chamarem de blogueiro. Blogueiro é o cacete! (ele não disse cacete, mas não gosto de escrever palavrões). Sou jornalista, ainda com muito orgulho.”
Eu também ficaria indignado se alguém me chamasse de blogueiro. Estou nas redações da vida desde o início dos anos 1970 (comecei com 15 anos), fiz curso superior, iniciei quatro pós-graduações que tive que abandonar por falta de tempo (trabalhava ou estudava) e, essa não, chegar agora e ouvir que sou um skatista das letras, um arrivista das entrelinhas, também conhecido como blogueiro? Meu chapa, de jeito nenhum. Não tenho nada contra os blogueiros, mas que boa parte deles é picareta, aventureiro, metido a escritor fashion, jornalista up to date e tudo mais, isso é.
Tanto que essa cabana não se chama Blog do LAM e sim Coluna do LAM, e caminha para os 250 mil acessos desde que entrou no ar, no final de 2012. Tudo bem que a extensão blogspot.com pode confundir alguns, mas aí o problema não é meu. 
Felizmente nunca me chamaram de blogueiro. Nunca! Talvez porque já me conheçam de outros woodstocks, sabem que ralo como um lobo na savana e não tolero esses modismos de amadores, gente que adora praticar a “evasão de privacidade” como bem sentenciou, anos atrás, o grande Tutty Vasquez. 
Especialmente quem escreve de graça para fazer lobby com a sociedade. São os skatistas da imbecilidade, estafetas do estrume jornalístico que, muitas vezes, são endeusados. Não tolero amadores (e arrivistas, molambeiros, barangas) em nenhum setor dessa louca e sempre bela vida.
Concordo com 130% de meus colegas que afirmam que a qualidade do jornalismo despencou nos últimos anos. É verdade. Escrever mal virou regra. A concordância verbal, em muitos casos, parece ter virado artigo de luxo ou ficção não científica. Mas o mais grave, aliás, gravíssimo, são as falhas na apuração das notícias, lei maior da mídia. 
O que leio de erros primários de apuração, notícias com fontes trocadas, informações truncadas e até incoerentes, é de fazer chorar. Meus colegas dizem que as empresas de comunicação optaram por mão de obra muitíssimo barata, logo de baixa qualidade, e que esses erros vão se avolumando alucinadamente. 
Um dia desses li a seguinte chamada: “Trânsito segue parado em Laranjeiras”. Como assim? Como é que um trânsito segue se está parado? Daí para falhas lamentáveis em cultura, política, economia, ciência é só um salto. E o leitor? O leitor que se dane, ao que parece. O leitor que vá ler blogs e não encha o saco.
Isso na chamada mídia convencional. Imagine nesses blogs que muitos picaretosos salta-pocinhas escrevem, publicam e saem charlando por aí como se o Pluto fosse filho da Pluta e que se dane o avião. Por isso, meu colega tem razão: blogueiro é o cacete! 
Sou jornalista, adestrado para apurar exaustivamente as informações, escrever respeitando normas muito rígidas e publicar com o máximo de firmeza possível. Por que? Porque os bons leitores exigem, merecem e, pelo que aprendi, os bons leitores são nossa razão de existir. O resto? Problema da Comlurb.

O piano de Keith Jarrett trouxe Colônia para dentro de nós

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                       Criador, criatura
                                                                             
                           Visceral
                                          Genial                                                                          
O disco instrumental que me deixou de joelhos na primeira vez que ouvi chama-se “The Köln Concert”, de Keith Jarrett, gravado no Opera House em Colônia, Alemanha, em 24 de janeiro de 1975. Ou seja, o concerto que virou disco (lançado em setembro de 1975) acachapante fez 40 anos de idade ano passado.

Não conhecia bem Keith Jarrett e foi só em 1981 que ouvi “The Köln Concert”. Foi como se um tufão rompesse os meus rochedos emocionais. Todos eles. Era um LP duplo, importado (gravadora ECM, da Alemanha) que ouvi um dia inteiro em casa e numa cópia em fitinha K7 que fiz, a bordo de meu Fiat 147 Europa. O álbum vendeu quase quatro milhões de cópias e é o disco de piano-solo mais comercializado na história da música.

