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Um Campo de pombos e preás. Saudade das vadias do Campo de São Bento

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Texto restaurado e reeditado

Os niteroienses mais fanáticos chamam de “Central Park”, outros de “Nosso Jardim Botânico”, e por aí vai. Fato é que o único defeito do Campo de São Bento, a meu ver, é ser pequeno demais. Merecia um grande retângulo na avenida Roberto Silveira entre a Ary Parreiras e Álvares de Azevedo, descendo até a Praia de Icaraí. Faltou visão, perspectiva de futuro aos que criaram esse micro pulmão verde da Zona Sul de Niterói.

Foi ali que estudei parte do primário, no Colégio Joaquim Távora, onde passava oitenta por cento das aulas olhando para a janela. Árvores, pássaros, sol. Não foram poucas as professoras que me chamaram atenção, mas fazer o que se eu tinha me tornado um selvagem quando vivi de três aos nove anos em Angra dos Reis, quando meu pai serviu como oficial de Marinha no Colégio Naval?

O Campo entrou em minha vida quando minha família veio de Angra para cá e, depois de uma rápida passagem pelo Saco de São Francisco, passamos a morar na rua Álvares de Azevedo, também em Icaraí. Eu ia para o colégio de manhã e depois das aulas ficava vagando pelo Campo mesmo, observando passarinhos, deitado nos bancos sem camisa olhando para o céu, voltando em seguida para casa.

Detestava estudar e, também nesse aspecto, o Campo de São Bento foi meu cúmplice fiel. Em suas árvores, sempre empoleirado lá no alto, conseguia me manter fora do raio de visão da Kombi branca do então Juizado de Menores que passava o dia caçando crianças uniformizadas que supostamente estavam matando aulas.

Era tempo de Beatles, Rolling Stones e para mim e meu irmão, Fernando Cesar, também The Troggs, The Who. A Álvares de Azevedo era uma rua animada. Ali aprendi com “Bambam” a fazer cabeças de nego que íamos testar no Campo de São Bento. Bombas poderosas, capazes de lançar uma lata de leite em pó a mais de 15 metros de altura.

“Bambam” e parte do bando da Álvares usavam o salão de cabeleireiros da mãe dele na calada da noite para aperfeiçoar as fórmulas, sempre regadas a muita pólvora granulada. E tome bombas no Campo de São Bento. 

Inventamos, inclusive, uma espécie de granada acionada pelo choque de bolas de gude com uma parede, por exemplo. Bombas e correria porque a vizinhança imediatamente chamava a polícia e ela, a temida Kombi branca. Por causa das explosões alguns pombos morriam e nós, cinicamente em nome de sei lá o que, fritávamos e comíamos usando fogareiro Jacaré. Claro, a comilança era no Campo mesmo.

O tempo foi passando, mudei de colégio, mas não de quintal. Aos 11 anos, com amigos que não vou citar por razões óbvias, passamos a ter outro, crucial e eterno interesse: mulher. Íamos em pequenos grupos para o Campo de São Bento à noite suplicar por uma mísera encoxada nas adoráveis e saudosas vadias que habitavam o lugar.

As novas gerações tem muita dificuldade de entender que nós não tínhamos liberdade tem para der beijo no pescoço de nossas namoradas perto de pais e mães, o que dirá chupar peitinho, brincar entre as coxinhas e copulá-las em suas casas. Por isso, partíamos para o mercado paralelo que, por sinal, era jogo muito duro. “Sai pra lá garnizé, branco azedo” era o mínimo que ouvíamos, mas não desistíamos.

Até que uma tal de Nazareth, vulgo Naza, caridosa, que apreciava galetos de nossa idade, me prometeu que mostraria a sua “preá” em troca de um saco de pipocas. Problema, porque parte de nossa turma não podia mais freqüentar as imediações do cinema São Bento por ter sido acusada, injustamente, de ter promovido um quebra-quebra durante a exibição do filme “Os Reis do Iê Iê Iê” (“Hard Days Night”), dos Beatles. Não, não fomos nós, mas todo mundo nos acusava. E os pipoqueiros ficavam perto do cinema, é claro.

Ainda assim, arrisquei. Iria contemplar uma “preá” pela primeira vez na vida, real, ao vivo, depois de anos e mais anos de especulação e bronhas proporcionadas pelas revistinhas de Carlos Zéfiro, que também líamos em grupo no Campo de São Bento como se estivéssemos num jogral.

Consegui a pipoca e Nazareth ficou se deliciando atrás do coreto, na época transformado em viveiro de pombos e rolas (rolinha grande e não falos), que assávamos. Meu coração estava disparado, a boca seca, mãos suando frio. Afinal, depois daquele saco de pipoca eu ia ver uma “preá” peluda, carnuda, saudável. E foi o que aconteceu. Nazareth amassou o saco (de pipocas) quando acabou de comer e disparou a senha mágica: “vem meu periquito”. E levantou a saia. Quase desmaiei quando vi aquele espetáculo. Nazareth não usava calcinha e, sedutoramente, convidou “passa a mão na preá, passa”. 

