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Quase conseguiram me fazer enjoar dos Beatles



Semana passada peguei um táxi e o motorista ouvia rádio. Adoro táxis, tanto que há uns anos atrás, respondendo por telefone a uma pesquisa de consumo, me perguntaram “qual é o melhor carro do mercado?”. Respondi “táxi novo, com ar condicionado”. A mulher achou que era galhofa, mas não era, e não é. De fato, é o que acho.

Há muito tempo não ouço FMs pelo dial, optei pela internet por razões quase óbvias: ouço um monte de webradios pelo smartphone quando ando por aí (e ando muito por aí) ou nos desktops da vida já que, por motivos que não quis investigar (preguiça) não gosto de notebooks nem de tablets. Ouço Selma Boiron e sua “Hora do Blush” na Rádio Paradiso (Selma manda muito bem) e Kelly Muniz em seus horários na MPB-FM. Kelly é outra fera. No mais, só webradio.

Logo que entrei no táxi, tocou uma música dos Beatles no rádio e eu senti um pouco de náusea, mal estar mesmo. Reagi mal aos primeiros acordes de “Let it Be” (era essa a música) e me assustei. Estaria ficando de saco cheio dos Beatles? Quando? Onde? Por que?

É verdade. Uma verdade que eu suspeitava mas não confirmava porque achava um absurdo. Mas estou enjoado de boa parte das músicas dos Beatles, minha banda preferida ao lado do Who, não por culpa de Lennon, McCartney, Harrison e Starr, mas por causa da overdose de covers, tributos, versões, imitações, enfim, a molambalização que estão fazendo da obra da maior banda da história do rock. Exemplo: tema de novela, a versão de “Lucy in the Sky With Diamond” é uma cusparada nos tímpanos, chacina de otorrinos, é de fazer mandril comer fuzil. Aquilo é absolutamente lamentável.

Com o passar do tempo (e das versões, dos covers, das homenagens e cusp!, tributos) fui enjoando. Não agüento mais ouvir Hey Jude, nem Something, Yesterday, enfim, a lista é grande mas parou de crescer porque optei em dar uma parada.

Temporariamente não ouço mais Beatles e quando voltar a ouvir vou partir para canções que não foram sucesso mundial (Tomorrow Nevers Knows, Fixing a Hole, etc) e muito menos fontes de cobiça de aproveitadores fantasiados de beatlemaníacos que jogam barro sobre a obra dos chamados Fab Fours. Principalmente os que fazem aquele traste chamado “tributo” que, em geral, urina sobre a biografia do homenageado.

Uma vez, no Rio Grande do Sul, no meio de um “tributo a Stevie Ray Vaughan um cara da plateia, meio bêbado, levantou e quis bater no líder da banda. Com razão porque aquilo que ele estava cometendo não era Stevie Ray Vaughan nem no Paraguai.

Percebo que o próprio Paul McCartney está preocupado com a super-exposição de muitas canções dos Beatles e a cada turnê varia, busca músicas mais alternativas, enfim, o GPS do grande Macca já percebeu que os Beatles não merecem morrer de overdose.

Puxei assunto com o taxista que disse gostar dos Beatles e que, inclusive, foi a um show do Paul McCartney. Perguntei se ele não estava cansado de ouvir algumas canções e ele disse que “essa aí toca muito...já está meio batida”, referindo-se a “Let it Be”. Para escrever esse texto liguei para alguns amigos ligados a música e todos, absolutamente todos, concordaram que por causa dos covers, versões, etc. os Beatles estão cansando.

Desde 2013 não vou mais a shows de imitações ou referências dos Beatles. Um amigo que é médico, montou uma banda que toca Beatles no Rio, me mandou e-mail/convite para a estreia e tal, mas acabei não indo. Semanas depois encontrei com ele no Leme e veio a fatídica “pô, não foi ao show...” Fiz o que tinha que ser feito: abri o jogo, falei a verdade, disse que não vou mais a show de cover de Beatles. Mais: nem a de Paul McCartney. Ele não acreditou e eu insisti: “não vou nem a show do Macca para preservar (para mim) a obra dele e a dos outros três.” Ficou tudo bem, como sempre acontece quando falamos a verdade.

Recentemente, estava num bar conversando com amigos e o violeiro que nos punia com a famigerada música ao vivo começou a tocar Beatles. Pedi a conta e fui embora antes dele chegar ao refrão de Here Comes The Sun porque a banda que sacudiu o planeta não merece um final tão melancólico como o esquecimento, conseqüência de overdose de exposição.

Os petelecos afetados de um salta pocinhas

    O que parece...
    ...muitas vezes não é
Prefiro levar um soco no queixo do que ficar tomando petelecos desses salta pocinhas, (quem inventou essa foi o Paulo Francis) franguinhas aflitas e histéricas que ficam perambulando por aí, exibindo o fastio dos lortos tristes, famintos e anêmicos.

Recebi uma mensagem sinuosa como as curvas de judas (escrevo com j minúsculo mesmo) e não me enquadrei entre as pessoas que ele, como Monalisa (aquela que não sabemos se ri ou chora, se é macho ou fêmea, se é Bangu ou Flamengo) estava difamando, usando como mote fofoquinhas de salão de depilação de virilha. Ahhh, a indiscreta decadência dos salta pocinhas, que fingem que perderam a chave do armário, apesar da porta estar aberta por fora.

Uma vez aconteceu lá Facebook. O cara (não conheço, nunca vi), que um outro fofoqueirA me disse se chamar Pheido, resolveu escrever (muito mal por sinal) uma série de atrocidades sobre gente que vive com o boi na sombra, surfando uma suposta onipotência, enfim, não cheguei a ler a mensagem toda porque respeito minhas calejadas quatro décadas e varada de jornalismo e tem texto que não desce goela abaixo, mesmo insinuando serem calcinhas de seda pura, minúsculas, cavadas, com lacinhos nas laterais.

Mas, na boa, muito entre nós, detesto mensagens cifradas. Pior: cifradas por um imbecil. O imbecil, o tal Pheido, quando está doidona, cabeça rodando, deitada na cama, consegue se imbecilizar ainda mais. E a sagrada ligação meio-mensagem se transforma num pau de enchente louca, pancada na margem direita, pancada na margem esquerda, confusão, gritos de “para, moço!”, e ninguém entende nada.

Não sei se já aconteceu com vocês, mas fico furioso quando, por exemplo, leio um fofoqueirA que insinua, insinua, insinua e nada diz. Meus instintos básicos (mandril? babuíno? bonobo?) pegam um elevador e vão para o subsolo, desejando surrar Pheido e similares até virarem patê. Não resolve porque é disso que elas gostam.

Por isso, a minha crescente admiração por mestres como Élio Gaspari que atiram de escopeta 12, sem medo disso ou daquilo. Mas antes de atirar ele apura tudo com precisão, checa e recheca informações para não pagar mico e tomar um processo na cara.

A internet é uma dádiva tecnológica, mas como tudo que é genial também tem seu lado podre. Por exemplo, abrigar amadores que acham que escrevem, acham que apuram, acham que existe notícia com uma versão só e não duas, no mínimo. Pheido, divina louca, é um desses protozoários que habitam esse chamado cybermundo, tentando defecar (sempre anacronicamente) na biografia alheia já que, por falta de cabeça, tronco e membros, não construiu a sua.

Todo jornalista sabe que devemos apurar uma notícia ouvindo todas as partes envolvidas no fato, e não sair disparando petelecos, mensagenzinhas cifradas, enfim, fazendo fofoquinha como a dona Pheido faz. Volto ao Francis. Isso não é gente trabalhando com Comunicação. Isso é salta pocinhas cavalgando em intrigas, biquinhos, linguinhas e fricotes atonais diante do espelho. Cai dentro, Pheido!

Manada humana fecha a ponte Rio-Niterói e dá um tiro no pé



No pé é pouco. Um tiro na própria cara. Os manifestantes que fecharam a ponte Rio-Niterói, nesta terça-feira, protestando contra a paralisação das obras do Comperj (Petrobrás), em Itaboraí, tinham tudo para conquistar o apoio da opinião pública. Afinal, o Comperj parou porque depois de tudo o que aconteceu (e acontece) com a Petrobrás o dinheiro acabou e a população já está pagando o pato, quer dizer, o porco com a avalanche de aumentos.

Só que ao fecharem a ponte, prejudicarem seriamente a vida de milhares de pessoas (não deixaram passar nem uma ambulância), punir quem também já está cansado de apanhar, os injustiçados do Comperj não só perderam a razão como ganharam o asco amplo, geral e irrestrito da opinião pública que, com razão, passou o dia xingando, amaldiçoando, mandando as favas os manifestantes.

Terá sido burrice dos organizadores do movimento? Não. Não existe burrice em política. Ao jogar a manada contra a população, os líderes optaram pela anarquia por razões que, por enquanto, frequentam o terreno das especulações. 

Por que não entraram pacificamente no prédio da Petrobrás, que é a dona do Comperj e grande vilã nacional do momento, e ocuparam o pátio em sinal de protesto? Por que não protestaram de outra maneira, visando o respaldo popular? Para que (e por que?) fechar a ponte Rio-Niterói, sabendo que os milhares de cidadãos que usam aquela via, de ônibus, van, carros, também são vítimas de um país à deriva, refém de um arrocho tributário feito para cobrir rombos provocados pela dobradinha corrupção/incompetência?

Só espero que essa lição de “democracismo”, bandalha e mau caratismo coletivo não sirva de exemplo para outros bandos que, covardes, preferem bater em gente do bem em vez de encarar os verdadeiros moleques da nação todos sabemos quem são.

Saudade do amigo Celso Blues Boy

    Na capa, fotaça de Maurício Valladares


Tenho dedicado os últimos dias ao estudo profundo, mas muitíssimo profundo do blues em função de um projeto maravilhoso que estou envolvido. Desde pequeno o blues me fascina, especialmente o de Chicago à bordo de figuraças comoMuddy Waters, Willie Dixon e tantos outros que acabaram parindo lendas como Jimi Hendrix, Jimmy Page, Jeff Beck, Eric Clapton.

O chamado blues inglês é uma variável desconcertante (não encontro outra palavra) do blues de Chicago que trouxe ao mundo, também, Keith Richards, Ron Wood, Rory Gallagher, enfim, eu passaria o dia aqui citando.
Quero falar do maior bluesman brasileiro. Um amigo chamado Celso Blues Boy, morto precocemente em agosto de 2012 de câncer. Amigos comuns que conviveram com ele no final, dizem que o músico não acreditava na existência doença e sequer se tratou. Teimoso o Blues Boy, extremamente teimoso.

Eu o conheci em outubro de 1981, quando montava a rádio Fluminense FM que estava com uma programação de teste no ar. A portaria do prédio interfonou para a sala da produção (eu dividia com Sergio Vasconcellos, Amaury Santos, Maurício Valladares e Alex Mariano, todos nós trabalhando com um único toca-discos), dizendo que “o senhor Celso Carvalho quer falar com você”. Sem saber quem era, mandei subir.

Celso, tímido, muito tímido entrou na sala num daqueles raros momentos em que eu estava sozinho. Acompanhado de seu amigo, fiel escudeiro e super-empresário Lourival de Almeida Neto. Tempo: Lourival, estou precisando falar URGENTE com você! Não consigo te achar! Me mande um e-mail: luizantoniomello@gmail.com.

Celso entrou com uma fitinha K7, com gravações quase caseiras de umas três músicas. Fiz o que não podia fazer: coloquei a fita para tocar. Por que não podia fazer: e se fosse ruim? Se não valesse nada? Com que cara ele e eu ficaríamos quando viesse a fatídica pergunta “vai dar pra rolar na programação da rádio?” e eu respondesse “não vai dar não, meu chapa”, como sempre fiz e faço, com muita franqueza. Só que o som de Celso era demais!

Eu ainda não tinha ouvido uma guitarra de blues tão forte, estrondosa, potente e visceral como a dele. Claro, era blues rock, mas comentei que “você tem muito do blues de Chicago” e ele, visivelmente atônito, respondeu sem a menor cerimônia “sei lá, meu blues é de Copacabana mesmo”.

O encontro selou a nossa amizade. Mais: eu disse que Celso Carvalho podia ser nome de tudo “até de cavalo do Jóquei “(ele deu uma gargalhada), menos de músico de blues. Foi quando o Lourival, empolgado, olhou para ele e quase gritou “não te disse? Eu não te disse?” Celso mudou para Blues Boy ali mesmo, na hora. Raspamos o Carvalho da fitinha K7 e escrevemos Blues Boy em cima, homenagem dele a seu segundo ídolo maior, Blues Boy King, o B.B. King. O primeiro ídolo? Eric Clapton.

Para refrescar a memória dos fãs daquela época e informar a quem está chegando agora, fui lá no Wikipédia:

Celso Blues Boy (nascido Celso Ricardo Furtado de Carvalho, Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1956 — Joinville, 6 de agosto de 2012) foi um cantor, compositor e guitarrista brasileiro.

Começou a tocar profissionalmente na década de 1970, acompanhando Raul Seixas e Sá e Guarabyra. Montou a banda Legião Estrangeira em 1976, com a qual se apresentava em bares e casas de show. Passou a ser mais conhecido a partir de 1980, quando mandou uma fita para a Rádio Fluminense, no Rio, voltada para o repertório roqueiro.

Gravou o primeiro disco em 1984, "Som na Guitarra", que incluía seu maior sucesso: "Aumenta que Isso Aí É Rock'n Roll". Um dos primeiros a cantar blues em português, escolheu o nome artístico em homenagem ao ídolo B. B. King, um dos pais do gênero, com quem também tocou na década de 1980. No fim da sua vida morava em Joinville, Santa Catarina.

Foi um ilustre torcedor do Vasco da Gama, tendo participado do Megashow comemorativo dos 113 anos do clube, onde tocou em sua guitarra o Hino do Club de Regatas Vasco da Gama.

Discografia:
1984 - Som na Guitarra.
1986 - Marginal Blues
1987 - Celso Blues Boy 3
1988 - Blues Forever
1989 - Quando a noite cai
1991 - Ao vivo - Celso Blues Boy
1996 - Indiana Blues
1998 - Nuvens Negras Choram
1999 - Vagabundo errante
2008 - Quem foi que falou que acabou o rock n' roll? (DVD ao vivo, Gravado no Circo Voador)

Como Blues Boy Celso explodiu rápido na Fluminense FM e, em pouco tempo, tornou-se um herói dos ouvintes. Pelo menos uma vez por mês ele ia até a rádio para ouvir opiniões. Muitas vezes conversava com ouvintes no telefone, enfim, adorava os seus fãs. Em contrapartida eu ia vê-lo em minha terceira casa (Circo Voador, já que a primeira era a Rádio Fluminense FM e a segunda era onde morava) e até dei uns esporros nele por conta do excesso de cerveja e da tradicional golfada que ele dava atrás do palco em pleno show.

Ele sempre concordava comigo e na última vez que dei-lhe um toque ele respondeu “É Lêi – ele me chamada de É Lêi, L.A. em inglês – realmente eu tenho que parar de vomitar...acho que parar de vomitar eu consigo, mas de tomar cerveja, fumar e azarar mulher na plateia...amigo, me perdôe, mas isso eu não vai dar não.” Caímos na gargalhada e nunca mais toquei no assunto. E, para delírio da plateia, Celso continuou bebendo cerveja e vomitando em todos os shows.

Em 1984 procurei o amigo, guru e padrinho de estúdio Roberto Menescal, na época diretor da Polygram (hoje gravadora Universal Music). Minha ideia era produzir o primeiro álbum de Celso Blues Boy. Menescal aceitou no ato, mas com uma condição: a Polygram contrataria a empresa que eu tive até 1989 com Zeca Mocarzel e a nossa empresa contrataria o Celso. Assim foi feito. Blues Boy assinou com a nossa Provence, que por sua vez assinou com a Polygram.

