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Alô, aqui é Steve Hackett, ao vivo, na Maldita” - Módulo 35 de meu livro "A Onda Maldita - como nasceu a Fluminense FM"

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Steve Hackett (camisa listrada) em frente a meu irmão, Fernando Mello. Estou a esquerda do meu irmão, cabeça baixa. No fundo, a direita, Alvaro Luiz Fernandes. Depois de uma tarde na Porta do Sol e muito café com camarão frito na Praia de Itaipu, fomos parar na extinta Cantina Romana, em São Francisco, Niterói, onde foi feita essa foto.
Antes, a tarde, no estúdio da rádio, da esquerda para a direita. Steve, Kim Poor, Roberta (ao fundo), Selma Boiron, Hilário Alencar (em pé) e eu.
“(...) Como era de se esperar, ele deixou o Genesis e partiu para uma carreira solo controvertida, alternativa, reunindo ingredientes de progressivo e fusion. Foi aí que a Rádio Fluminense entrou.
Steve ficou de ir à emissora quando viesse passar uma temporada em seu apartamento na Lagoa, Rio. E foi o que aconteceu. Só que de uma maneira muito mais gratificante. Steve soube através de amigos que uma FM tocava seus discos-solo. Em casa, no Rio, ele começou a ouvir e ficou entusiasmado. Afinal ele não era o primeiro a dizer que a Fluminense era a única emissora de Rock autêntico do mundo. Mas disse. Disse várias vezes, dentro e fora do ar.

Num dia qualquer de 1983 soubemos que ele iria até a emissora. Foi uma confusão. Fizemos questão de ir buscá-lo e Lacombe tomou as providências. Só que, na casa de Steve, todos entenderam que iria “uma Kombi” e não Carlos Lacombe. Quando chegou o Lacombe com a Sipituca – apelido do carro da rádio – o porteiro estranhou. Esperava uma Kombi. Uma hora depois, Steve embarcava rumo à rádio.

Estávamos nervosos. Pensamos em fazer um programa especial, gravado, para ir ao ar em quatro capítulos contando toda a história do Genesis, mas alguém lembrou que a rádio não tinha fitas suficientes. Decidimos, então, entrar com ele ao vivo, avisando aos ouvintes que o programa não seria reprisado. Como se não tinha sido gravado? Mesmo assim muitos ficaram furiosos e com toda razão. Como a visita do músico foi mais ou menos em cima da hora, não houve tempo para fazermos chamadas. Mais: fazer chamada do quê se não sabíamos o que seria dito?

Calmo, sereno, Steve entrou no estúdio e começou a entrevista, traduzida pela locutora selma Boiron que foi a nossa brilhante intérprete. Os ouvintes podiam perguntar o que quisessem e, evidentemente, caíram de pau em Phil Collins. Hackett se mantinha elegante e em nenhum momento atirou pedras em seu ex-companheiro de grupo. Por outro lado, encheu a bola de Peter Gabriel, que ao longo da entrevista – que durou três horas  – foi tratado de gênio para cima. 

Entre as perguntas, jogávamos músicas dos trabalhos solo de Hackett e, também, dele com o Genesis. Lá pelas tantas, ele pegou o violão da emissora – onde Gil estraçalhou Oriente – e mandou Horizons. Conseguimos, depois que ele tocasse de novo para que puséssemos na programação. A fita ficou na rádio uns bons meses, encartuchada, entrando na programação. Até o dia em que faltou fita para gravar comerciais e Horizons foi para o espaço.

Nota do autor: Peter Gabriel, mais do que músico, é um dos mais importantes intelectuais contemporâneos. Poço de angústias e conflitos existenciais, foi ele quem asfaltou os caminhos do Genesis e jogou o Rock numa outra missão, a de capturar sensações do futuro. Ele, Robert Fripp, Andy Summers, Keith Emerson, Chris Squire, Steve Howie, Ian Anderson, Townshend, Roger Waters e outros, formam um bando que vive a alguns milênios a frente daqui. Peter Gabriel ficou anos e mais anos gravando um disco épico que se chama “So”. Gravava, desgravava, rasgou músicas inteiras porque demorou a atingir o que ele chama de “alma da alma”. Quando o disco ficou pronto foi um dos maiores socos que levei. Especialmente porque uma parte da percussão – feita por Djalma Correia – foi gravada e mixada nos estúdios da Polygram, hoje Universal, na Barra da Tijuca.

Não nego a inteligência de Phil Collins, de jeito nenhum. A inteligência de Phil Collins está a serviço da indústria de sucessos, um direito dele, enquanto que a genialidade de Peter Gabriel monitora o futuro em prol da qualidade da música de hoje. Ambos são fundamentais neste planeta de contradições, e quando Gabriel faliu, em meados dos anos 80 ao escrever e produzir uma peça de teatro que foi um fracasso, Collins participou de um mega concerto feito para angariar fundos e tirar seu ex-companheiro de Genesis da falência.

O Rock progressivo é muito mais importante do que os preconceituosos modernescos imaginam. Foi ele quem fez a guitarra conhecer o violino, a bateria viajar por dentro dos celos, o baixo navegar pelos mares da harpa. Foi o progressivo quem colocou o Rock perante a poesia renascentista, o pensamento de Rabelais, a anarquia louca e alucinada da música antiga profana. 