Passei a mão, tremendo e Nazareth sussurrando “treme mais periquitinho, treme”, e eu tremia, urrava e parti pra dentro como um protótipo Ferrari nas 24 horas de Le Mans, pilotado por Steve Mcqueen (eu sei, sim, que no filme ele pilotou um Porsche, mas o delírio é meu).

O Campo fechava as 10 da noite. Não sei quanto tempo eu, Nazareth e a “preá” ficamos ali atrás do coreto, mas o fato não passou disso. Se bem que... posso falar? Nazareth também acariciou o que chamava de “trombinha”, e eu senti o primeiro orgasmo a dois de minha vida. Antes de ir embora, peguei um prego no bolso e marquei a data numa árvore. Nazareth pediu sigilo, que guardo até hoje. Pediu também drops, linha, agulha, um pente, um gel para cabelos, duas pilhas para rádio, enfim, uma lista de presentinhos que minha santa madrinha financiou numa boa, sem perguntar para que e, principalmente, para quem.

Foi quando passei a defender o Campo de São Bento. Briguei com Bambam. Eu dizia “bomba aqui não”, ele não entendia e eu jamais explicava que não poderia correr o risco de ser expulso daquele lugar. Eu já arranhava um violão e nos fins de semana íamos todos os amigos com suas namoradas “sérias” de mãos dadas para sentarmos a beira do lago que, por sinal, estava com a água podre. Eu tocava, outros tocavam (violão, que fique bem claro) e depois deixávamos as meninas em casa.

A noite, caça as vadias. Uma vez contei cinco amigos embolados com suas respectivas amásias na beira do lago. Um, de pé, encostado num coqueiro, numa posição conhecida como “garça” (um pé no chão e o outro para trás, encostado no tronco do coqueiro) tremeu e acabou desabando dentro do lago. “Seu merda!”, gritava a amásia, que era empregada na casa de um outro que também estava ali, humilhando nosso amigo.

Icaraí era dominada por turmas. Turma da Mém de Sá, turma da Pereira da Silva, turma da Joaquim Távora e quando os conflitos se acirravam nós ficávamos ilhados em nossa rua. Não queríamos saber de briga. Nosso negócio era pegar onda de peito de manhã na Itapuca, tocar e ouvir rock a tarde e caçar vadiolas a noite no Campo de São Bento. Ah, sim, estudávamos também.

Sabíamos que estava havendo um grave conflito de turmas perto da Otávio Carneiro, mas, ainda assim, fomos a um baile sábado a noite na Domingues de Sá, rompendo a “zona proibida” pela turma de lá. Deu problema. Uns caras bem mais velhos nos pegaram, levaram para o Campo de São Bento e, ali perto do parquinho deram 50 “caniçadas” nas costas de cada um. “Caniçada” era golpe com caniços de pesca. Doía muito.

Em seguida, como de hábito, escolheram três e “crucificaram”, ou seja, amarraram em postes de iluminação. Acusação: um de nós teria dado em cima da irmã caçula de um deles.

Bambam estava entre os crucificados e quem viveu esse tempo, essas turmas, esse Campo de São Bento lembra bem porque saiu até em jornal. Na semana seguinte Bambam jogou uma mega cabeça de nego na casa de um dos sujeitos que o crucificaram. Explodiu na varanda, estilhaçou vidros, os pais do sujeito passaram mal, foi um horror. Ninguém viu. Lembro que até a polícia política (Dops) andou investigando e somente hoje posso dizer o que aconteceu de fato com a famosa “Bomba do Campo”. Por causa disso, o Campo de São Bento passou semanas sendo rastreado pela polícia e as nossas vadias sumiram. Foram pelo menos três meses de “Campo proibido”.
Não éramos mais virgens graças ao apetite voraz das “preás”. Do subgrupo que perambulava pelo Campo a noite movido por péssimas (?) intenções, todos estavam magérrimos. Bambam? Sumiu. Fui encontrá-lo nos anos 90 na Prainha, em Itacoatiara. É medico no Paraná. Psiquiatra! Mesmo assim, quando ia saindo comentou “aqueles tempos no Campo de São Bento são inesquecíveis”, e deu um sorriso.

Tempos em que comecei a achar que era poeta. Foi no Campo de São Bento que escrevi minha primeira e última poesia chamada “Ana”, que tirou primeiro lugar num concurso no Abel. Lembro daquela noite como se fosse ontem à tarde. O grande jornalista e querido mestre Carlos Ruas ao microfone anunciou que “Ana” tinha sido a campeã. Aproveitei que o Campo me inspirava e sempre que podia levava minha pequena máquina de escrever para lá e soltava meus devaneios. E vieram os jornais, rádios, tudo no galope do tempo que voou e voa.

Os meus amigos sumiram, outros vieram e o Campo de São Bento está lá. Para escrever esse texto decidi dar um pulo para ver como andam as coisas. Cheio de gente, muita criança, feiras, mas a essência continua a mesma. Entre pombos e preás.





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