Uma semana depois Celso estava ensaiando em um estúdio em Botafogo. Eu ia lá assistir. Ele não lia nada de música, fazia tudo na intuição, no faro, no instinto de um verdadeiro bluesman. No terceiro dia senti falta de um percussionista. Constrangido, Celso me levou para um canto e confidenciou "É Lêi, o cara foi em cana...” Como assim? “Não pagou a pensão, a ex-mulher engaiolou ele ali na Voluntários da Pátria, quando estava vindo pra cá”.

Em 15 dias entrávamos no estúdio 1 da Polygram (24 canais), acompanhando o Menescal. Digo que ele é meu padrinho de estúdio porque ele entrou, me apresentou ao engenheiro, aos dois técnicos, me mostrou a mesa de dezenas e dezenas de botões, luzes, indicadores, disse “deita e rola, meu amigo” e saiu. Não entrei em pânico porque não nasci num estúdio porque o destino colocou um hospital no caminho de minha mãe.

Passamos três meses no estúdio 1 da Polygram, em sessões de seis horas por dia. Todos foram fundamentais no trabalho, em especial o Zeca, o Lourival e o Assistente de Produção Artística, super pianista e organista e Luiz Eduardo Farah, peça chave no sucesso do disco.

Expliquei a Celso que gosto de gravar com uma “cama” de violões com cordas de nylon. Ele gostou da ideia, mas não tínhamos um violão. Bom, hoje posso dizer. Chico Buarque gravada no mesmo estúdio em outro horário e, por isso, afanamos emprestado o violão dele que Blues Boy esmerilhou fazendo as bases.

Não satisfeito, Celso descobriu uma garrafa de vinho Michel Arnaud que era do Chico e disse que ia dar um gole. Fingi que não ouvi e continuei passando o som do órgão Hammond com Luiz Eduardo Farah. De fato, a garrafa de Chico Buarque já estava aberta, mas Celso teve a delicadeza de empurrar a rolha para dentro. Subimos até o Menescal para pedir que descontasse o valor (algo em torno de 500 dólares!!!!!) de nossa produção. Menescal disse “toquem o disco, não esquentem a cabeça”.

Eu e Celso conversamos muito e fechamos um pacto: fazer um disco de blues rascante, sujo, marginal, porém perfeito. Por isso, não arrisquei e consegui dois amplificadores Marshall, um Fender e um Roland (Celso queria um desses) para as guitarras, mais um Ampeg para o baixo. A bateria, da própria Polygram, era uma maravilhosa Ludwig, idêntica a primeira de John Bonham, do Zeppelin..

A seleção dos músicos para a gravação deixei com o Celso porque ele sabia melhor do que ninguém quem era quem. De cara, encantado com a genialidade de Luiz Eduardo Farah, além de assistente de produção ele foi promovido a pianista e órgão. Para o baixo, Celso convidou Milton Botelho; Antonio Scobino, bateria, Carlitos, gaita; Marcelo Scobino; backing vocals e guitarra. Blues Boy cantou (muitas vezes dobrando a voz), tocou violão e guitarras.

Quando fui mixar o disco estava estafado. Foram oito semanas de exaustivo trabalho, com um artista fantástico, pontual, disciplinado, que sabia tudo de blues, de voz, de guitarra. A foto da capa, de meu ultra-amigo Maurício Valladares (que ilustra esse texto), deu ao disco uma cara de blues que nenhum outro, em qualquer época, conseguiu.

Celso ficou muito feliz com o disco. Quando levei uma fita para a reunião de avaliação de Menescal e a cúpula da Polygram, nervosíssimo, expliquei que tínhamos feito um disco sujo de propósito, que eu assumia os riscos, etc etc etc. Toda a Polygram aplaudiu “Som na Guitarra” do grande Celso Blues Boy.
Hoje, com saudade do meu amigo, leio que “Som na Guitarra” é considerado o melhor disco de blues gravado no Brasil. Orgulho. Orgulho de um músico de Copacabana, exímio compositor, guitarrista dos melhores que já ouvi no mundo e a certeza que o Blues Boy ainda tinha muita guitarra para mostrar. Orgulho de um bando de pessoas dispostas a desempenar o mundo através da música. 

Quase conseguimos. É isso aí.




Saudade do amigo Celso Blues Boy, parte 2. Porque ele não virou um popstar

    Com B.B. King
    Celso toca a Lucille, guitarra sagrada de B.B. King, uma Gibson 335


Nessa segunda parte (e final) da homenagem a Celso Blues Boy conto porque ele não se tornou um superastro, vendedor de milhões de discos, queridinho da mídia nacional, enfim, porque Blues Boy na virou um popstar.

Logo que “Som na Guitarra” saiu, levei o disco para a Rádio Fluminense FM (Maldita) que fundei e dirigia. Deixei a critério dos produtores programarem, ou não, as músicas e a maioria (não todos) gostou do álbum.
Os divulgadores da gravadora Polygram fizeram um trabalho brilhante. O disco chegou a toda a mídia brasileira. Toda. Por isso, para não atrapalhar o trabalho da equipe, aviesei a Polygram que iria visitar algumas rádios com o Blues Boy para divulgar o disco e dias depois estava entrando em várias emissoras do Rio e São Paulo.

Com exceção das rádios rock, muitas outras (não todas), descaradamente, cobraram jabá para tocar o disco em suas programações. Um locutor de uma dessas rádios, meu chapa, disse que os ouvintes não paravam de telefonar pedindo para ouvir “Aumenta que isso ao é Rock and Roll! faixa de abertura do disco, mas que a emissora só ia tocar se rolasse grana.

Soube em seguida que o chefe de programação de uma emissora “estouraria a música na rádio”, transformando-a num hit se a gravadora lhe desse duas passagens de ida e volta e mais 15 dias de estadia nos Estados Unidos. Na gravadora todo mundo confirmou que “esse cara sempre foi o maior jabazeiro, só toca músicas se pagarem”.

Contei a Blues Boy o que estava acontecendo e ele ficou indignado, magoado, arrasado. Claro, nós sabíamos que o jabá corria solto mas achamos que “não era bem assim”. Celso pediu que eu não contasse mais nada porque ele estava ficando deprimido com tanta baixaria.

Segui em minha turnê pelas rádios. As que tinham um perfil rock não só tocaram o disco como entrevistaram Celso, sortearam ingressos para shows, enfim, foram profissionais, mas em muitas outras, em várias cidades brasileiras, o esquema era de achaque mesmo. Pediam dinheiro, faziam combos do tipo “tocar Celso mais artistas B e C, sai pela bagatela de tanto”, enfim, rolava um circo de absurdos.

Fui a gravadora e numa reunião contei o que estava acontecendo e expliquei porque Celso Blues Boy não seria um estouro nacional de vendas, disco de ouro e tudo mais. Disse que ele e eu não iríamos sujar as mãos de merda, nos render a corrupção do mercado e tive apoio de todos na companhia.

Por não pagar, por resistir bravamente ao achaque, a faca no pescoço, a chantagem de muitos veículos da grande mídia, Celso Blues Boy não se tornou um megastar. Optamos (ele e eu) viver no acostamento. Melhor lotar um Circo Voador honrado do que uma Apoteose graças a corrupção.

Dez anos depois do lançamento de “Som na Guitarra”, Blues Boy me ligou. Queria fazer um CD do disco e pedia autorização. Expliquei que meu contrato com ele já havia expirado, mas que eu iria tentar contato com a Polygram. Celso sumiu. Encontrei com ele meses depois, falei do CD, ele me disse “é meu sonho, vamos lá na gravadora” e sumia de novo. Eu queria ir com ele a Polygram, detentora da fita master, que com certeza iria liberar.

O sonho de Celso de ver “Som na Guitarra” em CD não aconteceu e eu não sei se a fita master que gravamos está nos arquivos da Universal Music, que comprou a Polygram. Como não sei quem é o responsável legal pela obra de Blues Boy estou com as mãos atadas, não posso fazer nada.

Se o bluesman e eu tivéssemos chafurdado no chiqueiro do jabá é bem provável que Celso Blues Boy se tornaria um astro de primeira grandeza no cenário musical brasileiro, mas em compensação ele e eu não dormiríamos em paz nunca mais. Acreditamos, os dois, na qualidade musical como uma forma de alcançar o grande público. Acreditamos na ética, no jogo limpo, na ousadia e não na corrupção como caminho mais curto para o sucesso.

Som na guitarra! Sempre!


                                                                   

A fantasia de Zorro

    Não sei quem é esse Oswaldo                                                                              
                                                                               
                      Celeste: réplica perfeita                                                                                 


Já contei essa história algumas vezes, além de ter publicado em algum jornal no passado, mas perto do carnaval encontrei um amigo que lembrou: “e, aí? Já tirou a fantasia de Zorro da gaveta?”. Deu uma risada, chamou um táxi e quase foi atropelado por uma moto.

No carnaval, um dos textos que escrevi que mais vem à tona é o da fantasia de Zorro (que não é esse, mas um outro que perdi quando o HD do meu computador pegou fogo tempos atrás) e um outro, uma espécie de anúncio classificado gigante onde eu procurava pelo meu time de futebol, o Bangu, que para variar havia sumido de todos os campeonatos. Aliás, não canso de responder a uma pergunta curiosa que muita gente me faz, do tipo “por que você torce pelo Bangu?”. Como se fosse um defeito, uma deformação digna de explicação, tese de mestrado e tudo mais. Sou banguense porque...sou banguense.

Dizem que nasci numa sexta de Carnaval. De um modo geral, olhando por cima, não sou um folião, mas quando decido partir pra festa de Momo me transformo, viro outra pessoa. Na adolescência, fantasiado de Clovis 24 horas por dia (muitas vezes dormi com aquela enigmática e prática fantasia), rodava quilômetros e mais quilômetros a pé pelas ruas com uma bisnaga d´agua (cheguei a apanhar algumas vezes) na mão, “assombrando” todo mundo.

Um dia, fui fazer uma reportagem barra pesada (política) nas imediações da Casa Turuna (de fantasias), que desde 1915 fica ali na Senhor dos Passos, Centro do Rio. A reportagem estava fazendo água e, para piorar, além de um calor infernal, alguém deu uma paulada num cachorro viralatas que, sem mais nem porque, mordeu a minha perna.

Em pânico, me atirei no carro de reportagem e pedi ao motorista Pipoca que fosse direto para o Instituto Vital Brazil (Brazil com Z), em Niterói, onde fui extremamente bem atendido. Tomei injeções, tive que voltar lá várias vezes para resolver o estrago que o cachorro fez. Só que entre a mordida do mamífero e o Vital Brazil, consegui comprar.

Comprei aquela quase abstração que rebolava para mim na vitrine da Turuna, sussurrando “me chama, me chama, me chama”, ou melhor, “me leva, me leva, me leva”. Entrei e comprei a fantasia de Zorro. Completa. Foram 12 prestações com muitos juros porque vivíamos na hiperinflação.

Faltavam dois dias para o Carnaval e eu tinha decidido mergulhar na folia. Sozinho. Tomei a decisão na barca Rio-Niterói, enquanto assediava (e era correspondido) por uma morena que subiu a escada da barca fantasiada de Nada, e passou a condição de protagonista em uma avenida qualquer de meu imaginário levemente torpe, mais para Carlos Zéfiro do que para Maurício de Souza.

A barca levava 25 minutos para fazer a travessia Rio-Niterói, mas os odores da folia estavam a meu favor. A morena aceitou meu convite para irmos até a varandinha que fica na popa da barca. Lá, vivemos tórridos 17 minutos de descabelação generalizada, com direito a clímax e o uso nacionalista da bandeira do Brasil que tremula na embarcação como toalha íntima. Nos tornamos amantes, Celeste e eu.

Celeste, doravante Cel, morava numa não bucólica localidade chamada Caixa D´água, final da Alameda São Boaventura, no Fonseca, onde eu passava as tardes de domingo comendo churrasco e Cel, Cel e churrasco, até meia noite em ponto. A família dela era super-liberal e me deixou, inclusive, ser fiador de um aparelho de ar condicionado de 10 mil BTU que Cel comprou para o seu (nosso?) quarto, adquirido em 12 prestações com juros estuprantes que ela arrancava de seu faturamento. Era podóloga na rua do Cacete. Volta e meia me pergunto “por onde anda a Cel?”.

Meus planos para aquele carnaval eram ambiciosos. Um camarada meu, que por sinal não vejo há bastante tempo, que tinha um sítio na localidade de Mata Paca, em Pendotiba (Niterói) ia me emprestar um cavalo. Pangaré castrado, é claro, porque tenho pavor de cavalos. São motocicletas que pensam, decidem, mordem, uns são mau-caracteres, enfim, acho cavalo mais perigoso do que homem-bomba do Estado Islâmico, com doutorado na Al Qaeda.

No projeto original, eu iria me fantasiar de Zorro na casa desse meu amigo, pegar o cavalo e adentrar o Largo da Batalha (ganhou esse nome por causa de uma grande batalha de confetes) como herói momesco. Não deu certo. Fui ver o cavalo e senti pena. Parecia um fox paulistinha, cabisbaixo, em visível crise existencial, depressão, angústia.

Se eu montasse aquele cavalo meus pés arrastariam pelo chão. Meu amigo até comentou “pois é, coitado, está pela bola sete”. Sem cavalo, abortei a tal chegada triunfal ao Largo da Batalha porque seria ridículo aparecer um Zorro à pé ou, pior ainda, de ônibus ou táxi já que dirigir fantasiado dá multa e reboque. Soube anos antes quando, fantasiado de Fantasma, fui multado e rebocaram meu carro no Leme, em frente a Fiorentina. Quase fui em cana por me recusar a tirar a máscara por causa de colegas do Jornal do Brasil que enchiam a cara no restaurante e eu não queria que ninguém me visse naquele estado.

Desisti do Largo da Batalha. Ah, sim, outro agravante: a fantasia de Zorro não tinha espada. Sorte que um outro conhecido meu, lanterneiro de primeira (e leitor desta Coluna), estava fazendo não sei o que em sua oficina no Cubango. Fui lá e, rapidamente, ele fez uma “espada” para mim, de alumínio, inofensiva, enfim, uma alegoria.

Você deve estar pensando “mas o cara não desistiu do cavalo?”. Sim, mas não do Zorro. Decidi ir a um baile de Carnaval num grande e popular clube perto do Centro de Niterói, evidentemente fantasiado de Zorro. E no grande dia, o ritual de sempre: 1 – descolar uma folga no jornal; 2 – ficar em casa bebendo água, comendo melancia e, se desse, dar uma dormida; 3 – Sigilo total. Sou folião solitário, daqueles que não comentam com ninguém. E assim foi.

Por volta de nove e meia 10 horas da noite, desci para a garagem. Decidi arriscar e ir para o clube dirigindo, sem máscara. Na garagem, vesti a fantasia, usando botas de motociclista (ao longo de muitos anos fui motociclista, mas quando perdi o medo de moto decidi parar) pretas. Numa boa, modéstia no lixo, a fantasia ficou demais. Zarpei.

Consegui estacionar a uns 200 metros do clube. Felizmente, 90% das pessoas estavam fantasiadas, mas, por alguma razão, a minha chamava mais atenção. Fila para comprar ingresso. Estava atrás de um sujeito mal fantasiado de vagina e sua companheira de E. T. Comprei o ingresso (todo mundo olhando) mas quando cheguei na roleta os seguranças me pararam. “Com essa espada não entra”.

Argumentei que a espada era inofensiva, até tirei da bainha, exibi (populares em volta, situação constrangedora), mostrei a carteira de identidade. O segurança mandou que eu tirasse a máscara, mas aí encrespei: “máscara eu não tiro, não. Estou aqui sob o manto do anonimato”. Ele radicalizou na base do “de máscara não entra” e eu também “pois daqui não saio.”

Felizmente chamaram um diretor do clube que eu conhecia bem. Fui no ouvido dele e cochichei “sou o Luiz Antonio...” e tal. Entrei! Com capa, espada e máscara. Mas (gozado que na vida, em muitas situações, há sempre um mas, um porém, contudo ou todavia), completamente tomado pelos vapores da folia (nem beber bebo) não reparei que a espada estava “chicoteando” muita gente no salão. Fascinado por uma foliã fantasiada de Sininho, tomado pela energia do Carnaval, não reparei que estava deixando um rastro de indignação pelo caminho. A espada rasgou até a meia arrastão de um travesti. Foi quando...fez-se noite.

