Álvares de Azevedo
Aprendi aqui no litoral que o vento de leste traz o sol, brando, que no século passado era chamado de tempo bom, mas diante dos implacáveis tempos de estio que marcaram o ano passado, e o retrasado e o passado do retrasado, reconfigurei meu barômetro interior.
Agora o vento bom é o de sudoeste, courier da chuva, da frente fria, bálsamo que invade furioso a Baia de Guanabara e em ensandecido gozus interruptus (língua morta, literalmente) passa batido pelo flanco direito do Pão de Açúcar e vem beijar a boca de Niterói, a Terra Escondida, em tupi.
Foi Álvares de Azevedo quem me apresentou a Quatro Cinco Um, a Revista dos Livros que, com o meu devido atraso, foi a melhor notícia cultural/jornalística que recebi nos últimos tempos. Eu e 423 milhões de sul americanos, estamos muito, muito carentes de voos construtivos, ousadias, elegância, tudo o que essa publicação me proporciona. Na verdade estamos de saco cheio de destruição.
Quatro Cinco Um, a Revista dos Livros, habita o site www.quatrocincoum.com.br,mas existe também em versão impressa que preciso conhecer. Amanhã vou dar um voo na minha Blooks, da Elisa, no Reserva Cultural que, com certeza, deve ter a publicação em papel.
Por que Álvares de Azevedo? Quis o lisérgico destino dessa terra de índio (quer coisa melhor?) que na infância eu morasse na rua que tem o nome deste contista e poeta, que morreu aos 20 anos, 1852. Ele teria caído de um cavalo aqui perto, em Itaboraí, acidente que deixou um tumor que infecionou e levou o rapaz 40 dias depois.
Desde que soube dessa história, com meus 11 anos no colégio (Abel) a rua Álvares de Azevedo ganhou um novo significado, translúcido, eventualmente nublado. Até hoje, preparo um e-mail para os queridos Cacá Diegues e Luiz Carlos Lacerda sugerindo Álvares de Azevedo para filme, cuja versão número um da história do pós enterro do poeta e escritor me abala:
“É enterrado no dia seguinte, num cemitério na praia vermelha na zona sul do Rio de Janeiro que mais tarde viria a ser destruído pelo mar em ressaca. Segundo biógrafos seu cachorro teria encontrado seus restos mortais. Hoje está sepultado no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro, num mausoléu da família perto dos túmulos de Floriano Peixoto e outros grandes nomes do final do séc. XIX.”, conta a Wikipedia baseada em oito publicações.
O site E Biografia dá outra versão:
“Em 1852, Álvares de Azevedo adoece e abandona a faculdade, um ano antes de completar o curso de Direito. Vitimado por uma tuberculose e sofrendo com um tumor, Álvares de Azevedo é operado, mas não resiste.
Faleceu no dia 25 de abril de 1852, com apenas 20 anos de idade. Sua poesia “Se Eu Morresse Amanhã”, escrita alguns dias antes de sua morte, foi lida, no dia de seu enterro, pelo escritor Joaquim Manuel de Macedo:
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã
Quanta glória pressinto em meu futuro
Que aurora de porvir e que amanhã
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã
Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecera ao menos”
Mês passado voltava do Centro de bicicleta e parei para tomar uma Coca Cola zero. Depois de perambular pelo planeta vim morar em outra rua, mas que faz esquina com a do Álvares. Sentado num banco na calçada peguei o celular, acessei o meu site de buscas preferido e necessário, o Ecosia, o Google as florestas. Olhando para a rua Álvares de Azevedo, sem mais nem menos digitei literatura e logo Quatro Cinco Um, a Revista dos Livros, se apresentou. Agarrei e não larguei mais.