Até hoje esse disco me joga inteiro no lascivo mundo dos devaneios. A solidão do piano de Jarrett, totalmente entregue a música a ponto de gritar algumas vezes ao longo do concerto é algo que não vai acontecer de novo. Por mais que seja desejado, planejado, ensaiado, “The Köln Concert” é um raio que não vai cair duas vezes no mesmo lugar. Aliás, em lugar nenhum. Nem que Keith Jarrett queira. Eu o assisti ao vivo duas vezes, concertos sublimes, mas longe do stral de "Köln".  

A música arrasta os gênios. Jarrett se deixou arrastar naquela noite de 24 de janeiro de 1975 em Colônia, sem medir consequências. A gravação do álbum foi marcada por algumas confusões, pianos trocados, mas se tornou uma obra tão profunda, visceral, fundamental que ganhou o reconhecimento mundial. Um disco que está muito à frente de 1975, de 2016, do ano 3000, porque flagra a essência da liberdade, um momento muito raro em todos nós.

Anos depois, eu iria participar de entrevista coletiva de Keith Jarrett no Rio que acabou sendo cancelada. Tinha (e tenho) muita vontade de falar com ele sobre “The Köln Concert”, mas, como todo mundo sabe, o músico é encrenqueiro, daqueles que interrompem o concerto por causa do zumbido de uma abelha. Mesmo que a entrevista acontecesse, não daria para conversar sobre aquela distante noite de Colônia.

Amigos e colegas meus, que já estiveram com ele, dizem que Jarrett é arrogante, antipático, mas é a tal história, o cara é gênio e gênio pode tudo. Pode? Pode sim, eu acho, ou como diria Caetano Veloso, “pode sim, ou não.” Fato é que se aquele entrevista tivesse existido eu tentaria não iria falar da agenda de Jarrett naquele dia/semana/mês, e sim de Colônia, Alemanha, 24 de janeiro de 1975. Eu queria ter estado lá. Muito. 

Mas o poder do músico fez Colônia vir até mim (e a milhares de outros brasileiros) dentro deste álbum duplo de vinil, que guardei até 80 e tal. Depois comprei em CD que ouço nesse exato momento, com os olhos ardendo, a garganta levemente seca, porque é assim que a música serpenteia a minha emoção. E a música pode tudo. Inclusive parir a abstração profunda e genial, para sempre genial de “The Koln Concert”, de Keith Jarrett.

Mesmo ladrão, incompetente e burro o Estado se mete onde não é chamado

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            Com essa suburbana mania de querer dar uma de Estocolmo, Niterói virou fábrica de ciclofaixas as moscas                                                                      
Suécia, Dinamarca, Áustria são países onde o Estado faz questão de não se meter na vida dos cidadãos. Os Estados Unidos também. Os democratas que pensam grande se comportam assim: quanto menos Estado na vida das pessoas, melhor.

Desde 1.500, no Brasil o Estado não se satisfaz se metendo na vida de todo mundo. Além de se intrometer, atrapalha. No caso de Niterói, a situação chega a ser bizarra. 

Tempos atrás fui ao centro da cidade e, na volta, andei até a principal avenida da região (Amaral Peixoto) para pegar um táxi. Chovia, o que é bom.

Na calçada do lado esquerdo da avenida, ninguém conseguia chamar táxi algum porque a desprefeitura, em mais um surto de burrice inespecífica, encheu a primeira pista da esquerda de “tachões”, gelos baianos pós-modernos que cercam a mal parida ciclofaixa que atende...atende...atende a ninguém, cara pálida! Fiquei ali embaixo das decadentes marquises daquela avenida imunda esperando a bem vinda chuva aliviar (foram uns 25 minutos) e não vi uma mísera bicicleta passar.

Como a chuva não diminuiu, andei até a rua da Conceição onde, depois de fazer papel de palhaço chamando táxis lotados (você não vê porque os vidros são pretos), consegui pegar um. Comentei sobre a lambança da ciclovia (na verdade é ciclotacha) com o taxista que, indignado, disse com a sabedoria de quem roda o dia todo pela cidade: “Nunca vi um ciclista usando aquilo para ir trabalhar. Só uso recreativo. E são raras as bicicletas que passam pois os ciclistas preferem andar do outro lado da avenida”.

Transito pesado. Perguntei sobre a irmã caçula da lambança urbanística da Amaral Peixoto, a ciclotacha da avenida Roberto Silveira. O taxista desabafou: “aquilo é uma vergonha. Vivem trocando tachões porque os carros passam por cima. Vai morrer gente lá!”.

