Márcio com meu irmão Fernando César e minha cunhada Milena. Um
dia desses que virou nunca mais.
Foi uma noite cheia de pesadelos, mas por alguma razão todas as minhas noites são de pesadelos.
Mas a de sábado para ontem foi diferente.
Acordei sentindo um mormaço interior estranho, como se tivesse sido resgatado de um afogamento.
A tarde peguei a bicicleta, fui até um shopping no Centro, depois a outro, não achei o que procurava e concluí que não estava procurando nada.
Tomei um café.
Tomo dois por dia.
Tomei um café com aquela sensação estranha, e quando voltei a pedalar parei no Reserva Cultural para fazer o que gosto muito.
Contemplar e pensar.
Contemplar as pessoas, o movimento dos barcos, os carros, as motos, os aviões e, claro, o céu azul implacavelmente belo do inverno, antidepressivo natural, escitalopram circulando entre os leves e sinuosos riscos de nuvens.
Sentei no Bistrô, a garçonete trouxe o cardápio, escolhi algo leve, bem leve e o meu refrigerante.
O prato que pedi era uma celebração ao...inverno, inventei. Mas para ficar perfeita, precisava do meu refrigerante porque ambos geram um prazer impossível de descrever.
Mas a garçonete voltou e disse “só tem tônica, isso e aquilo, não tem o refrigerante”.
Fidalgamente (mas puto da vida, admito), cancelei o pedido, peguei o capacete, a bicicleta e, estômago roncando (eras 4 e meia da tarde), segui para a Boa Viagem, subida do MAC, Praia das Flechas, Icaraí.
Almocei em casa. Foi ótimo. Com o meu refrigerante.
Queria notícias de meu irmão, cunhada, sobrinha, sobrinho porque a tal consumição não havia parado. Pensei “hoje tem futebol, não vou encher o saco ligando, perguntando tudo bem por aí? E tal.”
Poderia ter mandado uma mensagem pelo execrável whatsapp mas muitas vezes não recebo resposta, o que me faz mal. Além de ser uma araponga impessoal, fria, quase telex de delegacia antiga.
No início da noite de ontem ele, o whatsapp, apitou. Era meu irmão comunicando a morte de Márcio Pacheco de Mello um amigo muito, muito, muito querido de meu pai, minha mãe, querido mim e, especialmente, meu irmão e Milena, minha cunhada, que eram irmãos dele.
Foi um baque.
Se eu fosse chegado a esoterismo, como já fui dia, diria que o mal-estar que sentia desde a manhã talvez pudesse ser um mal presságio. Mas não sou mais esotérico.
E aquela mensagem no whatsapp, sem tom de voz, sem respiração, sem torpor, me causou imediata reação. Liguei para o meu irmão.
Márcio estava em casa, na noite de ontem. Um ataque cardíaco o levou embora, sem mais nem menos, como um sopro de vento sudoeste na vela e que força o barco a uma manobra inesperada.
Eu o chamava de Marcinho. Desde garoto. Mas um dia pensei bem, “é meu amigo, amigo de meus pais, de meu irmão, mas chama-lo de Marcinho é muita folga”. E quando o encontrei, dias depois, abracei e perguntei “tudo bem Márcio?”. No ato ele rebateu, “ué, cadê o Marcinho?”.
Marcio foi presidente da OAB Niterói, foi juiz eleitoral, galgou, por merecimento, vários postos importantes no judiciário, mas em nenhum momento deixou de ser o Marcinho.
Falava com todo mundo na rua, no cafezinho, no cinema, nos tribunais.
Apaixonado pelo Direito não conseguiu parar de trabalhar e, com a sabedoria de seus 81 anos, fazia umas ações com meu irmão e a Milena, no escritório do casal. Semana passada Milena almoçou com ele e um cliente. Márcio estava ótimo.
Mas ontem o Marcinho foi embora.
E como isso é triste.
Triste.