Levei uma porrada, mas uma porrada no queixo que jamais, em tempo algum, experimentei e, isolo na madeira, não irei experimentar. Acordei na enfermaria do clube, com o diretor que me botou pra dentro preocupado, se explicando. Eu disse “tudo bem, eu só queria saber por que apanhei”. Foi quando soube do estrago que minha espada tinha feito no salão. O soco me foi dado pelo namorado do travesti, um terreno de quase dois metros de altura por um e meio de largura.

Da fantasia de Zorro só restou a calça, que era uma Levi´s preta. Deixei o clube com uma camiseta que me foi arranjada, acho que da Brahma ou Skol. Se eu estava triste? Claro que não. Meu sonho eu já tinha realizado. A imagem que me vem daquele baile é só de alegria. Pulei muito, mas muito antes de ser nocauteado. Deve ter sido o destino, não sei.

Fato é que, sob garoa fina a caminho do carro, me sentindo leve apesar da dor no queixo ouvi um “ei, ei, meu chapa!”. Era o sujeito que me agrediu. Ele disse “fui eu quem te apaguei”. Respondi, “prazer”, e segui andando. Não queria arranjar confusão porque tinha plantão no dia seguinte. O cara insistiu, eu mandei ele tomar caju ou rima similar, mas para minha surpresa o gigante pela própria Natureza caiu em prantos. Sentou no meio fio e, pelo que entendi, balbuciava “eu quero te pedir desculpas, meu rei,...minha mulher me largou no meio do salão...”.

Não vou mentir. Dei atenção não por solidariedade, mas por mera curiosidade. Ele seguiu falando “eu sabia que ela é ele...eu sabia...mas não imaginava que fosse uma piranha”. Falei o de sempre “releva rapaz, mulher ou quase mulher não gosta de briga, para com isso.” Foi quando, enxugando os olhos, ele vociferou olhando para um poste: “aquele Vagina vai me pagar”. Pois é, o Zorro perdeu a máscara, o terreno a quase mulher/quase homem.com.br e Vagina chutou a E.T. Coisas de que? De Carnaval. Peguei o carro e saí, feliz, realizado, como um autêntico folião, ouvindo The Who aos berros.

No dia seguinte, Cel me esperava, no alto da Caixa D´água.

Os blocos de carnaval deveriam ir para o Aterro do Flamengo



Não é novidade que os blocos de carnaval do Rio viraram um rico balcão de negócios. Nada contra. Nada. O problema é que 90% dos seguidores são de fora do Rio ou dos bairros (em geral da Zona Sul) onde os blocos saem. Atraídas pela mídia, centenas de milhares de pessoas caem de boca nos blocos com a intenção de ver artistas e aparecer na TV. Como não tem qualquer vínculo afetivo (econômico, social, político) com os bairros, fazem cocô, xixi, vomitam, atiram latas de cerveja, saem na porrada em frente a prédios dos moradores que pagam uma nota de IPTU, enfim, a maior zona.

Ano passado foram mais de cinco milhões de pessoas, entre elas os impunes black blocs do samba responsáveis por estupros, depredações do patrimônio público, furtos, roubos, porradaria. Leio que este ano, os fluminenses (através do governo) vai pagar horas extras de 15 mil policiais que vão tentar atenuar a desordem.

Se o prefeito do Rio teve coragem para implodir a Perimetral, com certeza não vai amarelar diante dessa sugestão (vou enviar o link deste blog para ele): por que o desfile dos blocos não é transferido para o Aterro do Flamengo, região farta em espaço para que os novos foliões, E.T.s lá da casa do cacete, que bebem até cair, batem, matam, morrem, façam o que gostam de fazer (merda) sem importunar os outros cidadãos?

Dá pena de ver o Leblon, Ipanema, Copacabana, Santa Teresa, Lapa e arredores durante o carnaval. Como carioca que sou (nasci no Rio, mas com uma semana de idade fui para Niterói) fico indignado ao ver a molambada destruindo tudo o que vê pela frente.

A população crônica e inexplicavelmente acuada e acovardada se tranca em casa. Momo, o rei, virou um ditador com direito a decretação de estado de sítio. Ele manda e as pessoas de bem, com crianças e o escambau, são obrigadas a se exilar em casa para não levar porrada na rua.

No Aterro do Flamengo, nada disso aconteceria. Os primatas momescos se exterminariam entre si. Imaginem deixar aquela vasta área do MAM ao Rio Sul nas mãos (pés, e barras de ferro) dos foliões contemporâneos e seu vício incontrolável de destruição. No máximo, meia dúzia de coqueiros seriam arrancados, alguns nacos de grama, banheiros químicos virados, mas tudo numa área restrita. Uma espécie de “blocódromo”.

Desses cinco milhões e varada de “foliões” com certeza mais de 80 por cento não tem qualquer vínculo afetivo com o Rio. Vem de outras cidades, da periferia e o negócio deles é beber, bater, apanhar e agarrar mulher à força. É esse o conceito de carnaval que eles aprenderam lá no sul do mundo onde foram paridos.

São símios contemporâneos sem possibilidade alguma de adquirir educação, sociabilidade e outros conceitos que o Rio de Janeiro está assistindo, impassível e covarde, descerem ralo abaixo. Lamentável. A cidade maravilhosa, que já teve o melhor carnaval de rua do planeta nos anos 20,30,40,50,60, hoje mostra uma barbárie. Gente estapeando gente e tudo o mais que eu testemunhei ano passado quando cometi o desatino de ir até a Zona Sul (ou sul da zona).

Então, prefeito, que tal entubar esses “carnavalescos” no Aterro? É uma boa ideia. Na verdade é ideia de um leitor que me mandou um e-mail tempos atrás sugerindo essa maravilha. Dessa forma, o senhor atende aos foliões do caos e blinda a população de seus gestos boçais, praticados em nome da selvageria e da babaquice ampla, geral, irrestrita. Sabe por que, prefeito? Se nós e o senhor não defendermos o Rio, essa nuvem de gafanhotos arrasa com a cidade em questão de horas.


Keith Moon: “Eu sou um porco capitalista”. Uma ótima entrevista de multidecibéis com o selvagem do The Who

                                                                            
     Moon invade o palco de seus amigos do Led Zeppelin
    Com John Bonham (baterista do Zeppelin) um de seus melhores amigos
                                                                             
                      No quintal de uma de suas mansões
                                     Com The Who, turnê de Quadrophenia, 1974
                            Com Pete Townshend
                                                                           
                   Com o amigo Ringo Starr
                         Com o afilhado Zak Starkey, filho de Ringo, mais tarde baterista do Who. Nesse
                         dia, Moon deu de presente a Zak uma bateria Premier
                                                                           
                                                                            
                             Em família                                                                       
                                                                               
    Colapso durante um show nos Estados Unidos, 1974. Moon tomou tranquilizante de rinoceronte
    Com Linda e Paul                                                                              
    Susposta última foto, segundo o biógrafo Dave Marsh. Depois de jantar com Linda e Paul, Moon
    foi para casa e morreu          
  

Por Jerry Hopkins (em 1971)
Tradução de Vinícius Mattoso do site www.thewho.com.br


Um sujeito amável, sincero, explosivo, doido e considerado o maior baterista da história do rock. Não é verdade que Keith Moon não gostasse de dar entrevistas. Ele não tinha paciência para ficar sentado muito tempo, ouvindo perguntas e tendo que formular respostas.

Mas com o jornalista inglês Jerry Hopkins, amigo dele, foi diferente. O papo fluiu e, acho, dá para saber um pouco sobre esse homem imprevisível, agitado e extremamente querido pelos fãs de sua amada banda, The Who. Keith Moon viveu apenas 31 anos. Sua morte, em 7 de setembro de 1978, chocou a música, o rock, o blues, o mundo que ficou mais coxinha, mais correto, mais babaca e muito menos ousado. Valeu, Vinícius Mattoso! (LAM).

É provavelmente conveniente que KeithMoon toque o instrumento mais agressivo, a bateria, num dos grupos mais explosivos, o Who, pois Moon parece visivelmente mais ultrajante e violento do que a maioria de seus contemporâneos.

Ele deixou em seu rastro por um período de 14 anos, mais de um terço de sua vida, uma trilha de garrafas vazias de Courvoisier, kits de bateria detonados, automóveis arruinados e quartos de hotel destruídos, pontuando cada incidente com um uivo de completo prazer e alegria.

Existem incontáveis "Histórias de Keith Moon" circulando por aí, e Keith relembra várias delas nesta entrevista. Infelizmente, muito se perde ao transpormos Moon para o papel. Seus gestos enérgicos em torno da sala, suas várias imitações vocais e sotaques, a agitação, o rosto faltando um dente, a cantoria e as danças, os contagiantes ataques de riso, tudo tem de ser experimentado.

Assim como sua moderna casa de 150 mil dólares situada no terreno de um antigo mosteiro a uma hora de Londres, em seu verde e valorizado cinturão suburbano. As paredes do bar foram pintadas com um tema de heróis e vilões da Marvel Comics e o teto suspenso como a tenda de um sultão. A sala é um grandioso e ricamente estofado "poço de bate-papo", com uma televisão em cores e uma lareira impecavelmente limpa que nunca foi usada.

Quase não há móveis na casa. Mas encontramos um albatroz empalhado, um tapete de urso polar, diversos rifles, um velho jukebox e um sistema de som capaz de mandar música em multidecibéis para distâncias que vão muito além de sua propriedade de sete acres (28.327 metros quadrados). De fora, a casa se parece uma coleção de pirâmides alinhadas, pintadas num branco reluzente.

De um lado fica uma árvore tão larga que teve de ser baixada por dois helicópteros. Do outro, operários escavam atualmente uma piscina que será azulejada com mármore e oferecerá ao mergulhador ocasional as últimas melodias de sucesso. Quando eu cheguei a governanta da casa, sogra de Moon, estava na Espanha a passeio. Seu cabeludo mecânico e motorista, Dougal, estava trabalhando no motor de um Chrysler 1936, estacionado entre o Jaguar XKE e a Ferrari Dino.

Sua esposa, Kim, e sua filha, Mandy, de 6 anos de idade, não estavam em casa. E o lorde do feudo estava caminhando com um rifle, atirando a esmo nos galhos altos de um castanheiro.


Como você entrou no The Who?

Primeiro eles se chamavam The Detours, depois Who, depois High Numbers, depois Who novamente. Eu entrei na segunda fase, quando eles estavam mudando de Detours para Who. Eu estava em outro grupo ao mesmo tempo, chamado Beachcombers.

Esse nome significa que eles tocavam surf music?
 
Passou a significar quando eu entrei.

Você já surfou?
 
Uma vez, e quase me matei. Estávamos no Havaí e eu disse, preciso surfar. Jesus, eu passei anos comprando discos de surf music, sabe, eu tinha que tentar. Então eu aluguei uma prancha e entrei na água com todos aqueles caras. Remei até um ponto bom e de repente apareceu aquela onda enorme. Eu perguntei a um dos caras, "O que que eu faço?" E ele respondeu [Moon começa a falar com um sotaque de americano], "Bem, certo, velho, tudo que você tem que fazer quando ver a onda chegando, ela acerta, cara, ela acerta, e você vai querer viajar relativamente na mesma velocidade, então você rema." 

Perfeitamente lógico. Eu disse, ótimo. Então aquele muro sólido de água apareceu. De repente aquela maldita coisa me acerta bem no traseiro, e eu passei a nadar de duas milhas por hora para duas centenas! Lá estava eu me segurando nas beiradas da porra da prancha, veja bem, e eu ouço: "Fica em pé, cara!" Ficar em pé?

Então eu me levantei e olhei pra cima e tinha água pra tudo que é lado em volta de mim, eu estava num grande funil, uma espécie de tubo gigante de água. Daí eu vi o recife de corais se aproximando. Eu fiquei de pé por apenas alguns segundos, mas pareceu como uma vida inteira aquela porra. Eu caí, a onda bateu no recife, a prancha virou ao contrário e foi jogada no ar pela água. Eu submergi, balancei minha cabeça e relaxei. Quando eu olho pra cima vejo a maldita prancha vindo direto pra minha cabeça. Eu mergulhei e ela ssssshhwwwoooom! Eu tenho uma falha no cabelo até hoje onde aquilo acertou meu crânio. Jan e Dean nunca contaram que seria assim. Certamente que não!

Quando vocês assinaram com eles, a imagem Mod foi. . .
 
. . . forçada em nós. Era muito desonesta. A coisa mod foi idéia do Kit (Lambert, empresário e produtor do Who). Fomos todos mandados para um cabeleireiro, Robert James, um rapaz absolutamente simpático. Depois fomos mandados para Carnaby Street com mais dinheiro no bolso do que havíamos visto em nossas vidas, tipo umas cem libras. Essa era a Londres do agito. A maioria de nosso público era mod, chapado de bolinha como nós. Não estávamos nessa de roupas; nosso negócio era música. Kit achou que deveríamos nos identificar mais com nosso público. Casacos ajustados cinco polegadas nas laterais. Quatro não era o bastante. Seis era demais. Cinco era perfeito. As calças ficavam três polegadas abaixo da cintura. Era nosso uniforme.

Seu lema na época era "maximum R&B". O que isso queria dizer?
 
Tocávamos bastante Bo Diddley, Chuck Berry, Elmore James, B.B. King, e eles eram R&B ao máximo. Não havia definição melhor. A maioria das canções que tocávamos eram deles. Pete (Townshend) só entrou em sua veia de compositor depois de "I Can't Explain". Obviamente qualquer canção que tocávamos ficava diferente, não tentávamos copiar direto do disco. A gente a "Whozava", então o resultado era obra do Who, não uma cópia.

Como "Summertime Blues".
 
Exatamente. Esta é uma música que foi "Whozada".

Como surgiu o efeito de gagueira em "My Generation"?
 
Pete escreveu a letra e a entregou para Roger no estúdio. Ele não havia lido antes, não estava familiarizado com os versos, então quando ele leu aquilo pela primeira vez, gaguejou. Kit estava nos produzindo na época, e quando Roger gaguejou, Kit disse, "Vamos manter assim; mantenha o gaguejar". Quando percebemos o que havia acontecido, isso nos embasbacou por completo. E aconteceu simplesmente porque Roger não conseguia ler os versos.

Você não pode ter destruído tantos quartos de hotel quanto dizem.
 
Quer apostar?

Houve uma época em que. . .
 
Muitas. É. Eu fico entediado, veja você. Teve uma vez em Saskatoon, no Canadá. Era outro 'Oliday Inn, e eu estava entediado. Agora, quando eu fico assim, eu me revolto. Eu digo, "que se dane, que se dane tido isso!”. E saco minha machadinha e deixo o quarto em pedaços. A televisão. As cadeiras. A penteadeira. As portas. A cama. E tudo o mais. Acontece o tempo todo.

Eu sempre ouvi dizer que quem deu início à destruição no palco foi Pete, mas você faz parecer que foi idéia sua. Foi?

Reza a lenda que Pete bateu o braço da guitarra no teto quando ele pulou muito alto, mas não foi isso. Acontecia quando alguém ficava puto com o show, com a maneira como as coisas estavam indo. Quando Pete destruía sua guitarra era porque ele estava puto. Quando eu destruía minha bateria, era porque eu estava puto. Ficávamos frustrados. Você está lá se esforçando o máximo possível pra continuar com a porra da música, pra pegar a platéia pelas bolas, pra transformar aquilo num acontecimento. Quando você faz tudo aquilo, quando você se mata e dá ao público tudo que é possível, e eles não dão nada de volta, é aí que a porra do instrumento vai embora, porque: "Seus desgraçados de merda! Estamos aqui nos matando! E vocês não dão nada de volta!".
 