E tudo isso acontece numa cidade onde ruas e avenidas são estreitas, as calçadas são tomadas pelos prédios, enfim, em vez de melhorar a mobilidade urbana existente a desprefeitura prefere inventar outras.

Como se não tivesse nada para fazer numa cidade onde estudo está largado.

Falando sozinho, dormindo acordado, churros nos braços, céu da boca estrelado, Jules et Jim, blues, blues, blues

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Um homem na esquina; Los Angeles, São Paulo, Rio de Janeiro. Mão no ombro direito.

- Você já me conhece em sonho. Sou seu anjo.

- Sim, já te vi antes.

- Você me chamou.

- Vamos sentar naquele banco?

-  Me pague um churro. Dizem que anjo não gosta de churros, pura balela.

- Bom te encontrar

- Qual é o problema?

- Nenhum. Chamei para agradecer por ter me livrado daquela confusão.

- Difícil...

- Difícil o que?

- Difícil um anjo ser chamado por mera gratidão.

- Saiba, meu chapa, que eu só tenho gratidão por você. Seus livramentos diários, toques quando estou dormindo e sonhando.

- Churro gostoso, esse.

- Esse cara é bom. Ele está te vendo?

- Está sim. Todo mundo está me vendo. Fique tranquilo que você não está “falando sozinho”. 

- Obrigado por mais essa força.

- Qual?

- O livramento mais recente. Você me tirou da roubada na hora certa. Eu ia me ferrar feio lá na frente.

- Ia mesmo. Te livrei porque você pediu em sonhos.

- Confiança.

- Fé.

- Um dia quero conversar sobre a fé.

- Um longo papo.

- Meses atrás um aluno me perguntou o que é fé no meio de uma aula.

- Adolescentes desafiam até os anjos.

- Quase te chamei.

- Devia.

- Anjos como você não são táxis que a gente chama quando quer.

- Quando você não me chama a sua fé me liga.

- Fé...coisa linda a fé.

- Me paga outro churro?

- Claro.

- Então está combinando. Vou indo.

- Não suma.

- Não posso.

- Assuma.

- Claro.

O fog psicodélico de Itaipu

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                                                             Fotaço do Caíque Fellows                
Sabino Bar, o bar do Neno, espaço nobre em nossas memórias
Quando vi a foto que Caíque Fellows fez do por do sol na praia de Itaipu, imediatamente pedi autorização para colocá-la na capa de minha página no Facebook.  Renomado arquiteto, fotógrafo de mão cheia, intelectual de primeira e muitíssimo gente boa, Caíque era consultor do sempre muito saudoso Alex Mariano, amigo comum, que era produtor da Rádio Fluminense FM onde fazia de tudo, inclusive o programa Satisfaction sobre os Rolling Stones.

Meu amigo desde o início dos anos 1970, Alex e eu brigávamos muito por causa do Satisfaction. Briga de irmãos, daquelas que invariavelmente terminavam em cafezinhos nos botequins fincados no entorno da rodoviária de Niterói. Os Beatles tinham um programa diário na rádio, o Revolution, produzido e apresentado por Sérgio Vasconcellos. Achei justo fazer duas horas de Stones aos sábados e, por isso, sugeri que o Alex fosse o produtor.

A reação dele foi bizarra. Me xingou, ficou vermelho, quase deu socos na mesa, acendeu um cigarro atrás do outro, recusando o programa. Ele achava que os Stones não tinham material suficiente para três meses de programa. Mantive a decisão e ele, gago (quando ficava nervoso gaguejava), me disse “sa sa sa ca ca ca ca na na na na gem gem gem sua...”.

Todos os dias, Alex reclamava do programa e me xingava pelos corredores. Mas o Ibope estava alto, os ouvintes adoravam, ou seja, contrariado, enfurecido, remando contra a corrente o cara era profissional e fazia um super programa. Ao lado dele o Caíque, que levava preciosidades, gravações exclusivas, shows piratas, entrevistas, enfim, quando um dia eu disse ao Alex que “você está fazendo o melhor programa sobre Stones do rádio brasileiro”, ele se enfureceu e me mandou a merda”. Quase o demiti.

No fim do dia, pediu desculpas e respondi que o problema não tinha sido me mandar a merda e sim ter posto o dedo na minha cara, etc etc etc, e nunca mais ele reclamou do Satisfaction. Saudade, muita saudade do Alex Mariano.

