Tempos atrás, eu vinha andando por uma pequena rua que não conheço, no miolo de um bairro operário provavelmente o mais quente que já pisei, fora Bangu, no Rio. Eram duas da tarde e, penso, a temperatura ali passava dos 40 graus. Não falo da tal sensação térmica, invenção pequeno-burguesa dos neo-meteorologistas, mas de temperatura mesmo.
Nem lembro no que pensava, afundando o pé naquela lama asfáltica desesperadora e opaca, doença industrial que ajudou a enterrar o planeta. Ou alguém duvida que o nosso planeta, outrora azul, foi enterrado vivo pela especulação imobiliária, desmatamento, poluição generalizada?
Pois eu caminhava pela rua sem árvores e com a calçada cheia de buracos e, de repente, ouvi um grito conhecido. Conhecido, não, muito conhecido. Meio grilado (medo de desabar em minha cabeça) parei embaixo de uma marquise ligeiramente podre e ouvi o final de “Speak To Me”, faixa que abre o genial e eterno álbum The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, 1973. Na sequência, emendada, depois do grito desesperado, aflito, tomado de agonia, o alívio de “Breathe”.
Não quis saber de onde estava vindo aquela música que caiu como luva em meu estado emocional. No meio do calor, tomado de dúvidas, pensamentos caóticos e muitas vezes incoerentes, o grito da música no meio daquele maçarico existencial boçal foi a trilha exata que o destino escolheu para sonorizar a minha angústia.
Angústia que clamava pela suavidade de “Breath” que, não sei porque, a pessoa que ouvia abaixou o volume logo nos primeiros acordes. Provavelmente também estava vivendo uma crise de histeria parecida com a minha e queria mais grito, mais gritos, algum berro, mas, ao contrário de mim, não quis o conforto da suavidade de “Breath”.
Continuei andando pela rua que, apesar de pequena, suja, estreita, parecia não acabar. Cruzei com pessoas que pareciam zumbis, banhadas de suor, apáticas, lesadas, balas perdidas andando reto sem ter o que falar, ouvir, olhar. Olhar o que naquela paisagem hedionda? Provavelmente eu também devia estar assim, caminhando estaticamente, olhos secos, boca seca, suor, leve desespero e muita angústia.
Pensei “quando chegar a um computador vou escrever alguma coisa agradecendo a pessoa que colocou “Speak To Me” e “Breath” justamente na hora que eu estava passando por aquela picada.” E é o que faço agora. Mais do que um desabafo, esse texto pretende agradecer a anônima pessoa que gritou através do Pink Floyd mas que não quis arrefecer, como eu. Sim, com “Breath” arrefeci porque eu precisava me comportar já que entraria em uma reunião de trabalho meia hora depois. Tive que calar. Pior: tive que dissimular, inventar um alívio inexistente porque em 28 minutos teria que estar encenando um outro papel, a do brasileiro gente boa que adora o país tropical, o calor, o suor, e abomina crises existenciais que ele, brasileirinho, chama de coisas de babaca.