Essa é uma razão de os instrumentos serem destruídos. Outra é quando um membro do grupo está chapado demais pra dar seu melhor. Nessas horas ele está deixando os outros três na mão. Em muitos casos sou eu, por beber demais. Sabe como é, exagerando na hora errada. Então Pete ou Roger ou John diz, "seu babaca! Você deixou a gente na mão, porra! Miserável, se quer chapar, por que não espera até depois do show!?".


Mas todas as vezes que você destruía seu kit de bateria, ou Pete arrebentava sua guitarra, era movido pela raiva?
 
Nem sempre. Era algo esperado -- como uma canção, um hit número um. Uma vez que você tenha feito aquilo, se compromete com aquilo. Você tem que tocar. Porque há certas pessoas na platéia que comparecem só para ouvir aquela música em particular. Cada parte da apresentação funciona para uma parcela do público, e a apresentação como um todo tem que funcionar para a platéia inteira.

Isso não saía caro demais?
 
Caro pra cacete. Estávamos destruindo provavelmente dez vezes, senão mais, do que ganhávamos. Temos feito sucesso há dez anos, mas só lucramos nos últimos três. Levamos cinco anos para pagar três anos, nosso período mais destrutivo. Tivemos que pagar por tudo aquilo depois. Músicos são célebres por não pagarem suas dívidas. E não éramos exceção. Adiamos aquilo tanto quanto possível. Mas quando as sentenças começaram a chegar, as intimações, as ações, os confiscos de equipamento, então tivemos que pagar. E pagamos por cinco anos.
 
E então abandonaram a rotina de destruição?
 
Abandonamos como uma rotina teatral. Ainda destruímos nosso equipamento ocasionalmente, mas não de propósito. Cometemos um dos pecados capitais: acabamos deixando a atuação tomar o lugar da música. Não se pode deixar isso acontecer. A música deve vir primeiro. Então nós olhamos pra trás e dissemos, "bom, essa porra tem que parar, não podemos ter isso em todos os shows . . .". Porque estava ficando repetitivo demais. A espontaneidade se fora.

Essa é a imagem que você tem de si mesmo?
 
Suponho que para a maioria das pessoas eu sou provavelmente visto como um idiota amigável . . . um brincalhão genial. Acho que eu devo ser uma vítima das circunstâncias, na verdade. Na maioria das vezes é culpa minha. Eu sou uma vítima de minhas próprias piadas colocadas em prática. Suponho que isso reflita uma atitude um pouco egoísta: eu gosto de ser o protagonista de meus próprios feitos. De nove entre dez vezes, eu acabo sendo. Eu preparo armadilhas e caio nelas. Obviamente, o maior perigo é se tornar uma paródia.

Sua esposa, Kim, deve ser extraordinariamente simpática e paciente.
 
Ela é. Ela meio que leva isso numa boa.
 
 Como você a conheceu?
 
Eu a conheci em Bournemouth quando estava fazendo um show. Ela tinha dezesseis e freqüentava o club onde tocávamos, o Disc. Um tempo depois quando eu desci para vê-la, eu estava no trem e Rod Stewart subiu a bordo. Isso foi há uns dez anos. Começamos a conversar e fomos para o vagão-bar. 

Ele era Rod "The Mod" Stewart naquela época gloriosa, e estava trabalhando com Long John Baldry. Ele estava tocando em muitas discotecas pequenas e pubs, fazendo o mesmo tipo de trabalho que nós. Eu perguntei a Rod, "pra onde você está indo?". Ele respondeu, "Bornemouth". "Eu também", falei. "Estou indo visitar minha garota". Ele retrucou, "Eu também". Então eu mostrei a Rod uma foto da Kim e ele disse, "É ... é essa mesmo". 

Você tem algum baterista "favorito"?
 
Não muitos. D.J. Fontana é um deles. Vamos ver . . . os bateristas que eu respeito são Eric Delaney e Bob Henrit e . . . eu tenho uma lista enorme, na verdade, e cada um nela é por razões diferentes. Tecnicamente, Joe Morello é perfeito. Na verdade eu não tenho um baterista favorito. Eu tenho trechos de bateria favoritos, é isso. Eu nunca pegaria um LP de um baterista e diria que adoro tudo que ele faz, porque não seria verdade.

Como você começou a tocar bateria?
Jesus Cristo, acho que eu ganhei uma de brinde no pacote de cereal. Mas não. . . solos de bateria são chatos pra cacete. Qualquer tipo de solo é. Isso tira a identidade do grupo.

Quanto das canções são um esforço grupal? O que você muda nas demos na hora de gravar?
 
Não muito. Porque Pete sabe. Quando Pete faz algo, aquilo soa como o Who. As partes da bateria são minhas partes, mesmo se for Pete tocando bateria. Ele toca no mesmo estilo que eu. Ele faz meus floreios. O mesmo para as partes do baixo, e a guitarra, é claro, é dele. Só os vocais mudam um pouco.

Muitas canções são rejeitadas?
Não. Ele obviamente compõe muito mais . . . quer dizer, não são todas as canções que ele escreve que se encaixam no Who. Quando ele tem uma idéia que ele acha ser boa para o grupo, ele traz aquilo e nós tentamos. E ele não costuma estar errado.

Vocês ensaiam muito?
 
Estamos sempre preparados meticulosamente para os shows. Mas ensaiávamos muito mais antes do que agora. Agora alcançamos um ápice na banda . . . bem, alcançamos isso já faz tempo . . . então hoje Pete toca pra gente um número, ou ouvimos um número, e podemos tirá-lo quase sempre, senão da primeira vez, na segunda ou na terceira, e na quarta ou quinta aquilo começa a tomar forma. Nos velhos tempos ainda estávamos construindo o grupo, ainda desenvolvendo nosso relacionamento.

O Who nunca foi realmente uma "banda de singles". Isso era intencional?
 
Pete compôs "I Can't Explain" como um single. Ele compôs "My Generation" como um single. Mas nunca foi a dele na verdade compor singles. Ele não gosta de sentar e compor um single. Ele gosta de compor um projeto . . . e um LP é visto como um projeto, um projeto grupal. Um single é algo que você vai e tira de um LP. Nós não paramos pra gravar singles. O mercado de singles não é bem o nosso. Se uma das faixas de um LP soar como um single, então ela é lançada como tal. Tivemos um período de singles depois de "My Generation" -- "I'm a Boy", "Substitute", "Happy Jack". Mas então decidimos gravar LPs. E uma vez que se começa a gravar LPs, é muito difícil voltar à produção de singles.

Dois anos depois, como você vê Tommy?
 
Com incredulidade. AH-HAHAHA. Eu não acredito que passamos seis meses gravando aquilo. Levou seis meses para ser feito. Isso é tempo de estúdio, é tempo falando sobre aquilo, discutindo aquilo, arranjando aquilo, produzindo e escrevendo aquilo. Reunindo tudo aquilo. Gravando e depois achando que sairia ainda melhor se gravássemos tudo de novo. Seis meses ininterruptos no estúdio.

Quem inventou o termo "ópera-rock"?
 
Pete. Na verdade a gente não sabia como chamar aquilo. E as pessoas ficavam perguntando o que estávamos fazendo.

Chegou uma hora em que vocês se cansaram de Tommy?
 
Ah, sim. Pouco depois de acabarmos de gravar. É, começou a ficar meio chato. A todo lugar que íamos fazíamos nosso showzinho, e chegou num tal ponto que estávamos tocando aquilo dormindo. Perto do final ficamos de saco cheio. Fizemos dezoito shows ininterruptos. Toda a espontaneidade se foi. Então alguém finalmente disse, "tá bom, chega, fora com isso! Quem é o próximo?". E pronto. Assim surgiu o álbum seguinte, “Who´s Next” (1971).

O Who sempre foi uma banda trabalhadora, uma banda itinerante. Você gosta de estar na estrada?
 
[Usando uma voz suave, como se estivesse recitando uma elegia]. Eu amo. É minha vida. Se eu fosse obrigado a parar de excursionar . . . eu amo a responsabilidade de . . . ser responsável pela diversão de uma casa lotada. E saber que nós quatro podemos subir ao palco e proporcionar divertimento para aquelas centenas de pessoas, isso é algo do caralho, cara, isso me deixa ligado. 
Se eu estou indo bem e o grupo está indo bem, você consegue 14 mil. . . 140 mil pessoas a seus pés. É isso aí. É onde a coisa acontece. Isso é o mais importante pra mim.

Você pode me dizer quanto você ganha?
 
Eu não sei. Não agora. Um tempo atrás meu contador me disse que eu estava cheio da grana. Eu perguntei, "Quanto?". Ele respondeu, "Bom, você está bem resolvido". Eu insisti, "Quanto? Quer dizer, eu sou um milionário?". "Bem, tecnicamente sim". Então eu disse, "o que eu devo fazer quanto a isso?". E ele respondeu, "bem, obviamente, se você tem esse tanto de dinheiro e esse tanto de impostos, a coisa mais lógica é gastar o dinheiro, para que depois você seja restituído nos impostos". "Entendo . . . eu devo gastar o dinheiro?". "Bem, sim, você deve". Então seis semanas depois eu tinha gastado tudo. Comprei quatro casas, um hotel, oito carros, uma piscina, campos de tênis, relógios caros -- que desmontam sozinhos, um bangalô à beira do rio a cinco minutos daqui, decorado com móveis da França renascentista. Gastei tudo. Já era!
 
Eu sou acusado de ser um bastardo capitalista, porque, sabe como é: "Quantos carros você tem?". "Oito". "Mansão?". "Sim". Bem, eu amo tudo isso; eu gosto disso. Eu tenho muitos amigos e a gente se reúne, bebe e festeja. Eu preciso de um lugar pra me divertir. E gosto de ver os outros se divertindo. É disso que eu tiro meu barato. Eu sou legal assim. Eu tenho o monte de carros que tenho porque eu os detono a toda hora. Seis estão sempre na garagem; é um fato. 

Estão sempre dizendo que eu sou um porco capitalista. Acho que eu sou mesmo. Mas, ah . . . é, ah . . . isso é bom pra minha técnica de bateria, eu acho.

Você tem mesmo tantos problemas com automóveis?
 
Eu saí da estrada num AC Cobra aos 110. Passei voando por um canal e me arrebentei num morro perto do reservatório. O pessoal da Cobra ficou meio chateado quando eu trouxe de volta a sucata pra garagem deles -- eles só fabricaram 98 deles e são sensíveis quanto a maneira como eles são guiados. 

Eu tentei fazer o Chrysler 1936 pegar no tranco várias vezes, sempre com resultados desastrosos. Uma vez eu tentei fazer ele pegar no tranco com meu Jaguar Type-X, que é muito rebaixado, e ele entrou debaixo do Chrysler. Outra vez eu tentei fazer isso com o Rolls . . . esquecendo que não tinha ninguém no volante do Chrysler. Eu o joguei direto no laguinho de peixes na varanda.

O que aconteceu com os filmes do Who de que ouvimos falar tanto nos últimos anos? O cara que cuida da sua publicidade me disse que vocês anunciaram pelo menos meia dúzia deles e que ele não estava nem aí mais pra esse papo de filme.
 
Eu também queria saber. Eles simplesmente nunca se tornaram filmes do Who. Nunca tivemos um roteiro que todo mundo aprovasse. Eu acho que temos que fazer um filme do Who. Acho que será uma tremenda injustiça se não houver um filme do Who. Temos que fazer um filme. Porque temos muito a dizer.


Você participou de dois filmes sem os outros . . .

É, um foi 200 Motels com Frank Zappa e o outro Countdown com Harry Nilsson, ambos com Ringo. Eu estava no Speakeasy com Pete, e aconteceu de Frank estar na mesa ao lado. Ele ouviu uma parte da nossa conversa, se inclinou e perguntou [sotaque americano], "Vocês aí querem participar de um filme?". 
Respondemos [sotaque britânico], "Pode ser, Frank". E ele disse [de volta ao americano], "Beleza, estejam no Kensington Palace Hotel às sete da manhã de amanhã". Eu fui o único a aparecer. Pete estava compondo, mandou suas desculpas e eu ganhei o papel que Mick Jagger deveria fazer -- o de uma freira. Mick não queria fazer aquilo.

Depois teve uma nota num dos jornais locais dizendo que Ringo estava rodando Countdowncom Peter Frampton e Harry Nilsson e vários outros, então eu liguei pro Ringo e perguntei, "Tem um papel aí pra mim?". Ele disse que sim, e eu apareci. Toquei um pouco de bateria.



                      

Porque o filme 50 Tons de Cinza é execrado pelo público

    De Olhos bem Fechados
    50 Tons de Cinza


A crítica está sentando o bambu e o público chuta o filme “50 Tons de Cinza” nas redes sociais. Adaptado do primeiro volume da trilogia best-seller escrita por E.L. James, o filme estreou por esses dias com a direção de Sam Taylor-Johnson e mostra a sexualidade humana (ela mesma, enigmática, desafiadora, fabulosa) como uma daquelas quitinete chulas descritas por escritores de nona categoria.

Um preconceituoso crítico inglês classificou a obra como “erótica para vovós” (como se vovós fossem assexuadas!) e nas redes sociais o que mais leio são críticas, sarrafadas, bofetadas, chamando de tolice a manobra industrial hollywoodiana que tentou arrastar para a tela taras e perversões nascidas na cama. Só que dentro dos limites morais do mercado, a tal reserva moral hipócrita e levemente canalha que acaba transformando a tal proposta tórrida num balde de éter, típico dos filmecos cartesianos, sem pegada, sem levada, enfim, o popular easy money mesmo.

Não vou criticar detalhadamente o filme nem o livro porque não assisti e não li, mas conheço muito bem o apito desse trem que tanto tem irritado as massas que vão ao cinema para assistir ao prometido espetáculo de sexo circense incendiário, como garante a publicidade Não li este livro, não assisti a este filme, mas conheço a receita do mainstream, vulgo esquemão, que só se importa com o faturamento, salas lotadas. 

Certo, o diretor poderia ter ido mais fundo, ousado mais (dizem que o livro tem alguns momentos interessantes), mas aí ele corria o risco de cair na armadilha dos moralistas de plantão. E quando o moralismo resolve condenar e enforcar/fuzilar “filmes malditos”, especialmente agora em tempos politicamente corretos, a bilheteria vai por água abaixo.

A indignada reação popular aponta que o fracasso de “50 Tons de Cinza” está diretamente relacionado aquela lógica antiga que dita as normas das tensíssimas relações entre a literatura e o cinema. Um livro cria personagens, situações, cenas, atitudes que cada leitor projeta como quiser. Eu tenho uma Capitu que, provavelmente nada tem a ver com a sua Capitu e muito menos com a de seu criador, Machado de Assis, autor do clássico Dom Casmurro. Cada um tem a sua Capitu, o seu Escobar, o seu Bentinho. Quando uma obra é transportada para o cinema, cabe aos roteiristas mostrar e não mostrar, induzir e não induzir, enfim, não podem exibir o que o livro, propositalmente, mantém na penumbra.

O desejo, o erotismo, a libido, são sentimentos/sensações extremamente pessoais e, na maioria dos casos, ocultos. Cada um elabora suas fantasias, canaliza seus desejos por caminhos que, em geral, não são compartilhados publicamente. É um mundo quase blindado que, diz psicanálise, quanto mais reprimido mais pervertido (no mau sentido) pode se tornar. Afinal, se há algo que une os antagônicos Freud, Jung e Lacan é a velha constatação: quem tem problemas sexuais é mais suscetível as neuroses. Se qualquer estudante de psicologia sabe disso, o que dirá diretores de cinema.

Todos nós nascemos com desejos, fantasias, ideações sexuais intransferíveis. Voltando a psicanálise, ela afirma que a “cabeça aberta” não causa danos a sociedade, ao contrário do que prega moralismo extremo, fábrica de pervertidos (do mal), criminosos, pedófilos e outras moléstias. Os nazistas eram pervertidos ao máximo, como, em geral, todos aqueles que clamam aos berros por moral e bons costumes. Essas pessoas temem que seus próprios desejos acabem imperando e, por isso, resolvem condenar previamente o planeta. É mais fácil fuzilar o mundo do que calar o pensamento.