Assim são os fogs de Itaipu. Não tem explicação, só comoção. Eles são muito raros, pouca gente os viu. Se aproximam da areia trazidos por uma bruma azulada que, lentamente, faz a volta e ruma em direção ao canal de Camboinhas, a direita da praia.
Meu cachorro Titã (um basset marrom, raça também chama de dachshund) uivava quando o fog passava. Aliás, há quem diga que esse fog tem poderes mágicos, especialmente quando os que apreciam uma boa bebida atingem a cota de oito garrafas de cerveja.             

Anos atrás o grande amigo Hélio Nóbrega, o Neno, dono do Sabino Bar eu e outras pessoas passamos o Réveillon lá, sentados no deck do bar, na cara do mar. Noite azulada, trafego intenso de estrelas cadentes, satélites. Chegamos cedo, umas 10 da noite, quando uma bruma varria lentamente a beirada do mar tendo ao fundo as luzes da entrada da Baía de Guanabara e, também, de parte de Copacabana.

Não vi, mas senti o fog. Estávamos todos calados, submersos em devaneios de fim de ano turbinados pelas estrelas, o mar escuro, as luzes da metrópole ao longe. Foi durante um desses fogs que escrevi “Copacabana meu amor”, um artigo muito fraco, cartesiano, careta, vestido de tergal que, sei lá porque, muita gente gostou.

A foto do Caíque lá em cima mostra a alma de Itaipu, que ela só exibe para quem confia. E o Caíque conhece bem a essência desse lugar mitológico que se transforma, se reinventa, totalmente blues de Chicago que habita os corações mais sensíveis e encachaça os fígados dos imbecis que nos domingos de verão transformam essa acrilírica praia numa versão mais sórdida dos brejos do fundo da baía. Pobre Itaipu. 

Se pudesse riscava os domingos do calendário.

Festa de aniversário com um milhão e meio de convidados e os Rolling Stones tocando ao vivo - dedicado a meu pai, amado pai

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          Lula Tiribás, eu e Jamari na cratera do vulcão. Stones, Copacabana, em 18 de fevereiro de 2016

Em 18 de fevereiro de 2015, escrevi:

Caramba, como estou emocionado com a homenagem que a Rádio Cult FM fez pelo meu aniversário. À frente, os amigos e diretores da rádio Luck Veloso e André Luiz Costa, mais as amigas Bete Babo e Edilene Baldam e muitos ouvintes. Valeu! Como valeu a bela homenagem! ;) ;) ;) ;)

Dia de aniversário para mim sempre foi uma data essencialmente solitária, mas jamais triste. Jamais. Desde criança agradeço a Deus por habitar este planeta, mas sem aquela euforia que vejo incorporar em outros aniversariantes. O fato de ter nascido em fevereiro, alto verão, mês de férias escolares e carnaval, fez com que as comemorações se restringissem a família já que os colegas de escola estavam sempre de férias, e os amigos, em geral, viajando.

Não só me acostumei com a solitária data como, com o passar do tempo, quando descobri a individuação - benção maior da maturidade - passei a gostar de 18 de fevereiro do jeito que é possível e não da maneira como os outros julgam ideal. 

Jornalista, sem dia e hora para nada, passei muitos aniversários longe da família, mas nem por isso deixei de curtir os telefonemas, os sinceros desejos de saúde e felicidade e muito bolo Plus Vita com vela de botequim nas estradas da vida;comemoração de colegas no meio de coberturas jornalísticas.

Um aniversário que me marcou muito foi o de 2006. Trabalhei na equipe que fundou a Rádio Bandnews FM, em 2005. No dia do meu aniversário, um sábado, estava de plantão e desde de manhã cedo fiquei em frente ao Copacabana Palace. Na areia, a noite, aconteceria o maior show de rock da história do Brasil, quando os Rolling Stones tocaram para mais de um milhão de pessoas.

Entrei ao vivo dezenas de vezes, em rede nacional, falando do repertório, expectativa do público, aparições da banda na janela do Copa, enfim, uma geral. Até que, por volta de meio dia, 39 graus, céu nublado, o âncora da rede descobriu que era o meu aniversário, desejou parabéns no ar, eu brinquei que “ia comemorar com uma festinha íntima com mais de um milhão de convidados, ao som dos Stones ao vivo”, gargalhada no ar e tudo bem.

