Texto restaurado e reeditado
Impressionante a história das barcas Rio-Niterói, cheia de idas e vindas, paradas, pancadarias, calmarias. Tempos atrás publiquei aqui no blog um verbete que encontrei no Wikipedia: “A Revolta das Barcas foi um levante popular, ocorrido em 22 de Maio de 1959 contra o serviço hidroviário na cidade de Niterói, estado do Rio de Janeiro. A revolta, além de 6 mortos e 118 feridos, resultou na depredação e incêndio tanto do patrimônio das barcas quanto da residência da família de empresários que administravam o serviço (o Grupo Carreteiro), e terminou com intervenção federal e estatização das barcas.”
Nascia do fogo o Serviço de Transportes da Baía de Guanabara (STBG), do Governo Federal, considerado algumas vezes como o mais pontual do mundo por revistas especializadas. Mas veio a fusão, em 1975, que estuprou o antigo Estado do Rio. Niterói perdia a condição de capital do Estado, a ponte tirava o poder das barcas, a antiga Guanabara, que era próspera e eficiente, passou a viver administrando déficits. A fusão foi um desastre para ambos os lados. Por sugestão do amigo Renato Beranger li “A Revolta das Barcas”, livro de Edson Nunes, que dá uma aula sobre a rebelião.
Bem, no do STBG criaram a tal da Conerj. As barcas deixavam de ser controladas pelo Governo Federal e passavam ao controle do estadual. Foi quando a coisa começou a desandar de novo até os dias de hoje, quando o serviço está em mãos de uma empresa privada. Ponto.
As barcas não são mais as mesmas, nem o Rio, nem Niterói, nem nós, mas o fim da barca da madrugada deve estar deixando muita gente com saudade. Gente que estudava no Rio, ou trabalhava em compensação de cheques, telemarketing, enfim, a barca “do sereno” era um celeiro de casos. Muitos casos que renderam crônicas, artigos, contos.
Guardo uma história inédita daquele tempo. Um grande amigo, cujo nome não revelo nem sob tortura, era um quase hippie, gente boa pra caramba e naquele final dos anos 70 vivia uma grande paixão. Um dia teve uma idéia. Afoito, corajoso, tocou a idéia em frente e, as 23 horas e 45 minutos de um sábado de meia lua, estavam ele, a paixão (que já alcançara a condição de namorada), duas garrafas de vinho branco, um edredon, travesseiros, taças de cristal e velas.
Ele conhecia um marinheiro, daqueles que acordavam os passageiros batendo com um jornal no encosto dos bancos de madeira quando a barca chegava. Meu amigo pagou a passagem, fez um sinal para o marinheiro amigo, entrou na barca, subiu e foi lá para a popa. Assim que a barca saiu, ele fez pepé para a namorada e em seguida subiu no teto da embarcação. Esticaram o edredon, abriram o vinho, acenderam as velas, deitaram e passaram a noite ali, no teto da barca, sob o manto da meia lua, céu banhado de estrelas, brisa do mar, enfim, parecia Onassis com Jaqueline num mega-iate. Rio, Niterói, Rio, Niterói, incontáveis vezes. Claro, fizeram amor, deram gargalhadas, sem que os passageiros suspeitassem o que estava acontecendo lá em cima.
Quando o sol ameaçou surgir em Niterói, o casal desceu. O marinheiro amigo já não estava mais – certamente seu horário havia acabado. Deixaram a embarcação e ele, meu amigo, tirou uma única foto da proa de seu provisório ninho de amor. Foto que não mostra para ninguém. Em Niterói, foram a padaria “Pão Quente”, tomaram café num copo só, juras de amor trocadas entre pequenos goles e fatias de queijo e presunto. Terminava assim mais uma viagem da “barca do sereno”. Uma de muitas, muitíssimas, cujo segredo o mar, mesmo poluído, consegue guardar até hoje.