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Rio de Janeura*

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*música do amigo Sérgio Vid
Não interessa a ninguém, mas deu vontade de falar. Nasci na Tijuca, Rio, numa policlínica da Marinha chamada Amsa, numa sexta-feira de carnaval. Muito calor, mas muita alegria. Meus pais, tios, padrinhos diziam que do lado de fora os bondes estavam lotados de foliões cantando marchinhas, com belas moças marcando presença nos estribos.

Meu tio avô, almirante Raul de Farias Mello, com sua impecável farda branca, chegou e cumprimentou meu pai (que tinha como filho), com uma impecável farda cinza (farda de serviço). Foi tio Raul que influenciou o Comandante a ingressar na Marinha.

Foram tios, tias, todos para visitar o “alemão”, apelido dado pelas enfermeiras porque nasci muito corado, gordo e meio alourado. Irmão do meio de minha mãe, tio Evaldo, eufórico, dizia “o garoto nasceu no carnaval, vai ser da pá virada...em breve vamos vê-lo pendurado em bondes perturbando as garotas.

Contam que meu pai deu uma rosnada, não gostava desse papo. Resumo: virei um cara que não gosta de carnaval mas, no passado, quando começava a seguir um bloco só reaparecia quatro dias depois. 

Lembro que uma vez dormi sob um viaduto em Pilares, Rio, fantasiado de Clóvis. Acordei, média e pão com manteiga ali perto e mais rua, mais carnaval. No ano seguinte, o mesmo quadro. No início do carnaval, fastio, “que bobagem”, mas era só pisar num bloco e eu perdia (ou achava?) a cabeça. Hoje os blocos viraram passeata e as marchinhas palavras de ordem Estou fora.

O Rio era sedutor, uma cidade que não parei nem paro de amar. Caminhar pelo Centro era um prazer quase orgásmico. Respirava-se História, beleza, o vai e vem de pessoas indo e voltando externava a opulência de uma cidade que se orgulhava do seu centro nervoso. 

Como esquecer do Museu Nacional de Belas Artes, Teatro Municipal, Biblioteca Nacional (que bunda tinha uma recepcionista na primeira vez que fui lá), MAM, etc? O Rio era metido, tirador de onda, porque podia ser, era bonito pra cacete.

Zanzando do Passeio a Praça Mauá era impossível não pensar em Machado de Assis, Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector e dezenas, dezenas, dezenas de outros. Entre eles destaco, com orgulho, o maior representante da minha geração de jornalistas, o  cronista Joaquim Ferreira dos Santos, para quem mando um forte abraço. Carioca.

O Centro do Rio era uma usina de inspiração. Era sentar num Café na rua do Ouvidor para o texto fluir pelas chaminés das belas confeitarias. Meu querido, amado e saudoso pai, trabalhou décadas dividindo o seu dia entre a avenida Brasil e a rua 7 de Setembro, no Centro.

Ele foi o homem mais trabalhador que conheci, acordava as 5 da manhã para matar o elefante do dia e só chegava em casa depois das 7 da noite. Passava o dia entre navios gigantescos, guindastes, comandando operações inimagináveis envolvendo centenas de milhares de toneladas e pessoas. Oficial de Marinha condecorado, foi para a reserva e tornou-se o cara do reparo naval, o eterno comandante.

Abro um atalho: provavelmente em 1980, a bordo do porta aviões Minas Gerais, cobrindo uma visita do então Ministro da Marinha do governo do general João Batista Figueiredo, almirante Maximiano da Fonseca (1919 - 1998), fiquei com os meus colegas no convés e para a nossa surpresa, o ministro se aproximou para conversar. Mais do que raridade, era quase uma miragem um oficial de alta patente falar com jornalistas naquele tempo. Conversa boa, bem humorada, ele escapou bem de algumas perguntas mais complicadas e em poucos minutos agradeceu e se despediu. Foi quando eu cheguei perto e disse, meio que cochichando e orgulhoso, “sou filho do Comandante Farias Mello”. Ele abriu um enorme sorriso e, sem cerimônia, disparou “cadê o meu velho amigo Farias? Quero falar com ele! Um abraço, seu pai é um grande homem” e saiu. Um oficial se aproximou e pediu o telefone de meu pai. No dia seguinte o Comandante pai chegou em casa satisfeito, “o Max me ligou, vamos almoçar amanhã, você deu o telefone, né?” Temendo levar um esporro disse “fui eu, ontem no ...” e ele “no Minas, ele me disse”. E ficou por isso mesmo.

Graças ao seu trabalho, deu a família condições de estudar, evoluir e ter tudo o que quis. Foi ele quem me contou a história do Centro do Rio em caminhadas memoráveis que fizemos, ao longo do tempo. A Ilha Fiscal foi um impacto. Fomos lá e vi, toquei com a mão, senti aromas imaginários imaginando o último baile do Império, que o Laurentino Gomes descreve em seu “1889” detalhadamente (descreve, inclusive, o cardápio, quantidade de camarões, etc). Nunca escondi minha admiração por Pedro II.

Hoje, quando sou obrigado a ir ao Centro do Rio dá vontade de chorar. O que um dia foi orgulho, alegria, tornou-se uma podridão. Camelôs vendem orelhas de porco em calçadas estreitas de dois séculos atrás, lojas tradicionais fecham as portas todos os dias porque não conseguem trabalhar com aquela multidão ocupando tudo. As livrarias estão indo embora, a História do Rio está sendo implodida porque toda aquela horda de milhares de pessoas, que enchem as ruas de cocô, barracos de papelão, com direito a assaltos eventuais, tem em mãos o mais poderoso dos documentos em um país sicário: o título de eleitor.

Dados oficiais apontam que 90% daquela gente vieram de outros lugares mas foram rapidamente aliciadas por partidos políticos que, em troca de votos, deram a eles o direito de fazer tudo: mijar e fazer cocô em qualquer lugar a qualquer hora do dia, trepar, molestar mulheres, bater carteiras, brigar com garrafadas, cuspir em guarda municipal que, caso revide, vai ter que se entender com o PSOL (seis vereadores, PRB, PSL e PHS, bando do fundamentalismo evangélico (sete vereadores), MDB, que faz qualquer negócio (10 vereadores” e o resto. Esses partidos não admitem a ordem, lutam pelo esculacho porque, é obvio, gera muito mais votos.

O que dizem nas alcovas é que o miserê no Centro do Rio é orquestrado e tem como líder máximo o prefeito crivella que descobriu que quanto mais espaço dá aos baderneiros, mais votos ganha e mais fiéis pagando dízimo leva para a igreja de seu tio, o aiatolá bispo macedo. Mais: ele está certo de que será reeleito ano que vem porque o seu projeto de molambalização da cidade está dando certo e a quantidade de eleitores vai aumentar.

Vou parar por aqui porque o artigo está muito longo. Antes um detalhe. Toda a escória política nacional, de nodos os níveis, de vereador a presidente, está onde está porque foi eleita pelo povo. 

Logo, cabe a pergunta: a quem interessa o apodrecimento ético, moral e educacional da população?


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