Só que muitos ouvintes estavam na área e começaram a me procurar no carro de reportagem, estacionado. Não tinha como não me encontrar já que estava literalmente embaixo do giga-palco dos Stones na areia, com os amigos Luiz Tiribás (o Lula) e Jamari França. Os ouvintes foram lá, falavam comigo, lembravam de outros trabalhos meus (Rádio JB-AM, Rádio Fluminense FM, Jornal do Brasil, Rede Manchete de TV Pasquim, etc) e aquilo começou a me emocionar. Por que? Porque só a sinceridade leva um indivíduo a procurar um desconhecido (no caso eu) para desejar parabéns. 
O que mais?

Além dos desconhecidos, colegas, músicos que passavam por lá, amigos me ligavam o tempo todo, tudo isso associado ao alegre tumulto em Copacabana que só aumentava, a medida em que a noite se aproximava. Bote na receita 45 graus de sensação térmica e vieram emoções que eu não conhecia, capitaneadas pela gratidão. Lá pelas 7 da noite fui até a beira do mar (já estava difícil transitar pela multidão) e fiz uma oração. Agradeci por tudo e, sobretudo, por todos que falavam comigo quando poderiam ter ficado quietos. Liguei para casa dos meus pais que, emocionados, desejaram felicidade, saúde e "um bom trabalho, meu filho". Voz do meu pai do outro lado da linha, habituado com a constante presença do filho fisicamente distante.

Voltei para o nosso bunker embaixo do palco e as oito horas chequei as baterias dos celulares, subi alguns degraus de uma torre de som e vi que o povão, compacto, já devia estar chegando ao Leme. Nunca tinha visto tanta gente num show. Nunca. Nem eu, nem Luiz Oscar Niemeyer (dono da Planmusic, que trouxe os Stones), nem todos os jornalistas que ali estavam e muito menos os Rolling Stones. As nove e pouco, a banda detonou tudo, abrindo com a magistral “Jumpin’ Jack Flash”. A multidão explodiu.

O show foi rolando e muitas cenas de minha vida desfilaram em minha cabeça. Afinal, além de meu aniversário, os Stones embalaram a minha adolescência e suas namoradas, amigos, alegria, caos, enfim, a cada canção uma lembrança. A todo instante eu conseguia falar ao vivo na rádio pelo celular, via São Paulo (não sei como por causa do volume do som) e voltava aos pensamentos. Mas quando Keith Richards mandou o riff de “Happy”, não aguentei e quase fui as lágrimas. Emoção boa, farta, bonita, grata, vida, mas não consigo chorar.

Há muitos e muitos anos não derramo uma lágrima. Não sei por que. Mas naquela noite, naquela data, naquela areia, naquele som, o vulcão quase entrou em erupção. Que bom. 

Valeu.

Peter Grant, o homem que viabilizou o Led Zeppelin na base da porrada

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Assisti o primeiro capítulo da série "Vinyl" na HBO, com direção de Martin Scorsese e produção de Mick Jagger. Boa pegada, corrupção na indústria do disco, jabá, cocaína, covardia, tudo quase bem. Quase porque Scorsese pisou na jaca ao exibir sósias de Robert Plant e Peter Grant (fotos) o mamute que era empresário do Led Zeppelin. Plant aparece encarnado num ator ultra barangóide, falando um monte de asneiras, afetado até a nona geração. E Peter Grant é mostrado como um magrelo estressado, e não o gorila que fez o mercado gemer de medo. Por isso, apresento o verdadeiro Grant.

Peter Grant tinha dois metros de altura, quase 180 quilos e jogava duro, pesado. Foi ele quem viabilizou o Led Zeppelin, uma das maiores bandas da história do rock. Não fosse sua sagacidade, ambição e truculência, a banda criada por Jimmy Page com certeza não teria voado tão alto e se tornasse bilhardária. Aqui, um texto de Guilherme Camardella do site Whiplash com base no livro “Led Zeppelin, quando os gigantes caminhavam sobre a Terra”, de Mick Wall.


Peter Grant nasceu em 5 de abril de 1935, no sul de Londres um subúrbio chamado South Norwood. Foi filho de mãe solteira. Como em toda família de classe operária, Grant se viu obrigado a trabalhar em indústrias e servir ao exercito até se deparar com o sonho da indústria do entretenimento. 

Jovem e alto primeiro tentou ser ator e vinha obtendo relativos “êxitos”. Sempre com pontas ou papéis pequenos, é possível vê-lo por exemplo em “Canhões de Navarone” ou “Cleópatra”. Na TV a mesma coisa, porém com mais destaque em “O Santo”, aonde atuou como um barman e trocou falas com Roger Moore.

