Isso mesmo, Raimunda feira de cara, feia de bunda, tinha um séquito de adolescentes que, sábia, muito sábia, culta e esperta manipulava eroticamente nos idos dos anos 1970. Os meninos, um bando de 28 ávidos comensais, burlavam ordem severas de pais e responsáveis para não se aproximarem de Raimunda porque, diziam, ela era terrorista. Diziam até que planejava sequestrar um avião e que tinha uma doença chamada “furor uterino”.
A meninada procurou saber o que era furor e o que era uterino, juntaram as coisas e deduziram que Raimunda era tarada. Que maravilha! Era o que bastava. Ao longo de 25 dias do mês (nos outros cinco Raimunda sumia mas emprestava sua amiga Alzirinha) os 28 comensais entravam e saiam da casa bege, fincada numa rua não muito calma de um bairro de classe média de uma cidade qualquer. Entravam, saiam, entravam, saiam. Presenteavam Raimunda com relógios falsificados, colares e pulseiras de camelô, perfumes baratos, batom, calcinhas.
Chegou o verão. O bando estava pálido, magro, arfando de cansaço. Pelo menos 12 perderam o ano no colégio, outros ficaram em recuperação e quatro foram expulsos por atentado violento ao pudor em sala de aula. Conversando sentados numa esquina chegaram a conclusão que Raimunda não dormia porque...eles praticamente viravam a noite na casa dela e, além disso, souberam enciumados, possessos, rubros de fúria, que ela estava tendo casos com guardas noturnos, operários de uma obra e até com um padre durante a madrugada e "ainda inventada que fazia reunião", comentaram indignados. Como um ser humano consegue viver sem dormir? Como um mamífero sobrevive apenas copulando, bebendo água, comendo somente amendoim, caju, salsicha?
Os 28 não confessavam, mas Raimunda os iniciara não só no sexo mas também no afeto. Negavam, rugiam, berravam, mas estavam sim apaixonados pela mais feia e gostosa mulher de suas vidas, para quem dedicavam músicas, poesias baratas e até xixi que faziam no muro em frente a casa dela, escrevendo com urina frases de amor, desejo, sofreguidão, povoadas de erros de português.
Um dia todos precisaram ir ao médico. Ardências, ardências, ardências. Diagnosticados com “doença de homem” nomearam um porta-voz para avisar a Raimunda que ela...ela...ela não estava bem. O porta-voz foi lá na casa bege, entrou, foi até a cama de Raimunda e disse que...que...que...ela não estava bem. Raimunda chorou. Muito. Pediu perdão e, delicadamente, mandou o porta-voz sair.
Diante da reação, a confraria de amantes de Raimunda decidiu fazer uma vaquinha e comprar 28 de rosas vermelhas para ela, devidamente envolvidas num buquê romântico com direito a cartão apaixonado com iniciais dos nomes. Nomearam outro pombo-correio para enviar o buquê, lindíssimo. Chico Pardo, que era albino, foi lá, entrou...não, Chico Pardo não entrou. Portão fechado. Pulou o muro. Porta fechada. Tudo fechado. Ninguém. Voltou para o bando. Onde foi parar Raimunda? O que houve?
Vários choraram e saíram caminhando pelas ruas desolados, em luto. Os 28 mataram aula, não conseguiram almoçar e se trancaram cada um em sua casa, em seu quarto pensando no amor perdido. Teria sido a ardência? Teria sido o padre? teria sido um operário, um guarda noturno?
A noite souberam pela TV que Raimunda tentara sequestrar um avião as três horas da tarde, mas não resistiu aos ferimentos durante a troca de tiros com soldados do Exército.
“Amor eterno”, os 28 escreveram no muro da casa bege e...seguiram a vida, digamos assim.