Alguém questiona a qualidade de Laks, Tongues in Aspic, do King Crimson, que radicalizou ainda mais nas cordas e sopros acústicos do lendário Island?  Alguém vai questionar A Tab in the Ocean, do alemão Nektar? E as obras do Faust? E os delírios do Premiatta? 

Não me convidem para reuniões de linchamento do Rock progressivo, pois sua importância é tamanha que os ignorantes não sabem onde fica.

Depois da entrevista que acabou umas três da tarde, convidamos Steve Hackett para ir até a praia de Itaipu. Selma Boiron continuava dando a maior força na tradução simultânea e foi conosco. Niterói era uma vergonha. Cidade imunda. Mas acabou virando piada. Quando um urubu pousou a 50 metros do carro, Lacombe pediu que Selma explicasse que o urubu era uma ave sagrada na cidade. Falou de sacanagem. (...)

Chegamos a Itaipu, uma das praias mais bonitas do mundo. Segundo o naturalista Augusto Ruschi me disse em 1980, é uma das poucas praias onde o sol se põe no meio do horizonte. E foi numa tarde dessas que ficamos batendo papo sobre música com Steve Hackett, algo como conversar sobre Bossa Nova com João Gilberto em Itapuã, na Bahia. 

Estávamos, eu, Lacombe, Hilário Alencar, Alvaro Luiz Fernandes, Selma Boiron, Steve e a mulher. Quando anoiteceu, o músico quis dar uma caminhada pela aldeia de pescadores. Eu achava aquilo tudo a cara da Grécia. Acompanhamos, temendo que fôssemos todos assaltados. Preconceito burguês.

Eram umas oito e pouco da noite, céu estreladíssimo de inverno, quando deixamos o bar rumo aos carros. Steve ainda foi dar uma olhada numa muralha do século 17, que cerca o Museu de Arqueologia que existe lá e, infelizmente, quase ninguém conhece. 

Enquanto Steve contemplava a muralha, eu e Lacombe fazíamos xixi nas proximidades. De repente, para assombro geral, começam a subir gigantescas bolas vermelhas de dentro do mar. Eram centenas, milhares talvez. As bolas tinham tamanhos de ônibus e rumavam no mais absoluto silêncio para o céu. Ficamos meio paralisados. Steve chegou a dizer: “Discos voadores.” O fenômeno durou uns três minutos, mais ou menos. 

Como não acreditava – como ainda não acredito – em discos voadores, achei que aquilo ali deveria ser algum tipo de... de... sei lá. Francamente. Fiquei preocupado com a exploração que poderia rolar em cima. Afinal, como disse anteriormente, a Fluminense era considerada um viveiro de doidões. Imagine o que não iria rolar de folclore em cima da notícia de que o ex-Genesis Steve Hackett – também com fama de doidão, apesar de só gostar de café bem quente com camarão frito – e o pessoal da Maldita tinham visto uma esquadrilha de discos voadores. Ficou por aí mesmo essa história.

Na manhã seguinte o jornal O Fluminense publicou uma nota curta sobre os tais discos voadores. Outras pessoas os tinham visto na Região Oceânica de Niterói e logo ligaram para a Redação. Eu, mais com o objetivo de queimar as ilusões, telefonei para o saudoso médico e ufólogo Sylvio Lago, um senhor que estava entre as figuras mais respeitadas mundialmente em se tratando de Objetos Voadores Não Identificados. Perguntei a ele se havia como provar se era uma ilusão de ótica coletiva ou ao. Dr. Sylvio explicou que só através da hipnose poderia checar. Isso significava que todos nós teríamos que nos submeter ao exame. Preferi descartar o negócio. 

Não acredito em OVNIs porque acho que as civilizações superiores devem dispor de meios de transportes menos primitivos, como deslocadores de matéria ou a própria engenharia genética. Mas isso é outro assunto, provavelmente, para outro livro que jamais escreverei. Acho que só devemos escrever sobre coisas em que acreditamos. E disco voador, meu amigo, francamente...

Nota do autor: Várias pessoas me perguntaram na época o que eu tinha achado dos discos voadores e eu desdenhei. Dizia que devia ser sinalização de barco, apesar de no íntimo nunca ter engolido essa história direito. Três minutos de bola acesa subindo, em velocidade astronômica, é tempo demais, do tamanho de uma música. O Tchan no Egito tinha 2m45seg. 

Consegui manter o assunto relativamente na moita até abrir o Segundo Caderno do Globo numa edição de 1998, quando Steve Hackett estava no Rio. Na capa do Segundo Caderno, uma enorme entrevista com ele e um subtítulo em letras garrafais dizia: “O fato mais impressionante da minha vida foram os discos voadores que vi com Luiz Antonio Mello na Praia de Itaipu, em Niterói.” 

Fui sacaneado em todas as rádios do Brasil e pelo telefone cansei de espinafrar disco voador. Os ouvintes entravam no ar me sacaneando, e para culminar, fui chamado para um programa de televisão para falar desta minha experiência. Não fui e ao atender o telefone falei que eu não era eu, era meu irmão, e que eu estava viajando. Aproveito esta oportunidade para implorar: nunca mais toquem neste assunto comigo.











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