No início da década de 60 ele começou a trabalhar com Don Arden (pai de Sharon Osbourne), um empresário que utilizava de meios não muito convencionais (leia-se porrada) para obter os seus resultados. Grant era o empresário das turnês britânicas de artistas como Little Richard, Chuck Berry, The Animals, etc. Ali, Grant aprendeu todos os macetes e se tornou empresário do rock.

Em 1966, já gerindo os seus próprios negócios – junto ao seu sócio Mickie Most – Grant foi convidado para cuidar da carreira dos Yardbirds, banda de médio sucesso no Reino Unido e maior prestígio nos Estados Unidos cujo destaque ficava por conta dos guitarristas Jimmy Page e Jeff Beck. Grant já pegou a banda em decadência e nada pode fazer. Em 68 já estava decretado o fim dos Yardbirds após uma turnê americana.

Em uma conversa com o então jovem Jimmy Page, Grant ouviu sobre os passos que o músico pensava em dar após o término de sua banda. Numa nova banda chamada New Yardbirds. Peter teve faro e notou que o talento daquele jovem guitarrista era diferente e que de fato valeria a aposta. Acreditou tanto, que se reuniu com o sócio Mickie e ofereceu a sua parte do The Jeff Beck Gruop que naquele mesmo ano já conquistava sucesso internacional com o álbum “Truth”. Mickie topou.

Após recrutarem os outros membros para o chamado “quarteto de ouro da história do rock”, o New Yardbirds se viu obrigado a mudar de nome por problemas judiciais com um ex-membro da antiga banda. Assim nasceu o Led Zeppelin. Grant estabeleceu uma relação muito forte com Jimmy Page e somado a isso, deu total liberdade criativa para o grupo; sem pressões, levando a risca o lema “meu artista em primeiro lugar”, ou como John Paul Jones (baixista e tecladista) disse a Mick Wall em “Quando os Gigantes caminhavam sobre a Terra”: 

“Peter confiava em nós para fazer a música e então mantinha todo mundo a distância, garantindo-nos espaço para fazer o que quiséssemos sem a interferência de ninguém – imprensa, gravadora, promotores. 
“Ele só tinha a nós como clientes e reconhecia que, se fôssemos bem, ele também iria. Sempre acreditou que seríamos muito famosos, e as pessoas tinham medo de não aceitar seus termos e perder algo. Mas todo esse negócio de renegociar contratos na base da intimidação é bobagem. Ele não pendurava as pessoas na janela e todas essas besteiras.” 

Com o dinheiro do bolso de Jimmy Page (estava financeiramente bem após passar anos trabalhando como músico de estúdio) ainda em 1968, nasceu o álbum Led Zeppelin I. Não se sabe até que ponto era lenda ou verdade sobre a fama de Peter Grant ser um pressionador/intimidador, mas ele obteve coisas nunca antes conseguidas a um artista com gravadoras e promotores de shows. 

Com uma obra prima pronta embaixo dos braços, Peter Grant voou para os Estados Unidos a fim de conseguir uma gravadora e não só assinou com a Atlantic Records por cinco anos, como voltou para o Reino Unido com o maior adiantamento da história para um artista não contratado: 143.000 dólares, sem que a Atlantic sequer tenha visto-os tocar.

Em 1968 isso era uma quantia muito mais considerável do se imagina. A Atlantic fabricava, distribuia, promovia os discos e só. Não se metia no trabalho do Zeppelin. A produção artística dos álbuns era de Jimmy Page e a Produção Executiva de Peter Grant.

O empresário sacou que no mercado americano Page era relativamente famoso por causa do Yardbirds. O foco nos Estados Unidos teve papel fundamental e ajudou o Zeppelin a vender milhões de discos e a bater recordes de bilheteria em turnês.
Peter Grant via os membros do Led Zeppelin como amigos (de fato eram) e Jimmy Page como um filho. Nessa época era de praxe que os promotores pagassem aos artistas 10, 20 por cento da bilheteria. Com os seus “métodos” Peter conseguiu que ficassem com 90 por cento do lucro de todas as turnês, o que futuramente faria com que todos os recordes – antes pertencentes aos Beatles e Stones – de faturamento e popularidade fossem quebrados. 

Em 1974 Peter lançou junto ao Zeppelin a própria gravadora da banda, o Swan Song, com distribuição da Atlantic. Seguindo a tendência iniciada pelo Apple dos Beatles, Grant fez mais dinheiro e autonomia artística, sendo também responsável por outros nomes como o Bad Company, de Paul Rodgers.

