Coluna no Jornal A Tribuna RJ de sábado, 20 de junho de 2020
“Hugo Chávez é uma esperança para a América Latina e gostaria muito que essa filosofia chegasse ao Brasil. Acho ele ímpar. Pretendo ir a Venezuela e tentar conhecê-lo.”
“Acho que ele [Chávez] vai fazer o que os militares fizeram no Brasil em 1964, com muito mais força.”
Essas declarações não foram de um esquerdista, ferrenho e radical, mas do capitão Jair Messias Bolsonaro, então deputado, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em setembro de 1999.
Ditador, Hugo Chaves tornou-se invulnerável porque praticamente comprou os militares. Seu governo nomeou milhares com altos salários, as licitações eram ganhas por empresas que tinham militares como donos ocultos. Uma manobra que eternizou o chavismo, no poder até hoje.
Em conluio com os filhos, Jair já nomeou mais de 3 mil militares para cargos comissionados no governo. Só no Ministério da Saúde, pelo menos 25 postos de comando estão ocupados por eles, a começar pelo ministro (que chamam de interino) que é um general de Exército (quatro estrelas).
O presidente acha que pode copiar Hugo Chaves e comprar o apoio das forças armadas e fazer o que bem entender. Jair e os filhos nunca esconderam o sonho de se eternizarem no poder, mas para isso o autogolpe de estado seria fundamental.
Até a prisão de Fabrício Queiroz, quinta-feira, Jair e os filhos contavam com a tolerância e simpatia de vários oficiais de alta patente das três armas, também indignados com o STF, Congresso, etc. Por isso o capitão se vangloriava e ameaçava ao dizer que tem o apoio das forças armadas. Faltou concluir, “para o meu golpe de estado”.
Se havia esse apoio ele pode ter ruído na quinta-feira porque, por dignidade e tradição, as forçar armadas não apoiariam ou acobertariam bandidos, milicianos, corruptos, lavadores de dinheiro, toda a escória envolvida até o pescoço no que o juiz Flávio Itabaiana classificou de “organização criminosa comandada por Flávio Bolsonaro”.
O Ministério Público do Estado do Rio informou ao juiz que Flávio Bolsonaro, além de esquemas de rachadinhas e outros, lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela milícia usando dinheiro público. É o que mostram documentos sigilosos e dados levantados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro aos quais o site Intercept teve acesso.
Os militares, por questão de honra e princípio, não são coniventes com esse mar de lama.
Jair nunca imaginou que um dia iria virar presidente. Foi um militar medíocre que só se destacou no atletismo. Em 1986, acusado de planejar explodir bombas em quartéis e na maior adutora da Cedae em protesto por melhores salários no Exército, passou 15 dias preso e foi julgado pelo Superior Tribunal Militar (STM), onde foi absolvido.
Segundo Luiz Maklouf Carvalho, autor do livro ´O cadete e o capitão’, e que ouviu a gravação original de todo o áudio das sessões do STM “a maioria dos ministros sequer toca no assunto, ou muda de conversa. O Conselho de Justificação [órgão inferior que analisou o caso e condenou Bolsonaro por três votos a zero] considerou apenas os dois laudos positivos. Mas o STM não considerou isso, no meu entendimento, de maneira inacreditável.”
Em uma visionária entrevista de 1993, o ex-presidente e general Ernesto Geisel disse que “Jair Bolsonaro é um mau militar que pede um novo golpe de estado”.
Desde 1991, quando Jair assumiu seu primeiro mandato como deputado e deu início à trajetória da família na política, o presidente e seus três filhos (Flávio, Carlos e Eduardo) empregaram 102 funcionários com parentesco ou relação familiar entre si, vários deles com indícios de que não trabalharam de fato nos cargos.
Jair só chegou ao poder graças ao PT, que ao assaltar a nação gerou indignação, decepção, mágoa no eleitor. Para não reeleger o PT milhões de brasileiros votaram em Bolsonaro que vinha com um discurso moralista, anticorrupção.
Por causa das crises sanitária (Covid-19), política e econômica no Brasil, uma pesquisa do Datafolha nos dias 25 e 26 de maio mostrou que 43% dos brasileiros consideravam o governo ruim ou péssimo, 33% ótimo ou bom, 22%, regular e 2% não sabiam. Foi quando, segundo a BBC, o economista Eduardo Moreira disse em uma live no You tube que “a gente nunca fala dos 70%. Caramba, 70% no Brasil é gente para caramba. Os 70% não estão parecendo, estão com medo. Então eles nunca conseguem se perceber como 70%. Os 30% se acham 70% e os 70% se acham 30%."
Começou ali o movimento "Somos70porcento", uma hashtag que se espalhou nos dias seguintes em redes sociais e que se junta a outras iniciativas suprapartidárias que surgiram nos últimos dias em defesa da democracia e contra Bolsonaro.
Em 15 meses de governo o presidente brigou com o Congresso Nacional, STF, OAB, presidente da França, primeira ministra da Alemanha, com a China, OMS, ONU, OEA, com todos os ambientalistas, cientistas, juristas, com o seu partido, com pelo menos 30 aliados que se tornaram desafetos, todos os prefeitos, todos os governadores, embaixadores...
O que virá?