Para quem não conhece, Magé é a capital fluminense do absurdo. Calor absurdo, buracos absurdos, humor absurdo, falta d´água absurda, mulheres maravilhosamente absurdas. Fica no calcanhar da Serra de Teresópolis e nos anos 1970 um vereador de lá protestou enlouquecidamente nos jornais.
Indignado com uma publicidade de Teresópolis utilizando a imagem do Dedo de Deus, o vereador berrava que a bela montanha não pertencia a Teresópolis e sim a Magé, pura verdade. Um político teresopolitano, notório apreciador de cachaças em geral, estava na pastelaria do China, que na verdade era filipino, fincada na Várzea (centro da cidade) e disparou: “Ah, o Dedo é de Magé? Então bota numa Kombi e leva, vereador!”.
A partir daí, lenda, pura lenda. O povo diz que o vereador mageense apareceu na pastelaria com uma arma na cintura procurando o político para “meter bala nos cornos daquele viado campeiro, porque se é de Teresópolis é viado campeiro sim”. Diante do calibre da arma do político, ninguém questionou.
Magé, cidade onde, também nos anos 1970, um grande amigo meu, míope, desviou de uma vaca que atravessava a rua, bateu com a roda do carro no meio fio e capotou. Quase desmaiado ao volante, Bidú ouviu o comentário “vamos ter que operar a cabeça dele”. Meu amigo voltou ao ar. Berrou “ninguém mete a porra da mão em mim”. Foi salvo por uma ambulância que, fora da rota (o motorista foi levar a amante em casa), passava por Magé. Recolheu meu amigo e o levou para o Hospital Antonio Pedro, em Niterói, que já foi uma referência nacional em emergência (fechada há anos) e os médicos o salvaram operando, de fato, a sua cabeça.
Tive um tórrido e proibido romance com uma mageense que era recepcionista de um jornal onde eu trabalhava. Ela estava estudando para ser bandeirinha de futebol, mas não direi mais nada porque os meus amigos e colegas já estão sabendo de quem estou falando. Ela deixou o jornal quando o Bolinador de Tel Aviv saiu do elevador, não conteve uma crise de alta libido e se atirou na recepcionista, agarrando seus belos seios balbuciando “podem me demitir, podem me processar...mas eu não aguentava mais”. Foi um escândalo que resultou na demissão de todas as recepcionistas do jornal, substituídas por homens. 99,9% dos jornalistas romperam relações com o Bolinador de Tel Aviv e 0,1% restante era gay.
Uma hora após o ataque (que ocorreu por volta das duas da tarde), ela me ligou pelo interno. “Já soube, paixão?”. Eu disse que sim, que estava preocupado, indignado, injuriado. Ela prosseguiu dizendo que “querem que eu processe aquele senhor, mas eu não vou processar não...dá muito trabalho...mas eu não liguei para isso, não”. Enquanto terminava de editar uma entrevista sobre a usina nuclear de Angra, perguntei “ligou para que?”. Ela me pediu que a levasse a Magé a noite. “Hoje não vai dar para dormir no nosso cafofo, paixão. Vou ter que ir a Magé porque parece que esse ataque do tarado deu até no rádio. Tenho que ver mamãe, papai, sabe como é?”.
Concordei em levá-la a Magé. Liguei para o cafofo, um hotelzinho em Benfica, perto da rua Capitão Abdalla Chama, vulgo rua dos Lustres, onde só tem lojas de luminárias, lâmpadas, lustres em geral e falei com Jonas, gerente, camareiro, garçom e vigia, cancelando a reserva do cafofo aquela noite.
As sete e meia da noite, escondidos no meu carro, peguei-a num ponto de ônibus perto do jornal e rumamos para Magé. Chateada, preocupada, visivelmente tensa, ela rapidamente acendeu um cigarro e jogou a cabeça no meu colo pagando um boquete digno de Oscar+ Grammy+Mega Sena+Bingo clandestino. Embolados como dois caranguejos ouvindo Nação Zumbi, singramos a avenida Brasil como os protagonistas de “Black Emanuelle”, o filme erótico menos hipócrita que já assisti. Quando chegamos na altura da Reduc, atualmente um bordel em Caxias, eu estava totalmente nu. Não é simbolismo. Estava nu mesmo, da cabeça aos pés e mirei o carro na porta do Motel Pisca Pisca que, eu sabia, aceitava cheque pré-datado.
Como dois albatrozes no cio, atravessamos a noite. Só paramos no Corujão, televisãozinha Philco caindo aos pedaços, mostrando o que achei se tratar de um filme de terror. Não me contive e fiz o que gostava de fazer: acendi a luz do teto e brinquei de galeto na brasa, sabe como é? Não sabe? Você pede para ela ficar girando e você contempla aquela obra de arte murmurando para si mesmo “isso é vai ser meu, isso vai ser meu...que coisa...”.
Cinco da manhã. Ela entrava no jornal as nove e eu uma e meia da tarde. Acabou que Magé dançou, mas ela conseguiu convencer a telefonista do motel a ligar para lá dizendo que estava na casa de Fulaninha, que de manhã cedo ia a Casa das Linhas trocar um presente e de lá direto para o jornal. Fiz uma manobra absurda, boçal, inglória mas consegui chegar no posto do Alemão onde tomamos o café da manhã. Saímos e, a poucos metros do posto, puf puf puf, acabou a gasolina.
Desci, peguei um galão no posto, pus dois litros, paguei um menor abandonado para tirar o filtro de ar e despejar a gasolina, o carro pegou, dei marcha a ré no acostamento, pus mais um quarto de gasolina (estava duro), saí, e as oito e quarenta deixei minha bandeirinha perto do jornal. De lá, fui para um hotel meia estrela perto da rodoviária Novo Rio (que também aceitava pré-datado) e dormi até meio dia e meia.
Quando cheguei ao jornal, uma da tarde em ponto, a notícia. O Bolinador de Tel Aviv fora mantido e todas as recepcionistas demitidas. Luto no prédio. Luto total. Fui falar com ela. Estava de olheiras, tadinha. Pediu para ficar comigo. Claro. Saiu do jornal as três da tarde e foi me esperar em nosso Cafofo em Benfica, onde ficamos internados quatro dias e cinco noites. Era semana santa. Foi quando descobri que estava apaixonado pela bandeirinha de Magé que, pena, casou 15 dias depois.
P.S. – Falarei de Magé outro dia. A saudade me pegou e por isso dediquei essa quase crônica a ela, codinome Nicole.