Amassa polar que frequenta o inverno no Brasil traz a garoa branda, realça o verde das árvores (onde ainda existem) e nos convida para visitar a oca das reflexões. Mesmo os chamados anti-reflexivos refletem sem saber. Na pior das hipóteses, contemplam a vida com um olhar levemente crítico do tipo “o que é que estou fazendo nesse filme?”.
Sou do time cujas reflexões são profundas e, muitas vezes, se transformam em crises existenciais, velhas conhecidas. Como o mar de marolas que vai engrossando, engrossando e de repente vira trazendo as ressacas. Ressacas, irmãs do inverno, das pedras e conchas geladas, vento soprando de leste, quase frio.
Elas machucam, sim. Mas são parte integrante de uma paisagem chamada evolução, ou amadurecimento, ou sei lá o que. Jung escreveu que dos caos fez-se o Cosmos mas na raça humana parece que a coisa caminha pela contra mão, como se o Cosmos fizesse o caos. Mas, não estou aqui para polemizar. Já basta a saudade. Como dói a saudade. Como mói. Essa saudade que também o meu irmão de sangue conhece muito bem.
Se viver é fundamental, refletiré crucial. Em muitos momentos pensamentos mergulham em trilhas ácidas, duras, sofridas mas graças à luz do inverno, chegam a alguma conclusão saudável, ou possível. Outono e inverno parecem jogar a nosso favor. Não, não tenho nada contra a primavera e o verão, mas penso que o calorão não combina com reflexões plácidas. É só caos, caos, caos.
E eu só quero ter o direito de não ir e não vir, quando quiser, quando puder, quando... sei lá quando já que a liberdade, mesmo a íntima e pessoal parece cada vez mais virtual nesse bunker de obrigações, mi mi mi e algumas coações.
Confesso que já fugi (ou tentei fugir) de alguns pensamentos, especialmente os caóticos que, não se sabe por que, nos levam a becos que nós mesmos tornamos sem saída. Em tese. O noticiário dos últimos dias não tem combinado com a beleza das folhas molhadas ou com o orvalho que molha as calçadas dos lugares arborizados. O noticiário dos sites, jornais, revistas, TVs está pesado e, a vezes, dá vontade de parar, de não querer saber o que está (ou não) acontecendo com o Brasil. Mas, não tenho vocação para a alienação.
A dor doquerer saber compensa mais do que a dormência da ignorância, por si só, boçal, totalmente boçal, nos engessa numa redoma de lata sem o menor sentido. Fundamental, para mim, continuar querendo saber e, ao mesmo tempo, contemplar a brandura da chuva leve e fria do invernoque desperta sentimentos profundos, belos e, porque não, alguns nós na garganta.
E o vento sopra, carrega o orvalho, as luzes, o azul do céu do inverno, ao som do abandono.