Amigo, recebi o seu e-mail. Sei que a mensagem atravessou um deserto, algumas metrópoles e o oceano Atlântico em questão de segundos. Como você bem escreveu, “chegaria da mesma forma se eu a tivesse colocado numa garrafa e atirado ao mar que cerca essa ilha de angústia transformada em alívio nos últimos dias, quando fui apresentado, pessoalmente, a Fé”.
Ando cada vez mais cauteloso com esTa Coluna, cujo volume de acessos tem crescido assustadoramente (obrigado, leitores!), já beira os 200 mil, desde que entrou no ar. Aliás, muito entre nós meu caro amigo, sua mensagem é impublicável porque, penso, a maioria não iria entender. Entender a Fé? O momento em que a Fé entra em nossa vida, nosso corpo, nosso hálito? Como explicar? Como entender essa sublime abstração?
É como pretender explicar pela lógica o poder da música? Que sentimento nos faz ficar zonzos quando ouço Claire de Lune de Claude Debussy, de preferência com Nelson Freire ao piano, ou “Hawkmoon 269” com o U2, “Gallows Pole” com o Led Zeppelin, tudo do Who, tudo de Caetano, Milton, dessa bela morena chamada Céu, enfim, não dá para explicar e nem entender o que essas músicas fazem com a gente.
A Fé é assim. A diferença é que ela surge no horizonte quando estamos passando por algum sufoco. A minha Fé em Deus aconteceu numa noite de tempestade, raios para todos os lados, lá em 1974, ou 1975, ou 1977. Eu estava dirigindo uma Brasília na estrada e, de repente, sem mais nem menos, um Opala que vinha na pista contrária perdeu a direção e, sei lá porque, como, de que jeito, capotou e passou por cima de meu carro. Por cima, sem tocar! Parei, socorri o sujeito (que estava bêbado) e depois, bem depois, tremi. Tremi de ansiedade. Tremi de emoção. Eu tinha acabado de ser apresentado a Fé.
A Fé é etérea e justa. Justa como as coisas honestas que fazemos todos os dias, ajudando pessoas, projetos para pessoas, escrevendo para pessoas porque a vida só faz sentido se nos dedicarmos as pessoas. As coisas? As coisas vem e vão, mas também são consequências das pessoas.
Lendo sua mensagem, meu caro amigo, quase não o reconheço. Quando deixou o Brasil, naquele 2006 sob forte calor, você comentava com a sua companheira que estava saindo do caos para encontrar o cosmos. Não quis polemizar, não quis te contestar, mas essa frase é a primeira no cardápio dos iludidos. Ainda assim, te mandei um e-mail dizendo que li (acho que na obra de Carl Gustav Jung) que a ansiedade antecipatória deturpa as coisas. Ouso ir mais longe: você deformou as coisas, a ponto de tratar países como felicidade pré-paga e, não sei bem por que, não queria ouvir nada e nem ninguém que desmentisse essa sua verdade absoluta. E por causa disso, quase brigamos.
Aí aconteceu aquilo tudo, você acabou perseguido e preso, perdemos o contato. Minha amiga diplomata te ajudou, sua mulher te ajudou, até seu companheiro de cela te ajudou. Ainda assim, já solto, já com um subemprego na Holanda, você insistia na trilha da análise, das convicções cerebrais que nos diferem dos macacos. Stanley Kubrick insinuou em “2001, uma Odisséia no Espaço” que a alienação dos macacos atirou a espécie na felicidade, contrastando com HAL, o computador mau caráter.
Admito que estou falando demais, provavelmente escrevendo besteiras, tudo para te dizer (e a sua mulher) que estou feliz pra caramba por você ter encontrado a Fé. Que bom! Que bom! Para mim, a Fé é como uma daquelas ondas gigantes de 25 metros, que são quase comuns na “minha” Maverick, “minha” Califórnia, que quando descemos 70% estão nas mãos de Deus, 20% com o acaso, 5% com a sorte e somente os outros 5% com o nosso talento.
Deixe fluir, deixe rolar. Não sou teólogo, mas sei que a Fé chega até nós assim mesmo. Você quase morreu, foi salvo sabe-se lá como (li que o incêndio em seu prédio foi de grandes proporções) e hoje está inteiro.
Obrigado pela mensagem, obrigado pelas ótimas notícias e viva a nossa Fé.