Quantcast
Channel: Coluna do LAM
Viewing all articles
Browse latest Browse all 1917

É tudo mentira, mister president! , Por Joaquim Ferreira dos Santos – O Globo

$
0
0

 

É tudo mentira, mister Biden, não entra nessa. Isso aqui é o fim do mundo verde, o país do grileiro, do madeireiro e da farinha pouca, meu pirão primeiro. A gravata do presidente fingia homenagear hoje a floresta que o próprio derrubou ontem.

É bullshit, o Brasil do papo furado. Aqui ninguém conversa com ninguém sem um polígrafo ao lado. Vige a lei do mata, do desmata, do tamos aí nessa mamata – um festival de rima barata que denuncia nossa pobreza e solidão. Fica esperto, mister. Fake news é a nova saúva; cinismo, o novo anormal.

Tempos atrás andou aqui um conterrâneo seu, Orson “Cidadão Kane” Welles, e filmou as escolas de samba da Praça 11, os bailes de carnaval do Municipal, os jangadeiros do Ceará. Ele tinha ficado famoso quando narrou pelo rádio uma invasão de marcianos em Nova York. Era tudo mentira, claro, mas algumas pessoas acreditaram e fugiram da cidade.

Estou me lembrando dele, maluco genial, porque o documentário com aquelas imagens de um Brasil de gente feliz e muita coragem ficou com o título de – quanto riso, ó mister, quanta ironia – “É tudo verdade”. Verdade é justo o que não temos agora para mostrar. Proteger os territórios indígenas? Ora, é mais provável a volta dos marcianos do Orson Welles.

Eu sei que o senhor é um falso vovô de pijama e malandramente, murmurando um “ninguém merece”, deixou a sala antes que o homem da gravata verde se anunciasse como líder na vanguarda dos esforços de parar o aquecimento global. Parece que ele falou também em fortalecer os órgãos ambientais – mas aí eu é que já tinha saído da sala.

A mentira deslavada se sobrepôs à mentira cabeluda que por sua vez foi seguida de uma de meia tigela, num palimpsesto de camadas reveladoras do horror a que chegamos. Era fácil perceber, no constrangimento, no gaguejar da leitura, que não havia sinceridade naquelas mentiras. E olha que eu não ouvi as de pernas curtas – já estava na cozinha preparando um Sustincau.

É balela o dia inteiro, mister president, e desculpe a insistência desse urubu-jereba velho de guerra em redundar o que os seus satélites estão cansados de ver. Tudo em volta está deserto, é só tristeza e cinzas. É o fim da picada, o fim do caminho e, breve, o fim da maior floresta tropical.

Em homenagem ao seu esforço por um mundo com menos emissão de gases poluentes, eu ia botar para tocar ao fundo deste texto uma canção das antigas, o baião da ema que gemeu no tronco do juremá. Seria triste, preferi não. Parece que o ministro dos olhos verdes, a nova entidade que assusta os povos e animais das florestas, também tacou fogo no juremá. Depois, como lhe é de costume, posou sorridente com os troncos sangrando ao fundo.

Isso aqui já foi a peroba de campo, o nó da madeira, e tudo estava muito bem protegido pela vigilância do saci e do curupira, forças mantenedoras da exuberante natureza nacional. Agora o país pede dinheiro para que milicianos armados de fuzis protejam desmatadores armados de motosserra. Não pingue crédito nesse pires do mal, mister president. É só lorota e estupidez. No Oscar de ontem, o senhor deve ter visto o “Professor Polvo”, sábio representante da beleza no equilíbrio ambiental. Ele assinaria embaixo.



Viewing all articles
Browse latest Browse all 1917