Sou veterano no jornalismo, tempos do Jornal do Brasil que editava o caderno “Livros”, e outras dezenas de suplementos literários inundavam os jornais do Rio e da minha amantíssima São Paulo, do país. Nos anos 1990 escrevi muito para o Caderno 2 do Estadão, basicamente sobre música popular contemporânea. Me especializei em rock, cultura que estudo desde que aprendi a ler. Claro, sempre fui e sou jornalista de “geral”, mas jamais deixei de respirar cultura por onde passei. Hoje, mantenho a coluna #HashtagCulturalna Bandnews FM, Rio (https://bit.ly/2Rdibog ) uma outra sobre comportamento, hábitos e cultura urbana no aguerrido diário A Tribuna RJ (https://bit.ly/2OLVwOh) podcast de rock e blues e um monte de outras coisas por aí.
Mas não ou empurrar a indignação para debaixo do tapete. Como eu não sabia da existência de Quatro Cinco Um ?“Como assim, seu imbecil”?, me autoflagelei perto da Álvares de Azevedo e do Álvares de Azevedo. Uma situação que quase virou haraquiri quando li:
“A Quatro Cinco Um é uma revista mensal de crítica de livros, publicada pela Associação Quatro Cinco Um.
Editada por Fernanda Diamant e Paulo Werneck, a revista cobre cerca de 20 áreas da produção editorial, com resenhas dos lançamentos no país e serviço jornalístico voltado para o leitor de livros. A Quatro Cinco Umestreou em maio de 2017, com 40 páginas e tiragem de 32 mil exemplares, dos quais 27 mil foram encartados nos exemplares de assinantes da revista Piauí até o mês de outubro de 2017. (...)”
Ou seja, a revolução de 17 brotou em 2017 e só em 2019 vim tomar conhecimento? Isso só não é absolutamente injustificável porque o Estado do Rio de Janeiro, há muitos anos, anda numa penúria cultural que só agora (isola na madeira, por favor) parece se reerguer.
Assaltaram a saúde, a educação, a polícia e, claro a cultura. Posso falar? Não posso reclamar da minha cidade, Niterói, que tem feito o melhor para honrar o seu DNA de índia e o seu PIB cultural. Tradicionalmente, cultura faz parte da cesta básica da cidade e estou gostando muito do que tem sido feito por aqui.
Ponto. Parágrafo.
Tentando catar explicações como bala de hortelã que resolve escapar da mão no breu de uma sessão de cinema, desconfio que não sou só eu que não conhecia aQuatro Cinco Umporque um dia desses, enchi a bola da revista no Facebook e todos vieram com aquele “ah, é?...legal...”, e imediatamente virou fã clube. Gosto de dar boas notícias, gosto de falar de uma revista inteligente, moderna, antenadíssima, com um visual pós swinging London, uma levada...que levada tem a Quatro Cinco Um.
“Com ênfase em não ficção, em especial as áreas de política, economia, ciências e cultura, mas sem deixar de dedicar atenção à ficção brasileira e estrangeira, a Quatro Cinco Um é um panorama mensal das novidades editoriais. Em linguagem clara, sem jargões nem hermetismo, as resenhas são assinadas por nomes de destaque da crítica e da cultura, especialistas ou não - mas sempre grandes leitores.
Design
O projeto gráfico, de Daniel Trench e Celso Longo, evoca o formato dos “book reviews” norte-americanos e britânicos como o New York Review of Books e o London Review of Books. A fonte tipográfica utilizada, a elegante Financier, foi desenvolvida para o jornal britânico Financial Times e é própria para a leitura de textos longos. O conforto do leitor também pautou a escolha do papel no qual a revista é impressa, Pólen, desenvolvido especialmente para livros.”
Quatro Cinco Um deveria ser adotada na rede pública de ensino, em todo o RJ, mas é melhor parar porque daqui a pouco vão me chamar de novo de roqueiro socialista incendiário. Quando na verdade, fui, mas quem sabe faz o dia, o mês e hora, ou, nada mudou. Que bom!
Voe cada vez mais alto, Quatro Cinco Um. O país precisa de você! Nós precisamos de você!