Existem vários filmes eróticos que atingiram seus objetivos. Entre eles um ponto em comum: a coragem. Sem vulgaridade, colocaram em via pública os tabus, os conceitos e preconceitos que norteiam o sexo desde o início dos tempos. Um desses filmes, o japonês “O Império dos Sentidos”, de 1976 (assisti em pré-estreia), dirigido por Nagisa Oshima ultrapassou todas as barreiras até atingir o temido ápice, o confronto do desejo com a morte. O filme é forte, ousado, gerou enorme polêmica na época mas atingiu os seus objetivos. Não foi um campeão de bilheteria, não ganhou Oscar, mas confrontou nossos dilemas.

Em 1999, o filme “De Olhos bem Fechados” de Stanley Kubrick visitou outros escaninhos dos desejos sexuais enrustidos do ser humano. Estrelado por Tom Cruise e Nicole Kidman, o filme é baseado no conto “Traumnovelle”, de Arthur Schnitzler, que li por acaso com uma namorada dos tempos de faculdade. Lemos e nos assustamos muito. Não com o conto, mas quando nos flagramos atraídos pela trama de Schnitzler.
Stanley Kubrick morreu cinco dias depois de entregar o filme pronto a Warner Brothers. Uma trama sombria, muito forte, que mexe com desejos quase proibidos que, diz a ciência, habitam todos nós. Ao transformar as facetas proibidas do desejo em convites tentadores para os personagens e, também, os espectadores, o filme atinge o seu objetivo maior que é o de exercitar nossas contradições eróticas.

Há muitos outros exemplos de como a libido humana pode ser abordada honestamente (sem hipocrisia) pelo cinema. “50 Tons de Cinza” pode ter errado ao tornar óbvias questões/situações com o único objetivo de faturar. Daí estar sendo visto como obra superficial, fútil, ridícula por pessoas que pagaram e entraram no cinema para ver ousadia. Por isso, pode ter caído no deboche, na classificação preconceituosa de “erotismo para vovós” - Anais Nin e Henry Miller mostram que há vovós que deixam adolescentes no chinelo.

O sexo sempre foi, é e vai continuar sendo um grande tabu para a espécie humana. Nesse tabu, reside o seu poder de sedução e prazer. Tentar torná-lo acessível a todos usando linguagem direta (ou chula/burra) é cair no atoleiro. Mitos e tabus não perdoam, matam. No caso, o filme “50 Tons de Cinza”.

“Whiplash em Busca de Perfeição”, um filmaço que precisa ser visto no cinema

                                                                             


Jogue pela janela a ideia (preguiça) de assistir ao filme “Whiplash - em Busca de Perfeição” em sua TV, mesmo que ela tenha 80 polegadas. Este filmaço de Damien Chazelle (30 anos) exige, clama, implora para que seja visto na telona de um ótimo cinema. Fui no novo e espetacular Cine Arte UFF* (maravilha! Lotado em pleno carnaval), em Niterói e não me arrependi: ótima imagem, áudio estupendo. Afinal, o filme é sobre música, músicos, música na vida, vida na música.

Gostei muitíssimo da trama que tem um pé na vida real. O site Adoro Cinema informa que o solitário Andrew (Miles Teller) é um jovem baterista que sonha em ser o melhor de sua geração e marcar seu nome na música americana como fez Buddy Rich, seu maior ídolo.

Após chamar a atenção do reverenciado e impiedoso mestre do jazz Terence Fletcher (JK Simmons), Andrew entra para a orquestra principal do conservatório de Shaffer, a melhor escola de música dos Estados Unidos. Entretanto, a convivência com o abusivo maestro fará Andrew transformar seu sonho em obsessão, fazendo de tudo para atingir o nível máximo como músico, mesmo que isso coloque em risco seus relacionamentos e até a sua saúde física e mental. Em vários momentos suas mãos sangram enquanto ele toca.

É uma história densa, tensa, ótima. É tudo tão dinâmico que “Whiplash” voa, parece um curta metragem. O que está em questão é o método torpe, ditatorial e violento do maestro Terence Fletcher que joga a plateia num dilema. Justificando seu método desumano, Fletcher conta a história do genial saxofonista Charlie Parker (o eterno Bird).

Fletcher conta que, muito jovem, Parker mandou muito mal numa jam session, despertando a ira do baterista Jo Jones que lhe atirou um prato da bateria nas costas. Charlie Parker lutou contra a humilhação (deixou o palco sob vaias e risadas de deboche) e fechou-se em casa para estudar arduamente. Reapareceu um ano depois deixando todos de quatro diante do seu talento.

Fletcher conta a história para justificar quando dá várias bofetadas em Andrew num ensaio para lhe ensinar ritmo, humilhando-o na frente dos colegas de orquestra. Andrew aceita as provações como parte do processo, deixando-se mergulhar no pântano depressivo em que tantos alunos de música definham. Incompatibiliza-se com a família, rompe com a namorada, fecha-se em casa para estudar massacrando-se fisicamente como um atleta chinês a preparar-se para os jogos olímpicos.

A pergunta que todos levam do cinema: existe um limite? Outra: Terence Fletcher tem razão quando diz que “as duas palavras danosas de nosso idioma:´bom trabalho`. Se Jo Jones tivesse dito ´tudo bem, bom trabalho` e não tivesse atirado o prato da bateria em Charlie Parker, este não teria se transformado no número um da América”.
Será?

P.S. – O filme é extremamente sincero, honesto, inclusive quando dá um pitaco sobre a péssima relação do jazz com o rock. Em uma cena, dentro da escola de música, close numa placa. Dizeres: “Quem não tem talento acaba numa banda de rock”.

Curiosidade, segundo Adoro Cinema:

-  Durante as cenas de prática mais intensas, o diretor não gritava "corta!", para que Miles Teller mantivesse o rufar até o esgotamento físico.

- Para a cena dos tapas, J.K. Simmons e Miles Teller filmaram várias tomadas com Simmons apenas imitando o gesto. Para a gravação final, Simmons e Teller decidiram gravá-la com um tapas realmente genuínos.

 - Miles Teller, que toca bateria desde os 15 anos, ficou com bolhas nas mãos devido ao estilo vigoroso não convencional da bateria de jazz. Um pouco de seu sangue ficou nas baquetas e no instrumento.

- Embora Miles Teller toque bateria desde que tinha 15 anos de idade, ele teve aulas de adicional de quatro horas por dia, três dias por semana para preparar-se.

- O diretor e roteirista do longa, Damien Chazelle, não conseguiu o dinheiro necessário para o filme. Por isso, transformou-o em um curta-metragem e apresentou-o para o Festival de Sundance em 2013. O curta acabou vencendo o Prêmio do Júri para Curta-Metragens. Por isso, Chazelle conseguiu financia-lo depois.

- Parte do filme é baseada na experiência do diretor / roteirista Damien Chazelle como integrante de banda no ensino médio. Ele afirmou que foi intimidado por um instrutor de banda.

* Para ver a programação do Centro de Artes UFF clique aqui: http://www.centrodeartes.uff.br/programacao/

Festa de aniversário com um milhão e meio de convidados e os Rolling Stones tocando ao vivo

Luiz Tiribás, eu e Jamari França. Três amigos no backstage dos Rolling Stones, em 18 de fevereiro de 2006. Copacabana, Rio de Janeiro.
                                                                          

  
Happy
(Jagger/ Richards)

Well I never kept a dollar past sunset,
Always burned a hole in my pants
Never made a school mama happy,
Never blew a second chance, oh no

I need a love to keep me happy,
I need a love to keep me happy
Baby, baby keep me happy
Baby, baby keep me happy

Always took candy from strangers,
Didn’t wanna get me no trade
Never want to be like papa,
Working for the boss every night and day

I need a love to keep me happy
I need a love, baby won’t ya keep me happy
Baby, won’t ya keep me happy
Baby, please keep me

I need a love to keep me happy
I need a love to keep me happy
Baby, baby, keep me happy
Baby, baby, keep me happy

Never got a flash out of cocktails,
When I got some flesh off the bone
Never got a lift out of Lear jets,
When I can fly way back home

I need a love to keep me happy,
I need a love to keep me happy
Baby, baby, keep me happy
Baby, baby, keep me happy, baby

Happy, baby won’t you keep me, happy
Baby won’t you keep me, happy
Baby won’t you keep me, happy
Baby won’t you keep me, happy
Baby won’t you keep me, happy

Now keep on dancing, keep me happy
Now baby won’t you scream it, happy
Baby got the feeling I’m, happy
Na na na na now keep me, happy
My, my, my, keep me, happy
Keep on dancing, keep me happy

Dia de aniversário para mim sempre foi uma data essencialmente solitária, mas jamais triste. Jamais. Desde criança agradeço a Deus por habitar este planeta, mas sem aquela euforia que vejo incorporar em outros aniversariantes. O fato de ter nascido em fevereiro, alto verão, mês de férias escolares e carnaval, fez com que as comemorações se restringissem a família já que os colegas de escola estavam sempre de férias, e os amigos, em geral, viajando.

Não só me acostumei com a solitária data como, com o passar do tempo, quando descobri a individuação - benção maior da maturidade - passei a gostar de 18 de fevereiro do jeito que é possível e não da maneira como os outros julgam ideal. 

Jornalista, sem dia e hora para nada, passei muitos aniversários longe da família, mas nem por isso deixei de curtir os telefonemas, os sinceros desejos de saúde e felicidade e muito bolo Plus Vita com vela de botequim nas estradas da vida;comemoração de colegas no meio de coberturas jornalísticas.

Um aniversário que me marcou muito foi o de 2006. Trabalhei como jornalista na equipe que fundou a Rádio Bandnews FM, em 2005. No dia do meu aniversário, um sábado, estava de plantão e desde de manhã cedo fiquei em frente ao Copacabana Palace. Na areia, a noite, aconteceria o maior show de rock da história do Brasil, quando os Rolling Stones tocaram para mais de um milhão de pessoas.

Entrei ao vivo dezenas de vezes, em rede nacional, falando do repertório, expectativa do público, aparições da banda na janela do Copa, enfim, uma geral. Até que, por volta de meio dia, o âncora da rede descobriu que era o meu aniversário, desejou parabéns no ar, eu brinquei que “ia comemorar com uma festinha íntima com mais de um milhão de convidados, ao som dos Stones ao vivo”, gargalhada no ar e tudo bem.

Só que muitos ouvintes da rádio estavam na área e começaram a me procurar. Não tinha como não me encontrar já que estava literalmente embaixo do giga-palco dos Stones na areia, com os amigos Luiz Tiribás (o Lula) e Jamari França. Ouvintes chegavam, falavam comigo, lembravam de outros trabalhos meus (Rádio JB-AM, Rádio Fluminense FM, Jornal do Brasil, Rede Manchete de TV Pasquim, etc) e aquilo começou a me emocionar. Por que? Porque só a sinceridade leva um indivíduo a procurar um desconhecido (no caso eu) para desejar parabéns. 
O que mais?

Além dos desconhecidos, colegas, músicos que passavam por lá, amigos me ligavam o tempo todo, tudo isso associado ao alegre tumulto em Copacabana que só aumentava, a medida em que a noite se aproximava. Bote na receita 39 graus de temperatura e vieram emoções que eu não conhecia, capitaneadas pela gratidão. Lá pelas 7 da noite fui até a beira do mar (já estava difícil transitar pela multidão) e fiz uma oração. Agradeci por tudo e, sobretudo, por todos que falavam comigo quando poderiam ter ficado quietos.

Voltei para o nosso bunker embaixo do palco e as oito horas chequei as baterias dos celulares, subi alguns degraus de uma torre de som e vi que o povão, compacto, já devia estar chegando ao Leme. Nunca tinha visto tanta gente num show. Nunca. Nem eu, nem Luiz Oscar Niemeyer (dono da Planmusic, que trouxe os Stones), nem todos os jornalistas que ali estavam e muito menos os Rolling Stones. As nove e pouco, a banda detonou tudo, abrindo com a magistral “Jumpin’ Jack Flash”. A multidão explodiu.

O show foi rolando e muitas cenas de minha vida desfilaram em minha cabeça. Afinal, além de meu aniversário, os Stones embalaram a minha adolescência e suas namoradas, amigos, alegria, caos, enfim, a cada canção uma lembrança. A todo instante eu conseguia falar ao vivo na rádio pelo celular, via São Paulo (não sei como por causa do volume do som) e voltava aos pensamentos. Mas quando Keith Richards mandou o riff de “Happy”, não aguentei. Fui as lágrimas. Emoção boa, farta, bonita, grata, vida.

Há muitos e muitos anos não derramava uma lágrima. Não sei por que. Mas naquela noite, naquela data, naquela areia, naquele som, o vulcão entrou em erupção. Que bom. Não sabia o que era tão bom chorar de emoção.

Valeu.



O bolinador de Tel Aviv e a bandeirinha de Magé

    Benfica, vista parcial                                                                            
    Metrô de Magé, segundo um mageense que me enviou                                                                       
Para quem não conhece, Magé é a capital fluminense do absurdo. Calor absurdo, buracos absurdos, humor absurdo, falta d´água absurda, mulheres maravilhosamente absurdas. Fica no calcanhar da Serra de Teresópolis e nos anos 1970 um vereador de lá protestou enlouquecidamente nos jornais.

Indignado com uma publicidade de Teresópolis utilizando a imagem do Dedo de Deus, o vereador berrava que a bela montanha não pertencia a Teresópolis e sim a Magé, pura verdade. Um político teresopolitano, notório apreciador de cachaças em geral, estava na pastelaria do China, que na verdade era filipino, fincada na Várzea (centro da cidade) e disparou: “Ah, o Dedo é de Magé? Então bota numa Kombi e leva, vereador!”.

A partir daí, lenda, pura lenda. O povo diz que o vereador mageense apareceu na pastelaria com uma arma na cintura procurando o político para “meter bala nos cornos daquele viado campeiro, porque se é de Teresópolis é viado campeiro sim”. Diante do calibre da arma do político, ninguém questionou.

Rádio Relógio: o veado-campeiro (nome científico: Ozotoceros bezoarticus), também chamado veado-branco, veado-galheiro, suaçutinga e suaçuapara, é um veado campestre. Tais cervídeos medem cerca de 1 metro de comprimento, com pelagem dorsal marrom, contorno da boca, círculo ao redor dos olhos e barriga brancos e galhada com três pontas e cerca de 30 cm de altura e são extremamente agressivos.

Magé, cidade onde, também nos anos 1970, um grande amigo meu, míope, desviou de uma vaca que atravessava a rua, bateu com a roda do carro no meio fio e capotou. Quase desmaiado ao volante, Bidú ouviu o comentário “vamos ter que operar a cabeça dele”. Meu amigo voltou ao ar. Berrou “ninguém mete a porra da mão em mim”. Foi salvo por uma ambulância que, fora da rota (o motorista foi levar a amante em casa), passava por Magé. Recolheu meu amigo e o levou para o Hospital Antonio Pedro, em Niterói, que já foi uma referência nacional em emergência (fechada há anos) e os médicos o salvaram operando, de fato, a sua cabeça.

Tive um tórrido e proibido romance com uma mageense que era recepcionista de um jornal onde eu trabalhava. Ela estava estudando para ser bandeirinha de futebol, mas não direi mais nada porque os meus amigos e colegas já estão sabendo de quem estou falando. Ela deixou o jornal quando o Bolinador de Tel Aviv saiu do elevador, não conteve uma crise de alta libido e se atirou na recepcionista, agarrando seus belos seios balbuciando “podem me demitir, podem me processar...mas eu não aguentava mais”. Foi um escândalo que resultou na demissão de todas as recepcionistas do jornal, substituídas por homens. 99,9% dos jornalistas romperam relações com o Bolinador de Tel Aviv e 0,1% restante era gay.

