Foi na semana do Natal. Almoçávamos num restaurante perto da orla. Ele estava com pouco apetitee parecia cansado. Preocupado. Quase dava para ver as interrogações flutuando sobre a sua cabeça branca e calva. Como sempre, não comentou, mas estimulava que eu falasse muito, muito.
Como sempre fez questão de pagar a conta e caminhou devagar até o carro. Dia de sol. Quente. Nascido e criado na cidade não conhecia um lugar que comentei, que todo mundo conhece. Rumei para lá e comecei a subir os quase 250 metros.
A cada árvore, cada trilha, cada nuvem, ele se animavae demonstrava surpresa com tudo o que via. Me empolguei e falei mais daquele lugar e quando chegamos ao topo, onde há um platô, estacionei. Dezenas de pessoas caminhavam rumo a rampa de voo livre que serve de mirante e um outro ponto de observação mais ao centro.
Caminhando devagar, ele e eu chegamos a rampa. Seu rosto se iluminou e seus olhos, imediatamente, se fixaram na serra. A serra dele, longe dali, exuberante no meio da paisagem. Seus olhos fixos quase marejaram durante a demorada contemplação. Calei. Deixei que ele ouvisse o que quisesse. Memórias. Tirei uma única foto. A melhor que fiz dele.
Olhou para o mar (provavelmente o que mais fez na vida), olhou para a cidade lá embaixo, e surpreendia-se com as ruas, os bairros, estações, que daquele lugar ganham contornos inusitados. Finalmente, mais uma vez, olhou para a serra ao longe e comentou “quantas vezes nós subimos e descemos?”. Não sabia. Não sei.
Estava muito calor. Teríamos ficado mais, mas lentamente até o carro, ele abriu a porta e sentou no banco do carona. Comprei duas garrafinhas de água mineral, bebemos, em silêncio e, de novo, descemos devagar.