As massas polares que frequentam o outono agarram o azul mais profundo do céu infinito, realçam o verde das árvores, visitam as ocas das nossas reflexões, olhar levemente crítico; “o que estou fazendo neste filme?”.
Reflexões se enroscam nas crises existenciais, mar de marolas que engrossa, engrossa e vira anunciando as ressacas. Ressacas, irmãs do inverno, das pedras e conchas geladas, vento soprando de leste, amor sem tempos de cólera.
O suor da liberdade mergulha em trilhas áridas e sofridas que graças à luz do outono parecem jogar a favor. Nada contra a primavera e o verão, mas o calorão mata de dor as reflexões plácidas.
Caos.
As notícias dos últimos dias tem aviltado a leveza das folhas molhadas, o orvalho que molha as calçadas. O noticiário dá vontade de parar de querer saber o que não está acontecendo. Aí, o sonho:
O jesuíta olhou para a minha cara com aquele semblante de verme, mandou que me jogassem nu sobre um tronco de pau brasil e me capassem. Acusado de poligamia, outono de 1550, o jesuíta decretou monogamia, “entendeu, índio pervertido?” ele berrou no centro da clareira, onde colonos e degredados eram pagos para rir e matar, naquele sul de Bahia e o primeiro passo para o fim.
“essas vergonhas de fora, penduradas...eu vi você em cópula com aquela moçoila que agora sangra e ri, à sombra daquela árvore; vi depois tu pegar a mãe dela e depois a irmã dela e depois...para! para! Para! Índio degenerado... a sua felicidade vai acabar me matando!”.
O jesuíta olhou para a minha cara com aquele semblante de verme e mandou que eu morresse. O sangue quente jorrava entre minhas pernas abertas sobre o tronco de pau brasil onde me caparam. Consegui ouvir os gemidos que o vento trazia da floresta; o choro das minhas viúvas; minhas filhas; minhas amantes. Gemiam a dor da partida, o fim da partilha sobre o tronco de pau brasil.
A dor de querer saber compensa mais do que a dormência da ignorância, por si só, boçal, totalmente boçal que nos engessa numa redoma de lata sem o menor sentido.
Fundamental continuar querendo saber e, ao mesmo tempo, contemplar o azul profundo do céu levemente gelado do outono que desperta sentimentos profundos, belos e, por que não, alguns nós na garganta.
E o vento sopra, leva o orvalho, as luzes, o azul do céu de outono, todo prazer que houver nessa vida.
Gozai.
Amém.