Uma hora após o ataque (que ocorreu por volta das duas da tarde), ela me ligou pelo interno. “Já soube, paixão?”. Eu disse que sim, que estava preocupado, indignado, injuriado. Ela prosseguiu dizendo que “querem que eu processe aquele senhor, mas eu não vou processar não...dá muito trabalho...mas eu não liguei para isso, não”. Enquanto terminava de editar uma entrevista sobre a usina nuclear de Angra, perguntei “ligou para que?”. Ela me pediu que a levasse a Magé a noite. “Hoje não vai dar para dormir no nosso cafofo, paixão. Vou ter que ir a Magé porque parece que esse ataque do tarado deu até no rádio. Tenho que ver mamãe, papai, sabe como é?”.

Concordei em levá-la a Magé. Liguei para o cafofo, um hotelzinho em Benfica, perto da rua Capitão Abdalla Chama, vulgo rua dos Lustres, onde só tem lojas de luminárias, lâmpadas, lustres em geral e falei com Jonas, gerente, camareiro, garçom e vigia, cancelando a reserva do cafofo aquela noite.

As sete e meia da noite, escondidos no meu carro, peguei-a num ponto de ônibus perto do jornal e rumamos para Magé. Chateada, preocupada, visivelmente tensa, ela rapidamente acendeu um cigarro e jogou a cabeça no meu colo pagando um boquete digno de Oscar+ Grammy+Mega Sena+Bingo clandestino. Embolados como dois caranguejos ouvindo Nação Zumbi, singramos a avenida Brasil como os protagonistas de “Black Emanuelle”, o filme erótico menos hipócrita que já assisti. Quando chegamos na altura da Reduc, atualmente um bordel em Caxias, eu estava totalmente nu. Não é simbolismo. Estava nu mesmo, da cabeça aos pés e mirei o carro na porta do Motel Pisca Pisca que, eu sabia, aceitava cheque pré-datado.

Como dois albatrozes no cio, atravessamos a noite. Só paramos no Corujão, televisãozinha Philco caindo aos pedaços, mostrando o que achei se tratar de um filme de terror. Não me contive e fiz o que gostava de fazer: acendi a luz do teto e brinquei de galeto na brasa, sabe como é? Não sabe? Você pede para ela ficar girando e você contempla aquela obra de arte murmurando para si mesmo “isso é vai ser meu, isso vai ser meu...que coisa...”.

Cinco da manhã. Ela entrava no jornal as nove e eu uma e meia da tarde. Acabou que Magé dançou, mas ela conseguiu convencer a telefonista do motel a ligar para lá dizendo que estava na casa de Fulaninha, que de manhã cedo ia a Casa das Linhas trocar um presente e de lá direto para o jornal. Fiz uma manobra absurda, boçal, inglória mas consegui chegar no posto do Alemão onde tomamos o café da manhã. Saímos e, a poucos metros do posto, puf puf puf, acabou a gasolina. 

Desci, peguei um galão no posto, pus dois litros, paguei um menor abandonado para tirar o filtro de ar e despejar a gasolina, o carro pegou, dei marcha a ré no acostamento, pus mais um quarto de gasolina (estava duro), saí, e as oito e quarenta deixei minha bandeirinha perto do jornal. De lá, fui para um hotel meia estrela perto da rodoviária Novo Rio (que também aceitava pré-datado) e dormi até meio dia e meia.

Quando cheguei ao jornal, uma da tarde em ponto, a notícia. O Bolinador de Tel Aviv fora mantido e todas as recepcionistas demitidas. Luto no prédio. Luto total. Fui falar com ela. Estava de olheiras, tadinha. Pediu para ficar comigo. Claro. Saiu do jornal as três da tarde e foi me esperar em nosso Cafofo em Benfica, onde ficamos internados quatro dias e cinco noites. Era semana santa. Foi quando descobri que estava apaixonado pela bandeirinha de Magé que, pena, casou 15 dias depois.

P.S. – Falarei de Magé outro dia. A saudade me pegou e por isso dediquei essa quase crônica a ela, codinome Nicole.

"Desfiles de escolas de samba sempre foi momento de glória dos piores criminosos do Rio de Janeiro; traficantes de drogas, milicianos, bicheiros, assassinos”

                                                                            
                                                                          


Li muitas mensagens enfurecidas (com razão) sobre o conluio da escola de samba Beija Flor de Nilópolis, que desfilou graças ao jabá de R$10 milhões dado pelo sanguinário e corrupto ditador Teodoro Obiang, há 35 anos matando, torturando e roubando para se manter no poder na da Guiné Equatorial.

O jornalista Cezar Motta abriu um dos debates do Facebook. Ele escreveu:

Até entendo a indignação de amigos com o "patrocínio" de um ditador sanguinário à Beija Flor. Mas vamos pensar bem: o que é o desfile de escolas de samba? Sempre foi o momento de glória dos piores criminosos do Rio de Janeiro, traficantes de drogas, milicianos, bicheiros, assassinos. E ninguém nunca se incomodou! César Maia, como prefeito, e Moreira Franco, como governador, foram à avenida trocar beijinhos e lamber os pés de Castor de Andrade, Aniz Abraão Davi, Luisinho Drumond, Capitão Guimarães e outros criminosos, assassinos, que compunham a versão tropical da máfia. Na Globo, eram todos tratados como deuses durante os desfiles. Aliás, o Rio de Janeiro é controlado por máfias: do tráfico, do bicho, dos milicianos (pra quem não sabe, quadrilhas de matadores de aluguel formadas por PMs e policiais civis), dos ônibus, dos táxis, do Detran, dos serviços públicos, da Previdência Social, de tudo! Todos financiadores do pior quadro de parlamentares do país, que envergonha os cidadãos fluminenses no Congresso Nacional (e os cariocas gostam de criticar Sarney, Jader, Renan etc..). Todos controladores de bancadas na Câmara de Vereadores e na Assembleia Legislativa. Era natural a globalização, que a coisa se internacionalizasse...

Antonio Gondim Neto - Perfeito !!!

Alexandre Vique - E essa escola vai terminar no Lava Jato. O dinheiro foi entregue pelas empreiteiras que tem contratos lá. Xiii

Eliane Kalu - Excelente !

Heloisa Martins de Carvalho - Cezar Motta, não bastam as bandalhas nacionais? Será que justifica internacionais também???

Cezar Motta - É o lado escuro do Rio de Janeiro. A tolerância com o crime, com os bicheiros, com o tráfico, com as máfias, com os maus politicos. Alguém inteligente chegou a me dizer: "Ah, mas o bicheiros não incomodam, ficam lá no mundo deles, brigando por territórios e se matando entre si...". Absurdo.

Carlos Magalhães da Silveira - Cesar Motta, você tem toda razão, mas deve existir forma de punir a diretoria d Beija Flor que negociou a *grana* sem atingir o carnaval.

César Murilo Rocha - Muito bom, Cezinha! Um retrato do que somos.

Cátia Moraes - Cezar, não acho que ninguém "nunca se incomodou". Como carioca e como jornalista, vi (e até fiz) muitas matérias sobre esse compadrio, que, como tanta coisa no Rio, em SP, em Brasília, acabou sendo tolerado.

Beatriz Bomfim- Há muito pedimos uma discussão séria sobre os patrocínios às escolas de samba. Não acho que a maioria das pessoas, no Rio, tenha esse lado escuro. Mas o ditador, com lavagem de dinheiro das empreiteiras, foi demais. Lava-jato na Beija Flor!!!!

Eliane Kalu - Também não acho que se deva trucidar a Beija-Flor. O problema do Rio é muito maior. Precisamos começar e falar desse lado obscuro do Rio SIM. Dessa mistura de tráfico, bicho e política. Aviso: sou carioca e preocupada com as máfias reinando no Estado (sobretudo na cidade). Máfias essas que já estão no Congresso Nacional.

Romildo Guerrante - O dinheiro é do BNDES, que financiou as obras na Guiné com juros favorecidos. Tem de clarear isso aí. Todos os países que ram perdão da dívida com o Brasil comprometeram-se a fazer obras com empreiteiras brasileiras em seguida. É parte dos 435 bilhões que o Tesouro, agora encalacrado, passou ao BNDES para tocar essas coisas. Eike inclusive. Dinheiro do qual não teremos retorno.

César Murilo Rocha - Esse "laissez faire"é nossa marca registrada como cidadãos. Toleramos todos abusos e incompetências, desde que não nos afetem individualmente. E ainda falamos da indolência alheia...

Heloisa Martins de Carvalho - Bem, Beatriz Bomfim e Cezar Motta, não vamos longe... A Prefeitura de Maricá, se não me falha, doou 7 milhões no ano passado para a Grande Rio "prestigiar" a cidade de Maricá. Maricá, do nada, sem expressão política ou social alguma, virou samba enredo...Ver mais

Clemey Ericson Marquez Verdade, muito bem dita!

Cátia Moraes - E cada cidade com suas 'especificidades'. Ainda ontem, conversando com uma jornalista que se mudou para Brasília há anos, ela me falou das relações perigosas, nebulosas, incestuosas, que permeiam a vida no planalto. Pessoal e profissionalmente.

Jacyra Sant'Ana Concordo com o Cezar Motta, esse problema é antigo, e sempre foi criticado, sim, de leve, em alguns jornais. Mas nunca veladamente como agora, com a facilidade e extensão que a rede social permite, ainda bem. Quem sabe pode levar as escolas a repensarem esse conluio vergonhoso?

Wallace Grecco - O que fizeram e fazem com o Brasil é COVARDIA, é MALDADE. E vai piorar.

O quase cafezinho que tomei com um amigo

                                       A cena
                                          A reinvenção da cena                                                                              
    Thomas Newman                                                                                 
     Beleza Americana
Antes do carnaval sai pelas ruas com o olhar meio nublado. Sintoma: ouvia Thomas Newman no som do carro. Desejei chuva fina para compor o cenário, mas o solão estava inclemente naquele para e anda do trânsito. Sentia a música. Acho que também ouvia. Música não. Há quem prefira chamar de “tema” em se tratando de Thomas Newman. Tudo bem. O tema se chama “Plastic Bag Theme”e freqüentou a trilha do filme “Beleza Americana”, o tal que quase me deixou de quatro no cinema. Único filme que me fez mudar, concretamente, alguns aspectos de minha vida.

Se eu fosse um famoso músico de rock e desse uma entrevista para a Globonews (gosto da Globonews), certamente diria que estava num dia “totalmente Beleza Americana” naquele dia. Desejando rupturas, cavalos de pau existenciais, como se eu não estivesse fazendo nada, absolutamente nada, quando, ao contrário, estou numa fase vulcânica que beira a descacetação generalizada.

Foi quando resolvi entrar numa ruela, dobrar em outra ruela, uma rua, uma avenida e fui sair na praia. Ouvindo Thomas Newman, vidros fechados, sentindo cada nota, cada toque, cada carícia que o teclado dele faz. É, talvez a expressão certa seja essa, carícia.

O mar estava meio, como dizer numb. Ah, por favor meu amigo, não vou traduzir porque vai quebrar a métrica dessas empenadas letras. Vá até o dicionário veja o significado de numb e aplique o conceito ao mar. Você vai entender. Logo. Certamente você já deve ter se sentido numb algumas vezes na vida.

Thomas Newman acabou, entrou uma música do Tears For Fears maravilhosa chamada “Listen”. Também abstrata, nublada, também numb. Como será que eu estava no dia em que copiei o CD? Parei o carro perto de umas pedras. Meu celular não parava de tocar. Três pessoas e a mesma pergunta: “onde você está?” Resposta única: “estou a caminho.” Uma quarta queria me convencer a mudar de operadora. Quebra de paradigma.

Vi um jipão Hummer passar lentamente. Preto. Saudade do amigo Aron Cooperman, o maior conhecedor de automóveis do hemisfério sul. Vontade de tomar um cafezinho com ele, contemplar motores de carros japoneses, ou um alemãozão BMW i8 de 357 cavalos, sabe essas coisas? “Taí, eu vou”, decidi. Mas o celular tocou de novo. Gente me esperando para uma reunião frutífera. O cafezinho fica para outro dia. Troquei o CD. Jack White, álbumLazaretto. Que disco. Que discaço! Mas, apesar disso, ainda acho que “Le Noise”, de Neil Young, merece o prêmio de melhor da década por antecipação.

Cheguei na reunião e disseram que estava bem disposto. Ia responder “a música tem esse poder” mas achei piegas. A reunião corria, animada, orgasmos múltiplos de ideias e quando acabou sentei num computador e sem pensar disparei um e-mail. Vai dar merda, mas disparei assim mesmo. Na sequência tomei um cafezinho, água, escrevi um poema que, como sempre, deletei porque não sou e não me sinto poeta.

Na volta para casa, pus de novo o CD de Thomas Newman. Numb. Fazer o que?  
Viva a abstração!
                                    

Funk carioca, fraude sonora que vai virar patrimônio do Rio

                                                                     

O funk carioca é uma fraude que não tem nada a ver com o som forjado nos Estados Unidos na segunda metade da década de 1960, quando músicos negros, misturando soul, jazz e rhythm and blues, criaram uma nova forma de música rítmica e dançante. Músicas funk são comumente baseadas em um único acorde, distinguindo-se das canções do rhythm and blues, centradas nas progressões de acordes. A palavra funk vem do inglês que quer dizer medo, pânico, covardia.

Não serei hipócrita. Com raras exceções, nunca gostei de funk. Mesmo o original norte-americano. Uma questão de gosto, que não se discute. Quando li o livro “Jimi Hendrix por ele mesmo” que reúne escritos do maior guitarrista de todos os tempos - e um dos mais completos (e complexos) artistas negros da história - ele tirou da minha língua o que sempre pensei, e sobretudo senti, sobre a música negra pasteurizada como, por exemplo a tão cultuada da Motown. Jimi Hendrix escreveu em seu livro:

“A Motown não é o som verdadeiro de nenhum artista negro. É tudo tão comercial, tão bem construído, tão bonito que eu não sinto nada. Tudo o que eles fazem, e essa é a minha opinião, é colocar uma batida bem forte, uma batida muito boa. Depois põem umas mil pessoas tocando tamborim, mais mil metais e mil violinos e os vocais são sobrepostos milhões de vezes. Para mim isso soa tão artificial. “Soul sintético”, é assim que eu chamo a Motown”.

Vou a Wikipédia e arranco uma definição para funk carioca. Vamos lá: 

“O funk carioca é um estilo musical oriundo das favelas do estado do Rio de Janeiro, no Brasil. Apesar do nome, é diferente do funk originário dos Estados Unidos. Isso ocorreu a partir dos anos 1970, quando começaram a ser realizados bailes black, soul, shaft e funk no Rio de Janeiro. Com o tempo, os DJs foram buscando outros ritmos de música negra, mas o nome original permaneceu. O funk carioca tem uma influência direta do miami bass e do freestyle. O termo "baile funk"é usado para se referir a festas em que se toca o funk carioca. Apesar do nome, o funk carioca surgiu e é tocado em todo o estado do Rio de Janeiro e não somente na cidade do Rio de Janeiro.

“O funk carioca, basicamente ligado ao público jovem, tornou-se um dos maiores fenômenos de massa do Brasil. Na década de 1980, o antropólogo Hermano Vianna foi o primeiro cientista social a abordá-lo como objeto de estudo, em sua dissertação de mestrado que daria origem ao livro O Mundo Funk Carioca (1988). De 2000 a 2014, o Funk Carioca modificou-se, libertando-se dos traços de sua origem, e passou a ter uma característica própria. Tornou-se popularmente conhecido em todo o Brasil e no exterior. 
Formar derivadas: Proibidão, funk melody. Em São Paulo: funk ostentação.”

No início deste século, a sequela sonora tomou conta do Brasil, mais ou menos na mesma época em que começaram a cuspir na música regional brasileira e inventaram o sertanejo e seus efeitos colaterais. Semeados e cultuados por aquele bípede, ex-presidente que foi chutado do Planalto pelo povo. De vingança, deixou o “sertanejo universitário” como maldição. Maldição que pegou, lamentavelmente.

