
O tempo é escorregadio. “Uma ilusão persistente”, afirmou um dia Albert Einstein, exasperado por não conseguir colocá-lo inteiro numa equação. Até hoje, os cientistas lutam com uma definição precisa. De todas as grandezas físicas, o tempo é a mais difícil de definir e compreender. Vivemos, portanto, mergulhados numa entidade cuja natureza profunda ignoramos.
Contudo, há duas ou três coisas que ao longo de todos estes anos aprendi sobre o tempo. O tipo de evidências poéticas que a ciência ignora:
1) O tempo dilata com o calor: tardes muito quentes costumam ser vagarosas. Não correm — deixam-se acontecer.
2) O tempo encolhe à medida que envelhecemos. Um dia não dura o mesmo para mim, ou para os meus filhos. Para mim, os dias são cada vez mais curtos — incluindo as tardes quentes.
3) Uma das formas de recuperar a consciência temporal que tínhamos em criança, ou seja, de voltar a habitar esses dias extensos, é praticar a infância, rindo com os amigos; brincando com os filhos (ou os netos) ou aprendendo kitesurfe. Ler um bom romance também ajuda.
4) Avançar no tempo não é o mesmo que envelhecer. Viajar no tempo, como qualquer viagem autêntica, deve ser aventura e aprendizado. Amadurecer é ganhar independência. Envelhecer é perdê-la.
5) A velhice é contagiosa. A juventude também. Assistir ao espetáculo da juventude rejuvenesce. Por exemplo, enquanto escrevo esta coluna vejo pelas redes sociais milhares de jovens ocupando a Praça da Independência, em Luanda, defendendo uma maior abertura democrática e protestando contra a violência policial e a degradação das condições de vida da maioria da população angolana. Gostaria de estar lá, entre aqueles jovens, sonhando um futuro melhor. Sonhar nunca é inútil.
6) “Um homem tem a idade da mulher que o ama”, dizia Pablo Picasso, que hoje em dia parece ser mais conhecido pelo seu machismo do que pela sua arte. Caso prefiram, podem alterar a frase para: “Uma pessoa tem a idade daqueles que a amam.” Gosto da ideia. Claro que funciona melhor para homens como Picasso, que foi ficando cada vez mais jovem à medida que atravessava os anos, ou para mulheres como Brigitte Macron.
Agora as queixas: enquanto avançamos no tempo, vamos ficando a conhecer cada vez melhor o nosso corpo. Infelizmente, pelas piores razões. Aos 20 anos, os meus órgãos internos eram uma vaga suposição. Só comecei a ter a certeza de que existiam quando passaram a reclamar. Lembro-me sempre do meu pai no dia em que festejou 90 anos: “Até aos 80, foi muito fácil”, disse-me. “Era como se nem tivesse um corpo.”
O meu deu-se a conhecer muito mais cedo. Suspeito que quando chegar aos 80 já saberei o nome de todos os ossos dos pés e das mãos. Ou não. O problema é que aquilo que ganho em ossos perco em memória.