A segunda metade da década de 70 trouxe o declínio do Led Zeppelin e o de Peter Grant consequentemente. Diversos contratempos fora dos palcos, muito atribuídos ao abuso de drogas, outros pelo “suposto” envolvimento de Jimmy Page com o ocultismo, acidentes e a morte inexplicável do filho de Robert Plant de cinco anos fizeram o Led descer em queda livre. Grant não tinha mais forças para “segurar” a barra. 

Após ter se separado da mulher ele mergulhou de cabeça na cocaína e na bebida. Ficava horas trancado em seu escritório cheirando pó. Isso o tornou mais psicótico e a síndrome do pânico passou a assombrar  a sua vida. Essa vida para um sujeito rude não poderia ser pior. Em 77, em um show em Oakland (EUA) um segurança local foi acusado de esbofetear o rosto do filho de Grant. 

O segurança foi levado para um banheiro onde foi selvagemente espancado por ele, Richard Cole e o baterista John Bonham, fazendo com que uma equipe da SWAT entrasse no hotel em que eles estavam hospedados e os prendessem. 

Em 79 o episódio para a negociação dos dois shows em Peter Grant tinha quase dos metros de altura, quase 180 quilos e jogava duro, pesado. Foi ele quem viabilizou o Led Zeppelin, uma das kaiores bandas da história do rock. Não fosse sua sagacidade, ambição e truculência, a banda criada por jimmy Page com certeza não teria decolado. Aqui, um texto de Guilherme Camardella do site Wiplash que, por sua vez, recorreu ao livro “ Led Zeppelin, quando os gigantes caminhavam sobre a Terra”, de Mick Wall.

Peter Grant nasceu em 5 de abril de 1935, no sul de Londres um subúrbio chamado South Norwood. Foi filho de mãe solteira. Como em toda família de classe operária, Grant se viu obrigado a trabalhar em indústrias e servir ao exercito até se deparar com o sonho da indústria do entretenimento. 

Jovem e alto primeiro tentou ser ator e vinha obtendo relativos “êxitos”. Sempre com pontas ou papéis pequenos, é possível vê-lo por exemplo em “Canhões de Navarone” ou “Cleópatra”. Na TV a mesma coisa, porém com mais destaque em “O Santo”, aonde atuou como um barman e trociu falas com Roger Moore.

No início da década de 60 ele começou a trabalhar com Don Arden (pai de Sharon Osbourne), um empresário que utilizava de meios não muito convencionais (leia-se porrada) para obter os seus resultados. Grant era o empresário das turnês britânicas de artistas como Little Richard, Chuck Berry, The Animals, etc. Ali, Grant aprendeu todos os macetes e se tornou empresário do rock.

Em 1966, já gerindo os seus próprios negócios – junto ao seu sócio Mickie Most – Grant foi convidado para cuidar da carreira dos Yardbirds, ban de médio sucesso no Reino Unido e maior prestígio nos Estados Unidos cujo destaque ficava por conta dos guitarristas Jimmy Page e Jeff Beck. Grant já pegou a banda em decadência e nada pode fazer. Em 68 já estava decretado o fim dos Yardbirds após uma turnê americana.

Em uma conversa com o então jovem Jimmy Page, Grant ouviu sobre os passos que o músico pensava em dar após o término de sua banda. Numa nova banda chamada New Yardbirds. Peter teve faro e notou que o talento daquele jovem guitarrista era diferente e que de fato valeria a aposta. Acreditou tanto, que se reuniu com o sócio Mickie e ofereceu a sua parte do The Jeff Beck Gruop que naquele mesmo ano já conquistava sucesso internacional com o álbum “Truth”. Claro que Mickie topou.

Após recrutarem os outros membros para o chamado “quarteto de ouro da história do rock”, o New Yardbirds se viu obrigado a mudar de nome por problemas judiciais com um ex-membro da antiga banda. Assim nasceu o Led Zeppelin. Grant estabeleceu uma relação muito forte com Jimmy Page e somado a isso, deu total liberdade criativa para o grupo; sem pressões, levando a risca o lema “meu artista em primeiro lugar”, ou como John Paul Jones (baixista e tecladista) disse a Mick Wall em “Quando os Gigantes caminhavam sobre a Terra”: 

“Peter confiava em nós para fazer a música e então mantinha todo mundo a distância, garantindo-nos espaço para fazer o que quiséssemos sem a interferência de ninguém – imprensa, gravadora, promotores. 
“Ele só tinha a nós como clientes e reconhecia que, se fôssemos bem, ele também iria. Sempre acreditou que seríamos muito famosos, e as pessoas tinham medo de não aceitar seus termos e perder algo. Mas todo esse negócio de renegociar contratos na base da intimidação é bobagem. Ele não pendurava as pessoas na janela e todas essas besteiras.” 