Quem força a barra tentando declarar o funk, sub-estilo sonoro com pretensão de se tornar musical, patrimônio carioca, está jogando contra. É mais uma manobra para esvaziar o samba autêntico (esse sim, a alma do Rio) e difamar o já decadente universo cultural do Rio de Janeiro. Esse funk que está aí não tem pai, mãe, irmã porque não existe. É um monte de golfadas vocais acompanhada de sub-ritmos sonoros produzidos por computadores com mãe na zona, tudo servido com muito molho marrom. Não restam dúvidas quanto a sua inexistência ou existência oportunista.

Acho que o Dr. Dráuzio Varella poderia fazer uma série sobre as influências desse protozoário cultural e social no comportamento humano do brasileiro. Uma amiga que está em Salvador, Bahia, teve o prazer, o privilégio de vaiar aquela baranga chamada Anitta com dois T, símbolo do novo funk carioca, que tentou plantar sua música na capital baiana durante o carnaval. Até O.B. usado os baianos atiraram na funkeira carioca que, dizem colunistas de má reputação, teria se arrependido de tentar exportar sua fraude para solo baiano. Foi despachada de volta para o Rio no dia seguinte, onde foi recebida com paquete vermelho na Marques de Sapucaí.

O problema é que o tal funk carioca não chegou ao mercado sozinho. Ele arrombou a caixa de gordura de onde saíram o falso hip hop, o charm paraguaio e outros subprodutos de uma cultura que não conheço, nunca tive interesse de conhecer mas por causa deles sou obrigado a andar com dois protetores auriculares no bolso.

Sorte que não estou mal acompanhado nesse ponto de vista. B.B. King, que já entrevistei duas vezes, fez cara feia quando eu perguntei sobre o avanço desse tipo de funk pelo mundo. Outro grande músico que também fingiu que não ouviu a pergunta foi Robert Cray, que também já entrevistei. Ou seja, a ditadura desse funk só impera no Brasil e em outros países que tem no arrego o seu olimpo existencial porque lá fora há muita resistência. Muita.

Quem me conhece, ouve, assiste, lê, sabe que não nutro preconceitos. Essa minha má vontade com esse funk que está por aí é conceito ou pós-conceito se quiserem uma definição mais elegante. Seria leviano afirmar que funk carioca é música de bandido. Os ladrões da República, que enchem cuecas, bolsas e malas e carro com dinheiro público, preferem sertanejo universitário. O bando que assaltou (e ainda assalta) a Petrobrás adora o sertanejo acrílico chamado Luan Santana e seus amigos.

Quanto ao funk, dizer que é cultura carioca é querer chamar pimenta na rabiola dos outros de Sukita.



Viva o Centro de Artes UFF! No país do tudo errado uma bela e honrosa exceção

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Cine Arte UFF: Tereza Machado Mazelli e Paulo Máttar
    Cine Arte UFF. Tudo novo
    Nelson Pereira dos Santos (primeiro a esquerda), criador da faculdade de Comunicação da UFF
                            Quatro filmes por dia até o próximo dia 25


Ótima a reportagem deste sábado sobre o sucesso do novo Centro de Artes UFF, publicada no Globo Niterói e assinada por Gabriel Rosa. Título: “Centro de Artes UFF se torna referência”. Na matéria um número surpreendente: desde a inauguração do novo espaço cultural (cinema, teatro e galeria de arte), cerca de 35 mil pessoas já visitaram e a previsão é de mais de 200 mil visitantes até dezembro deste ano.

O novo Centro de Artes é uma demonstração de respeito com a população do Estado do Rio e com a cultura de uma maneira geral. Frequento o cinema, a galeria e o teatro e não canso de elogiar. Claro que meu fraco é o cinema onde em pleno carnaval vi a sala lotada de gente assistindo a “Whiplash – em busca de perfeição” de Damien Chazelle. Aliás, devido ao enorme sucesso, foi prorrogada a programação até o próximo dia 25. Para conferir, clique aqui: http://www.centrodeartes.uff.br/programacao

O trabalho da Universidade Federal Fluminense merece o aplauso das pessoas que buscam a arte de qualidade. Graças ao esforço de profissionais que conhecem a fundo cultura de todo o planeta (exemplos: Tereza Machado Mazelli e Paulo Mattar), retomei um hábito antigo que desenvolvi nos anos 70, quando conheci o Cine Arte UFF. Vou ao cinema sem saber o que está passando porque tenho certeza que é filme bom. Some-se a isso a projeção perfeita, (alta tecnologia) áudio espetacular, poltronas ultra confortáveis, ar condicionado perfeito garantindo 20 graus de saúde.

No teatro o respeito é o mesmo. Poltronas anatômicas, projetadas especialmente para esse tipo de sala, luzes cênicas conectadas a uma mesa digital de última geração, ar condicionado gelando, enfim, não é à toa que vive cheio e a fila de produções de todo o Brasil (especialmente do Rio), implora por uma vaga na disputada agenda do teatro.

Foi no governo do carniceiro orçamentário (marajá da casa do cacete) que o Cine Arte UFF entrou em decadência, como, aliás, todo o Brasil. Não foram poucas as vezes que, com o ar condicionado pifado, portas laterais abertas, todo mundo tirava a camisa para conseguir assistir aos filmes. Com os equipamentos de projeção sucateados, as sessões eram constantemente interrompidas. Ainda assim, não desistíamos de frequentar. Por que? Porque o Cine Arte UFF passava filmes de qualidade, de todas as nacionalidades, sem se preocupar com filas, explosões de bilheteria, sucesso fácil. Foi lá que conheci Bergman, Truffaut, Godard, Pasolini, Nelson Pereira dos Santos, Glauber, enfim, foi aquela sala que me tornou amante do cinema.

Depois de anos de reforma o cinema voltou com a mesma filosofia: qualidade. Por isso atrai gente de toda a região metropolitana, cansada de xaropada, de esquemão, de filmecos de quinta fantasiados de “comédia romântica”. Na boa, com todo o respeito, não aguento mais Ingrid Guimarães e similares com seus caça níqueis nas telonas.

Sobre o Cine Arte UFF, um pedaço de sua bela história que pesquei no site:

Em 1968, após ter sido exilado da Universidade de Brasília (UnB), Nelson Pereira dos Santos propôs ao reitor da Universidade Federal Fluminense, Manoel Barreto Netto, criar um Curso de Comunicação semelhante àquele existente em Brasília.

Em maio do mesmo ano, Nelson foi designado responsável pelo setor de arte cinematográfica da UFF e, junto com outros professores, recebeu a tarefa de estudar as diretrizes para a instalação do Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS). Além das diretrizes para o futuro IACS, Nelson realizou com os alunos o primeiro filme da universidade, um documento audiovisual institucional.

Para evitar qualquer represália, a primeira tomada foi com o reitor, e assim impediu-se eventuais obstáculos à execução do projeto. Com a câmera no gabinete e o discurso filmado, ficou o compromisso armado. E quando surgiam imprevistos durante as filmagens, a equipe chamava logo o reitor. O resto é história, aliás, uma história de 47 anos de criatividade e formação de grandes profissionais para o audiovisual brasileiro.

A face oculta da lua, um conto sem escalas



Comia uma empada de galinha caipira num bar na rua do Ouvidor, Centro do Rio, perto de um lugar onde Machado de Assis também comia empadas de galinha, só que urbanas, numa manhã de quarta-feira quando parou um caminhão que trazia no para-choques uma frase tola e genial, algo como “na estrada da vida, passado é contramão”, é isso ou mais ou menos isso, mas a vida é como um texto sem ponto, só vírgulas, um pouco de ar, na base do ir em frente, pensando, pensando, passei a semana pensando num monte de coisas como um artigo que escrevi para um jornal norte americano no já longínquo 2014 que, por vacilo meu, não saiu assinado, na carta de um leitor que me esculhambou por causa de uma crônica sobre mulheres gostosas, e eu acabei ficando meio sem saber o que dizer, mas depois constatei, relendo o que havia escrito, que o tal leitor não entendeu, confundiu homenagem com vagabundagem, a tal vagabundagem que me falta para acender a fogueira de um amor impossível que surge no alto de uma montanha, fazendo pé pé com a lua e brincando de trapezista com o arco-íris, mas espera aí, por que todo amor impossível precisa ser adolescente, nos faz sentir como meninos soltando pipa no alto de uma pedreira que ainda existe atrás de um prédio em Trás-os-Montes, onde passei parte de minha pós-adolescência soltando foguetes e alimentando amores impossíveis, como o que tive com uma estação de rádio, que de musa acabou virando livro cujas últimas linhas começo a escrever em suas prováveis 974 páginas que deverei lançar neste 2015 no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Salvador, Lisboa, Porto, matando a saudade dos Boeings e Airbus que, eventualmente são minha segunda casa para depois, quem sabe, voltar a TV, ao VT, ao Protools, criar um megasite já que a saudade é um sentimento completamente inútil para mim a ponto de eu não reconhecer os anos 1960, muito menos os 70, os 80, afirmando que a melhor década é a que estou, o melhor momento é o agora, que não é mais agora porque quando este texto for postado no site essas palavras chamadas de originais já terão ido morar no arquivo vivo de minhas dezenas de milhares de textos, amontoados há quase 45 anos de escrita diária, dedicada, obsessiva, ou quem sabe vão se mandar para Aracaju, canção de Caetano Veloso que diz que “ser feliz/o melhor lugar é ser feliz”, ah, essa música está impregnada em minhas veias abertas para a minha cidade, cidade-calamidade para quem quer jantar com uma amiga sem ser chamado de amante, mas ao mesmo tempo cidade-útero, morna, molhada, que nos recebe aberta nas madrugadas quando cruzamos a baía sob chuva fina, ou sob neblina, ou sob o torpor da cafeína que consumo num botequim próximo à estação das barcas, acompanhado de divagações afetivas, mulheres de sonhos, verso e prosa, tendo ao fundo o rugido cansado dos miseráveis que se embolam nos jornais para escapar do açoite do frio, ou da fome, ou da polícia imaginária, ou dos políticos virtuais, ou da música que Keith Jarrett ainda não compôs sobre um pôr-do-sol no Algarve para onde provavelmente irei este ano, acompanhado de meu cão Hanói e meu canário Elvis, encontrar amigos e conversar sobre política e sardinhas e, quem sabe, pensar um pouco mais sobre o próximo semestre, na dieta prometida, na possibilidade de receber um e-mail da mulher de meus sonhos dizendo que a vida não faz sentido sem mim, essas coisas que a gente gosta de ouvir quando deita no sofá com um pote de dois litros de sorvete de abacaxi Kibon, quatro litros de Coca Cola e um DVD com um filme de Buñuel, imagem que pode lembrar a canção que me vem as vísceras lá de 1971, Jards Macalé, que canta “estou cansado/e você também/ vou sair sem abrir a porta/e não voltar nunca mais/ desculpe a paz que lhe roubei/ e o futuro esperado que não dei/é impossível pensar/ num barco sem temporais/ e suportar a vida como um momento além do cais” e, por sorte, quebrei esse disco em questão de horas porque não tenho vocação para o masoquismo, daí a minha paixão pela bossa nova, pela magia do céu, sol, sul, e não o samba-canção martírio, daqueles que chamam a lua de luz de mercúrio e nos fazem roer meio fio quando sentimos que nosso texto num jornal não está sendo bem revisado, ou sequer assinado, mas, pensando bem, o editor tem mais o que fazer, o que não vale é acharem que estou tristinho, magoadinho, quando na verdade estou cansado porque são três da manhã e o principal recado na caixa postal do meu celular diz apenas “durma em paz”,  ou foi impressão minha, não sei bem, dizem que comer carne de porco a noite faz mal a alma, mas o recado estava lá na voz da mulher dos meus sonhos, provavelmente telefonando do futuro,  de um orelhão primitivo, olha, garota, eu não quero saber por onde deitas, mas confesso que a possibilidade do recado ser verdadeiro faz um bem danado, como o dia em que Peggy Sue voltou à tona depois de passar dias submersa nos anos 1960...ah, esse Copolla é tão genial que faz um Fusca chorar sem sentir dor, ou alguém não notou que em “Apocalypse Now” a música do Doors, chamada The End, foi infernalmente bem inserida na abertura do filme, eu sei, teria que colocar um ponto de interrogação, mas o cansaço me fez escrever este texto sem pontos e sem parágrafos pois dizem que é uma boa maneira de conversarmos um pouco com nossos xamãs, ou com “As Valquírias” de Paulo Coelho, que estou louco para conhecer pessoalmente, mas as pessoas só pensam nos dólares que Paulo Coelho está ganhando, merecidamente, por ter despertado milhões de pessoas para coisas mais interessantes do que forninho de micro-ondas, IGP-M, Fipe, Dilma, esse macabro parque de diversões chamado economia que provoca sucessivos e generalizados rompimentos na classe média do Brasil, onde os casamentos desabam e renascem como frutos do mar, o que é bom, é muito bom, já que aprecio a velocidade emocional da classe média brasileira e suas Ferraris afetivas entrando no Arpoador a 230 por hora, como um bando de desdentados a caça de um dentista capaz de reduzir a dor em pelo menos 20%, ou uma manada de executivos de marketing, chamados à última hora para tentarem salvar Titanics depois das varadas nos icebergs da incompetência, o flagelo do terceiro mundo, parceria incansável da corrupção, da propina que assola o país desde sempre, crucificando temporariamente uma meia dúzia para saciar a turma do pão e do circo, é fogo, não é mole, e o pior é que que terminarem de auditar o Brasil  o berço esplêndido vai ficar mais deserto do que ilhas virgens em dia de finados, chovendo e com ressaca, porque como cantou um dia David Bowie “this is not America”,numa boa, sem preconceito, mas this is not America, mas não é mesmo, tanto que nem a inflação razoavelmente estável provoca o mínimo de otimismo, provavelmente por causa da porção Dom João Sexto em nosso sangue, suor e lágrimas, aquela ala que gosta de gemer, reclamar, expulsar, discriminar, enfim, eu tenho uma amiga que é dentista e me escreveu um e-mail da China onde os brasileiros são perseguidos como judeus na Alemanha de 1940, e tudo mais o que acomete o emocional de um perseguido que, como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones, acreditava em Papai Noel e nessa coisa de irmandade entre os povos, a ponto de me preocupar pois rapidamente respondi o e-mail sugerindo que ela não julgasse povos, mas governos, não julgasse indivíduos, mas corriolas e assim por diante já que da mesma forma que em Detroit (EUA) nos anos 1980, estavam matando japonês a pauladas, tenho receio que comece a rolar esse clima contra outros povos aqui no Brasil, o que não é bom para ninguém, pois de médico, português e louco, todos nós temos um pouco, da mesma forma que o amor impossível pode parecer impossível eternamente quando não buscamos soluções alternativas quando uma estrada está inundada e ficamos parados xingando o ar, já que há sempre uma trilha, um atalho, uma picada quando queremos mesmo chegar a algum lugar, mesmo que esse lugar seja o lugar nenhum, mesmo que chova açoites, pois somente algumas coisas não tem solução, entre elas o fim do papel.
Madrugada. Quente, fria, morna. Um homem está diante de seu vulcão interior e tenta decifrar a lava. Angústia. Êxtase. Sem páusa, sem trégua. Não há bandeira branca no embate entre o homem, o vulcão e o papel, feito refém e ponto de partida para um monólogo urbano, que segue, não para. Não para. Não para.

Rock é música de acostamento, porão, periferia e não de esquemão

    João Barone                                                                          
Bob Dylan                     
                    Jimi Hendrix
    Rolling Stones
    Titãs
     The Who                                        


Se eu fosse músico de rock e me convidassem para tocar no programa “Esquenta”, da Rede Globo, afundaria numa pesada crise existencial. Um dos dois teria errado a mão. Errado feio; ou eu, ou o programa. Afinal, “Esquenta”, “Caldeirão do Huck”, “Faustão”, “Altas Horas” e outros só escalam artistas que vendem milhões de discos e de uns anos para cá, os califas do hit parade tem sido os sertanejos universitários embolados com funkeiros.

