Quantcast
Channel: Coluna do LAM
Viewing all articles
Browse latest Browse all 1917

O fog psicodélico de Itaipu

$
0
0
                                                             Fotaço do Caíque Fellows                
Sabino Bar, o bar do Neno, espaço nobre em nossas memórias
Quando vi a foto que Caíque Fellows fez do por do sol na praia de Itaipu, imediatamente pedi autorização para colocá-la na capa de minha página no Facebook.  Renomado arquiteto, fotógrafo de mão cheia, intelectual de primeira e muitíssimo gente boa, Caíque era consultor do sempre muito saudoso Alex Mariano, amigo comum, que era produtor da Rádio Fluminense FM onde fazia de tudo, inclusive o programa Satisfaction sobre os Rolling Stones.

Meu amigo desde o início dos anos 1970, Alex e eu brigávamos muito por causa do Satisfaction. Briga de irmãos, daquelas que invariavelmente terminavam em cafezinhos nos botequins fincados no entorno da rodoviária de Niterói. Os Beatles tinham um programa diário na rádio, o Revolution, produzido e apresentado por Sérgio Vasconcellos. Achei justo fazer duas horas de Stones aos sábados e, por isso, sugeri que o Alex fosse o produtor.

A reação dele foi bizarra. Me xingou, ficou vermelho, quase deu socos na mesa, acendeu um cigarro atrás do outro, recusando o programa. Ele achava que os Stones não tinham material suficiente para três meses de programa. Mantive a decisão e ele, gago (quando ficava nervoso gaguejava), me disse “sa sa sa ca ca ca ca na na na na gem gem gem sua...”.

Todos os dias, Alex reclamava do programa e me xingava pelos corredores. Mas o Ibope estava alto, os ouvintes adoravam, ou seja, contrariado, enfurecido, remando contra a corrente o cara era profissional e fazia um super programa. Ao lado dele o Caíque, que levava preciosidades, gravações exclusivas, shows piratas, entrevistas, enfim, quando um dia eu disse ao Alex que “você está fazendo o melhor programa sobre Stones do rádio brasileiro”, ele se enfureceu e me mandou a merda”. Quase o demiti.

No fim do dia, pediu desculpas e respondi que o problema não tinha sido me mandar a merda e sim ter posto o dedo na minha cara, etc etc etc, e nunca mais ele reclamou do Satisfaction. Saudade, muita saudade do Alex Mariano.

Assim são os fogs de Itaipu. Não tem explicação, só comoção. Eles são muito raros, pouca gente os viu. Se aproximam da areia trazidos por uma bruma azulada que, lentamente, faz a volta e ruma em direção ao canal de Camboinhas, a direita da praia.
Meu cachorro Titã (um basset marrom, raça também chama de dachshund) uivava quando o fog passava. Aliás, há quem diga que esse fog tem poderes mágicos, especialmente quando os que apreciam uma boa bebida atingem a cota de oito garrafas de cerveja.             

Anos atrás o grande amigo Hélio Nóbrega, o Neno, dono do Sabino Bar eu e outras pessoas passamos o Réveillon lá, sentados no deck do bar, na cara do mar. Noite azulada, trafego intenso de estrelas cadentes, satélites. Chegamos cedo, umas 10 da noite, quando uma bruma varria lentamente a beirada do mar tendo ao fundo as luzes da entrada da Baía de Guanabara e, também, de parte de Copacabana.

Não vi, mas senti o fog. Estávamos todos calados, submersos em devaneios de fim de ano turbinados pelas estrelas, o mar escuro, as luzes da metrópole ao longe. Foi durante um desses fogs que escrevi “Copacabana meu amor”, um artigo muito fraco, cartesiano, careta, vestido de tergal que, sei lá porque, muita gente gostou.

A foto do Caíque lá em cima mostra a alma de Itaipu, que ela só exibe para quem confia. E o Caíque conhece bem a essência desse lugar mitológico que se transforma, se reinventa, totalmente blues de Chicago que habita os corações mais sensíveis e encachaça os fígados dos imbecis que nos domingos de verão transformam essa acrilírica praia numa versão mais sórdida dos brejos do fundo da baía. Pobre Itaipu. 

Se pudesse riscava os domingos do calendário.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 1917