Com o dinheiro do bolso de Jimmy Page (estava financeiramente bem após passar anos trabalhando como músico de estúdio) ainda em 1968, nasceu o álbum Led Zeppelin I. Não se sabe até que ponto era lenda ou verdade sobre a fama de Peter Grant ser um pressionador/intimidador, mas ele obteve coisas nunca antes conseguidas a um artista com gravadoras e promotores de shows. 
Com uma obra-prima pronta embaixo dos braços, Peter Grant voou para os Estados Unidos a fim de conseguir uma gravadora e não só assinou com a Atlantic Records por cinco anos, como voltou para o Reino Unido com o maior adiantamento da história para um artista não contratado: 143.000 dólares, sem que a Atlantic sequer tenha visto-os tocar.

Em 1968 isso era uma quantia muito mais considerável do se imagina. A Atlantic fabricava, distribuia, promovia os discos e só. Não se metia no trabalho do Zeppelin. A produção artística dos álbuns era de Jimmy Page e a Produção Executiva de Peter Grant.

O empresário sacou que no mercado americano Page era relativamente famoso por causa do Yardbirds. O foco nos Estados Unidos teve papel fundamental e ajudou o Zeppelin a vender milhões de discos e a bater recordes de bulheteria em turnês.

Peter Grant via os membros do Led Zeppelin como amigos (de fato eram) e Jimmy Page como um filho. Nessa época era de praxe que os promotores pagassem aos artistas 10, 20 por cento da bilheteria. Com os seus “métodos” Peter conseguiu que ficassem com 90 por cento do lucro de todas as turnês, o que futuramente faria com que todos os recordes – antes pertencentes aos Beatles e Stones – de faturamento e popularidade fossem quebrados. 
Em 1974 Peter Grant lançou junto ao Zeppelin a própria gravadora da banda, o Swan Song, com distribuição da Atlantic. Seguindo a tendência iniciada pelo Apple dos Beatles, Grant dá mais dinheiro e autonomia artística, sendo também responsável por artistas lucrativos como o Bad Company, de Paul Rodgers.

A segunda metade da década de 70 trouxe o declínio do Led Zeppelin e o de Peter Grant consequentemente. Diversos contratempos fora dos palcos, muito atribuídos ao abuso de drogas, outros pelo “suposto” envolvimento de Jimmy Page com o ocultismo, acidentes e a morte inexplicável do filho de Robert Plant, fizeram o Led descer em queda livre. Grant não tinha mais forças para “segurar” a barra. 

Após ter se separado de sua esposa, Peter Grant entrou de cabeça na cocaína e ficava horas trancado em seu escritório cheirando pó. Isso o tornou mais psicótico e a síndrome do pânico passou a assombrar sua vida. Essa chapação para um sujeito rude não poderia ser pior. Em 77, em um show em Oakland um segurança local foi acusado de esbofetear o rosto do filho de Grant. O segurança foi levado para um banheiro onde foi selvagemente espancado por ele, Richard Cole e o baterista John Bonham, fazendo com que uma equipe da SWAT entrasse no hotel em que eles estavam hospedados e os prendessem. 

Em 79 o episódio para a negociação dos dois shows em Knebworth também foi envolvido de muita ameaça e paranóias. Com um acordo para dois dias para 250 mil pessoas, ao ver que o número não havia nem chegado próximo, Grant exigiu o pagamento total dos valores ameaçando os promotores do show e dando o maior prejuizo. Peter Grant nunca foi santo, porém sempre esteve disposto a tudo pelo Led Zeppelin. 

A morte de John Bonham em setembro de 1980 foi uma pá de cal não só para o grupo mas também para Peter Grant. Cada vez mais viciado em cocaína, imensamente gordo e abandonado pela esposa, Peter se fechou em seu império e raramente apareceu publicamente.
Morreu de ataque cardíaco em 1995.

Peter Grant foi um personagem marcante em uma história muito rica, a do Led Zeppelin. Um homem raro de se encontrar no showbizz.

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