Sábado passado, a jornalista Michele Miranda publicou no Segundo Caderno do Globo uma matéria intitulada “Em carreira subsolo”. Conta que na lista das 100 músicas mais tocadas nas rádios em 2014, somente um rock, do Skank, aparece em na 93ª. posição. Os campeões: Anitta, Gustavo Lima, Luan Santana, enfim, o cardápio do “Esquenta”, “Altas Horas”, blá blá blá. Em síntese, a repórter entrevistou algumas pessoas e concluiu que o rock voltou para o underground.

Roqueiro com alguma quilometragem, celebro essa manobra, esse retorno ao muquifo, mas vamos por partes. Para começar, Skank é uma boa banda, mas é  pop. Rock e pop são gêneros completamente diferentes, díspares, antagônicos no meu ponto de vista. Portanto, vivas ao rock por não estar representado no listão das 100 músicas mais tocadas no rádio brasileiro. 

Por que celebro? 1 – Porque o rádio brasileiro poucas vezes esteve tão anêmico, ruim, lamentável; 2 – Em todo o planeta, rock autêntico sempre viveu à margem, no acostamento, nos guetos e, ainda assim, vende muito disco; 3 - Em 2014 bandas como Titãs lançaram álbuns espetaculares como o demolidor “Nheengatu”, um marco na história do rock brasileiro. Do acostamento ouço ainda o som truculento, marginal e ótimo de bandas como Sanatore e Kapitu que estão por aí, nos guetos, nos bares, na periferia, lotando tudo e vendendo discos, sim.

Jimi Hendrix nunca esteve entre os 100 mais ouvidos (e vendidos) no Brasil. Nunca! Mas vendeu (e vende) muito disco por aqui, num segmento musical (rock/blues) que considera vende expressiva 20 mil cópias no mercado de hoje. Mercado que mingua dia após dia. Led Zeppelin? Só teve uma música nos braços do povo, “Stairway To Heaven”, que mesmo assim foi sucesso no rádio no início dos anos 1970 com uma versão cortada, editada, dilacerada. O pico de vendas do Led Zeppelin por aqui foi de 30 mil cópias, justamente do Led Zeppelin IV (de 1971) que trouxe “Stairway...”

Que eu saiba, nem os Beatles e os Rolling Stones venderam mais de 50 mil discos nesses trópicos movidos a esculacho sonoro. Bob Dylan? Cinco, 10 mil. The Who?  Cinco, 10 mil.  Fiasco no listão, no tal do top 100 da molambada, mas no segmento deles venderam e vendem bem. Sempre foi assim também com a música clássica. Você pega os números do magistral “West Side Story” com a regência do autor, Leonard Bernstein (1985), sucesso mundial, e estão lá 10, 15 mil discos vendidos no Brasil, o que é excelente em se tratando deste segmento.

O erro dessas listas, como a publicada pelo Globo, é que misturam boi com piranha. Imaginem um ranking de carros mais vendidos e, com base nele, achar que o pequeno jipe Suzuki Jimny (lidera o segmento do 4X4) deveria vender como o Palio, Gol, HB 20. O nome disso é erro de parâmetro, que estudei lá na casa do cacete da faculdade na cadeira “Métodos e Técnicas de Pesquisa”. Se o Palio vende 100 mil unidades por ano o Jimny com seus 10 mil não tem nada com isso. O importante, estatisticamente falando, é que ele (o Jimny) se mantenha líder no seu segmento e não no segmento do Palio.

Aproveito a onda e pergunto: quantos discos de platina Tom Jobim ganhou? Nenhum. Quantos discos de platina (eram vendas de 250 mil discos, mas por causa da crise caiu para 100 mil) Chico Buarque, João Gilberto, Maria Rita, Gilberto Gil, Milton Nascimento e a maioria da MPB ganhou: nenhum! Por isso são ruins? É lógico que não. Mas pela lógica do “não tocou no rádio” são todos um fiasco.

Quanto ao segmento rock continua muito bem representado no Brasil. Quando quero, procuro e acho ótimos shows com nomes muito bons. Rádio? Só ouço pela internet já que nada no dial me atrai. Nada. Frequento o programa Ronca Ronca de Maurício Valladares (www.roncaronca.com.br) e sempre entro em www.radios.com.br onde escolho uma entre as dezenas de milhares de emissoras online que estão lá. Quem gosta do autêntico rock, blues e afins, sabe que tem que correr atrás porque a mídia de massa só publica cultura de massa. E rock não é nem nunca foi cultura de massa no Brasil.

Gostei da matéria porque trouxe à tona essa discussão. Hoje mesmo, no Facebook, bati essa bola com o grande João Barone, baterista dos Paralamas:

João Barone - Matéria no jornal de sábado se perdeu ao comparar alhos com bugalhos. O rock voltou para seu lugar, que bom! Perda de tempo compará-lo com os fenômenos musicais populescos.

Luiz Antonio Mello - É o que digo incansavelmente. Lugar do autêntico rock and roll é no acostamento, periferia, nunca no esquemão. Vou escrever sobre isso.

Joao Barone - Perder espaço nas rádios é sintoma da massificação musical, certo? Mas existem as rádios dedicadas ao rock, tem a tal da internet, tem as bandas e artistas do gênero fazendo shows, além de festivais que levam grande parte de quem aprecia o rock. Pode melhorar? Pode, é só melhorar a economia... Não se deve entender essa reportagem como um confronto entre o mais forte e o mais fraco, talvez sirva para lembrar que ainda tem uma massa considerável que consome este estilo musical.

Luiz Antonio Mello - Hendrix nunca foi sucesso de massa, o Zeppelin só foi popular com Stairway To Heaven e por aí vai. É outro parâmetro, outra história.

Joao Barone - Sim, e venderam e vendem milhões de discos.


Brasil: 50 maiores vendas de discos da história

Números oficiais da associação Brasileira de Produtores de Discos - ABPD

Artista       Período      Gênero(s) Vendas estimadas
Tonico & Tinoco 1930-1994 Sertanejo 150 milhões
Roberto Carlos    1959-presente MPB/Jovem Guarda 120 milhões
Nelson Gonçalves 1941-1998        MPB/Samba-Canção    75 milhões
Rita Lee 1963-presente        Rock 55 milhões
Nelson Ned 1960-2014Música romântica/Música brega   45 milhões
Leonardo/Leandro e Leonardo  1983 - 1998   Sertanejo 35 milhões
Xuxa         1984-presente    Infantil      30 milhões
Chitãozinho e Xororó   1970-presente    Sertanejo 30 milhões
Raça Negra        1983-presente    Pagode/Samba   30 milhões
Maria Bethânia   1965-presente    MPB 26 milhões
Amado Batista    1975-presente    Brega/Romântico        22 milhões
Legião Urbana    1982-1996 Rock 20 milhões
Zezé Di Camargo & Luciano 1991-presente    Sertanejo 20 milhões
Sandy & Júnior   1990-2007 Pop   17 milhões
Fábio Júnior       1969-presente    Romântico 16 milhões
Banda Calypso    1999-presente    Calipso/Carimbó/Lambada    15 milhões
Shirley Carvalhaes      1977-presente    Gospel       15 milhões
Pitty 1995-presente    Rock 15 milhões
Sepultura   1985-presente    Rock 15 milhões
Ivete Sangalo     1993-presente    Axé   15 milhões
Roberta Miranda         1986-presente    Sertanejo 14 milhões
Zeca Pagodinho 1983-presente    Pagode      12 milhões
Angélica    1990-2001 Pop   11 milhões
Alexandre Pires 1989-presente    Samba/Pagode   10 milhões
Carmen Miranda         1929-1953 Samba/Marchinha de Carnaval     10 milhões
Diante do Trono 1999- presente   Música gospel     10 milhões
Lulu Santos        1973-presente    Pop rock    10 milhões
Cassiane    1981-presente    Gospel       10 milhões
Marisa Monte     1987-presente    MPB 10 milhões
Turma do Balão Mágico       1982-1986 Infantil 10 milhões
Wando      1973-2012 Brega-romântico         10 milhões
Kid Abelha 1984-presente    Pop rock    9 milhões
Bruno & Marrone        1994-presente    Sertanejo 9 milhões
Rose Nascimento        1990-presente    Gospel       8,5 milhões
Cicero Nogueira 1973-presente    Gospel       8 milhões
Padre Marcelo Rossi    1997-presente    Música católica   8 milhões
Só pra Contrariar        1989-presente    Pagode      8 milhões
Roupa Nova       1980 - presente Pop rock    8 milhões
Belo 1993-presente    Samba/Pagode   7 milhões
Lauriete     1982-presente    Música gospel     7 milhões
Aline Barros       1995-atualmente        Gospel       7 milhões
Daniela Mercury 1981-presente    Axé   7 milhões
Titãs 1982-presente    Rock 6,3 milhões
Deborah Blando 1991-presente    Pop   6 milhões
Trazendo a Arca 2007-presente    Música gospel     6 milhões
Mattos Nascimento      1991- presente   Pentecostal        6 milhões
Rouge       2002-2005 Pop   6 milhões
Skank       1991-presente    Rock 5,5 milhões
Fernanda Brum   1992-presente    Música gospel     5,3 milhões
Os Paralamas do Sucesso    1977-presente    Rock 5 milhões
Charlie Brown Jr.        1992-2013 Rock 5 milhões
Ana Carolina      1999-presente    MPB/Pop    5 milhões

P.S. – “Estou de saco cheio dos sucessos dos Beatles”. Leia em http://lounge.obviousmag.org/luiz_antonio_mello/2015/02/estou-de-saco-cheio-dos-sucessos-dos-beatles.html

O maior desafio não é escrever livros, é enfrentar as noites de autógrafos

Neste 2015 vou lançar uma coletânea de contos, crônicas e devaneios que publiquei aqui na Coluna, em jornais, em outros sites e também textos inéditos. Estou vendo qual vai ser a editora e quando o verão terminar vou começar a peneirar os textos, que totalizam mais ou menos 1.200. Vão virar, no máximo, 150. Ou seja, não será bem uma peneirara mas uma chacina de letras.

Tempos atrás concluí que o meu maior desafio com os livros não é escrevê-los, mas sim a noite de autógrafos. Noite, tarde, manhã, madrugada, não importa. Sou tímido, extremamente tímido e, ao mesmo tempo gosto muito de receber bem meus amigos, colegas, leitores, ouvintes, da melhor maneira possível. A timidez me torna mais ansioso, não durmo na noite anterior, o suor me toma, enfim, a ansiedade me engole vivo.

Para receber bem as pessoas (disso não abro mão) preciso de tempo. Quando lançamos livros, sentamos numa mesa, uma pessoa da editora escreve num papelzinho o nome de quem está na fila e o autor escreve o autógrafo. Escritores menos afetuosos escrevem autógrafos curtos, texto rápido, abraço rápido porque precisam atender ao maior número de pessoas.

Já eu levanto da mesa, dou longos abraços, pergunto como anda a vida, a pessoa responde, me indaga como estou, damos risadas e, ainda por cima, escrevo longos autógrafos. A boa notícia é que gosto muito de ser assim. A má notícia (para as editoras) é que não vou conseguir mudar porque, na verdade, não quero.

Não conheço ninguém que goste de autógrafos industriais. Ninguém. Quando um escritor lança um livro num evento desses, os leitores vão lá vê-lo, quem sabe trocar algumas palavras, dar e receber um abraço. Não é um toma lá, dá cá. Felizmente, nas noites/tardes de autógrafos que fiz ao longo do tempo ignorei o tempo. Parentes, amigos, colegas, leitores, falei com todo mundo, escrevi pra caramba nas folhas de rosto dos livros, enfim, fui totalmente anticomercial, o que não foi justo para as editoras.

Por isso, o próximo livro que vou lançar não terá noite/tarde/manhã de autógrafos, mas vou garantir a cada pessoa que adquirir (em livrarias físicas, virtuais, etc.) um bilhete que será digitalizado e enviado, por e-mail, para o leitor. Pensei nisso ontem. A pessoa recebe o livro e o autógrafo personalizado sem ter que se deslocar, entrar em filas, esperar, se estressar. Em contrapartida terei menos alguns dias de ansiedade em minha vida.

Mas como nessa área não decido nada sem consultar, aí vai: o que acham da ideia? Alguma outra sugestão? Escrevam para luizantoniomello@gmail.com . Um abraço.





Ricardo Boechat, um jornalista antenado, workaholic, verdadeiro

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Acabei de ler uma ótima entrevista com Ricardo Boechat na revista Rolling Stone deste mês (Bob Marley na capa) e, naturalmente, me vieram algumas recordações.

A primeira vez que trabalhei com ele foi em 1985 (ou 86). Ele dirigia a sucursal do Estadão no Rio. Era o Boechat de sempre. Vivo, exigente, carcará, generoso, gente boa, estourado. Fiquei uns meses mas tive que sair para trabalhar em outro projeto, permanecendo como free lancer do Caderno 2 do Estadão durante um bom tempo. Mas durante a minha passagem pela redação no Rio, Boechat deixou a sua marca e a minha admiração.

Em 2005, 15 anos atrás, soube que o Grupo Bandeirantes estava começando a montar uma rede de emissoras allnews em FM, que iria se chamar Bandnews. Liguei para Ricardo Boechat, que na época comandava a redação da Band (TV) no Rio.

- Boechat, quero trabalhar nesse projeto.

- Mellô (ele me chama de Mellô), fale com o Mauro Silveira, que é o chefe de redação da rádio, telefone tal.

Já tinha trabalhado com o Mauro na Rádio Jornal do Brasil no início dos anos 80. Fomos repórteres do Departamento de Radiojornalismo. Antes, ele foi jornalista da Rádio Fluminense FM, que eu dirigia, onde fez um ótimo trabalho, elogiado pelo pessoal da rádio e também pelo mercado.

Comecei na Bandnews dias depois, nos preparativos que antecederam a entrada no ar da rádio que, ironicamente, ocupa a frequência de 94,9 MHZ que um dia fora habitado pela Fluminense FM. Minha primeira missão foi ser produtor de jornalismo do programa do Boechat.

Veio o dia da estreia da Bandnews. Eu estava lá, por volta da meia noite, quando quando entrou a vinheta de estreia da nova rádio allnews que iria sacudir o país. No Rio, como diretor da emissora, Ricardo Boechat. Produzi seus primeiros programas. Eu levava as sugestões de entrevistados, ele pautava os assuntos a serem discutidos em reuniões diárias que fazíamos em sua sala na redação da Band.

Extremamente exigente, antes de aprovar uma pauta me enchia de perguntas. Eu já sabia pois no Estadão fora sempre assim e com outros colegas também. Com o passar do tempo, fui me deslocando para a área cultural da Bandnews FM e deixei a produção do programa Boechat, mas não perdi o contato com ele. Em meu lugar entrou uma grande colega, a querida Belisa Ribeiro.

Em vários plantões (sábados, domingos, feriados) ele sempre ligava para a rádio passando notícias. Como a Rolling Stone diz, ele não para de trabalhar e isso nós temos em comum. Cobri internamente o Reveillon de 2005 para 2006, conectando Copacabana (um colega estava lá ao vivo) a cabeça da rede em São Paulo. Quando terminei o plantão (comecei as 18 horas do dia 31 e fui até uma da manhã do ano novo) achei que o trabalho tinha sido legal. Boechat também, quando o encontrei nos corredores da Band, dias depois.

Ele cobrava, mas reconhecia. Quando entrevistei Gilberto Gil e abordei o escândalo do mensalão, Boechat me ligou dizendo apenas “segue nessa trilha, é por aí”, mas com certeza o trabalho que ele mais gostou foi o dia em que fique das 10 da manhã as 10 da noite entrando ao vivo direto do backstage dos Rolling Stones em Copacabana.

Profissionais como ele são muito raros. Se por um lado pega pesado por outro reconhece, orienta, fala o que quer com muita precisão. A Rolling Stone prestou um grande serviço ao jornalismo ao entrevistar um nome que é a marca da notícia bem apurada, bem feita, bem levantada e, naturalmente, bem escrita. Merece ser um campeão de audiência.

Valeu, Rolling Stone! Valeu, Boechat!
                                                                               
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