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Corações nas trevas

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Pense numa praia com o mar transparente, água quase morna, sem ondas. Pense na paz de espírito em sua mais profunda tradução. Pense na sensação de felicidade, realização, brisa de verão, no amor da sua vida a caminho. Pensou? Pois eu vivi nesse lugar durante muito tempo.

Ando escrevendo mal por causa da estafa, exausto, não durmo, como mal, fase totalmente “the dark side of the moon”. Não tem problema. Nenhum problema. Não vou pedir desculpas por estar escrevendo mal porque nunca me justifiquei quando escrevi bem. Longe de querer me comparar (era só o que faltava), no documentário “O Apocalipse de um Cineasta” (original “The Hearts of Darkness”), que mostra como como foi filmado o épico “Apocalypse Now” (vulgo “filme da minha vida”), Francis Ford Coppola diz no final que não gostou do filme.

O documentário revela os múltiplos esforços do diretor para trabalhar em meio a forças da natureza, destruindo cenários e enfrentando cansaço físico e mental, problemas de guerrilha nas Filipinas, orçamentos exacerbados (que já ultrapassavam milhões de dólares), descrença dos produtores, uma parada cardíaca sofrida pelo protagonista Martin Sheen, a personalidade arrogante de Marlon Brando, bebedeiras típicas de Dennis Hopper e demais excessos da Nova Hollywood. O documentário apresenta cenas capturadas secretamente por Eleanor Coppola, mulher de Francis, que observou de perto a entrega quase suicida do marido ao projeto, desacreditado no resultado depois de tantas adversidades no set, mas que ao final triunfou, conquistando crítica e público, além da Palma de Ouro e dos Oscars de Melhor Fotografia e Som. Nunca antes a frase dita pelo cineasta fez tanto sentido: “Meu filme não é sobre o Vietnã, ele é o Vietnã”.

A praia que citei no início foi uma longa pausa em meu apocalipse now, que pensei muitas vezes que fosse crônico. Não é. É cíclico. No momento estou dentro dele e por isso faço questão de lembrar dos dias em que pegava um colete salva vida, vestia, e ficava boiando a beira mar durante um longo tempo. Naquele mar especial, daquela praia especial, que foi destruída anos depois pelo vandalismo e pela falta de governo. Não fui mais lá. Não queria ver as pessoas pisoteando meus sonhos tatuados na areia.

O coração nas trevas deu lugar ao sol de meio dia, com direito a trilha de Egberto Gismonti e Naná Vasconcellos. Que disco! Parodiando Belchior, eu era alegre como um rio, um bicho, um bando de pardais e sonhava ser o Smooth Operator inventado por Sade, lá em 1984. Para quem? Para uma dama que estava a caminho e, quem sabe, dançaria uma valsa comigo ao som de canções mais do que românticas e malemolentes.

Esse flash back não significa que estou mal, lambendo cachorro suado pelas ruas. É uma espécie de instant karma que como as ondas de Nazaré (Portugal), olham para a cara do surfista e abrem o coração: “surfe-me ou te devoro”. E como não uso jet sky estou remando a prancha para, quem sabe, ultrapassar a arrebentação num swellgigante e descer os 23 metros de massa d’água. E, claro, mandar uma foto para ela.

Se não estivesse escrevendo mal diria que a arrebentação do mar em swell cabe perfeitamente numa metáfora de quatro letras: vida. Em muitos momentos passamos e em outros só há a opção de descer 23 metros de onda e acabar curtindo o que seria uma adversidade.

Não sei para que serve esse arremesso de letras e palavras contra a muralha do papel em branco, representado aqui por um retângulo digital e sua caneta tecnocrata, o cursor. Mas eu gosto. Sempre detestei máquina de escrever porque as vezes a fita de tinta embolava e cortava o impulso do texto, dando aquela parada quase brochante. Horrível. Isso sem falar da barulheira que me obrigava a parar, em casa, a meia noite. Escrever a mão era pior. Como comecei a trabalhar em jornal com 16 anos, em máquina de escrever, minha caligrafia se transformou numa manifestação anarquista de bêbado. Ninguém entendia. Nem eu. O computador me libertou.

Ontem à tarde, calor do cacete. A primavera, como sempre, vai entrar com o pé na porta. Pretendo voltar a ser um praieiro como sempre fui, mas infelizmente longe daquela minha praia que virou muquifo. Penso em frequentar Icaraí, como muitos moradores do bairro estão fazendo e quando consultei as tais “condições de balneabilidade” do Inea, Icaraí estava liberada. O problema que o Inea é do governo do estado, que está falido e não confio nas medições que, sem grana, devem ser totalmente à bangu.

No mais, feliz ano novo!







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